sábado, 4 de dezembro de 2021

A BÍBLIA E A CONSTITUIÇÃO II

Aprovado na sabatina a que se submeteu no Senado para obter vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça disse que trouxera prontas as respostas ao questionário feito pelos senadores. Como noticiado na Globonews, um dos examinadores, ao saber disto, ficou decepcionado e apreensivo. Com razão. A indiscreta confissão do sabatinado tornou pública a fraude apta a anular a sabatina: informação privilegiada. Nos termos do código civil, tal sabatina está viciada e caracteriza ato nulo de pleno direito.   
Preparar-se para prestar exames nos concursos públicos é usual e necessário. Entretanto, o que não pode é o candidato receber informação privilegiada sobre as questões do exame. Há pouco tempo, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, foi impugnado concurso para a magistratura porque alguns candidatos foram previamente informados sobre as questões que seriam propostas. Percorridos os trâmites administrativos, a impugnação foi rejeitada e as nomeações dos aprovados foram confirmadas. Prevaleceu a teoria do fato consumado. No caso Mendonça, o fato ainda não se consumou.
Certamente, os componentes do bloco parlamentar evangélico que pressionavam o Senado para aprovar o presbiteriano, encarregaram-se de informa-lo antecipadamente das questões que seriam formuladas, quiçá até o ajudaram a montar as respostas. Esse fato ajusta-se à dissertação clara e firme do jornalista André Trigueiro no programa estúdio 1, do canal Globonews, sobre a formação de um ativo bloco evangélico com projeto de poder. Na ocasião, os jornalistas comentavam a citada sabatina.  
O projeto referido pelo jornalista parece existir de fato, mas não de direito. A intenção que se capta nesse movimento é a de fazer do Brasil uma república autoritária religiosa fundamentalista. Evidenciam esse propósito: (i) as ruidosas manifestações do bloco evangélico no plenário da Câmara dos Deputados sobre a conquista do poder político iniciada com a eleição do atual presidente da república (ii) a influência cada vez maior da bancada evangélica fundamentalista no Legislativo (iii) o ingresso dos seus representantes no Judiciário.
Segmento da mais ampla família religiosa protestante apropriou-se do termo “evangélico”, como se apenas os seus membros fossem os seguidores autênticos e fiéis do evangelho de Jesus, o Cristo, senhores exclusivos da sagrada escritura. Consideram pervertidas as demais denominações cristãs. O candidato sabatinado integra esse grupo “terrivelmente evangélico” que coloca a Bíblia acima de tudo. Daí, a assertiva: na vida, a Bíblia; no tribunal, a Constituição, do esperto sabatinado para agradar a comissão examinadora durante a sabatina. 
A Bíblia por ele mencionada compõe-se de 73 livros dos mais diversos autores (alguns desconhecidos) e se divide em duas grandes partes: a judaica (antigo testamento) e a cristã (novo testamento). Os cinco primeiros livros da primeira parte foram escritos no século IV antes de Cristo por eruditos judeus liderados por Esdras, sob a tutela do rei da Pérsia. Os quatro primeiros livros da segunda parte foram escritos nos séculos I e II da era cristã por eruditos cristãos em nome dos apóstolos. Intitulam-se evangelhos, palavra que significa “boa nova”, apelido da mensagem trazida ao mundo por Jesus, o Cristo. 
Na vida do povo brasileiro importa não só essa bíblia branca de pouca verdade e muita fantasia, mas, também (i) a bíblia morena das crenças, dos cultos e rituais dos nativos e dos afrodescendentes (ii) a bíblia do espiritismo (Livro dos Espíritos) (iii) a bíblia dos muçulmanos (Corão) (iv) outros textos sagrados. Há milhões de brasileiros das mais diferentes confissões religiosas e místicas todas amparadas no ordenamento jurídico.


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