domingo, 28 de novembro de 2021

CRIMES POLÍTICOS

O movimento popular em São Paulo (2013), a operação lava-jato em Curitiba (2014), o golpe de estado em Brasília (2016), a prisão do ex-presidente e as condutas ilícitas dos novos presidentes da república (2016-2021), trouxeram à balha o conceito e a tipificação do crime politico e a aplicação da pena correspondente.  
Num amplo sentido, crime consiste na ação e na omissão dolosas ou culposas contrárias às regras éticas e às regras jurídicas. As regras éticas, escritas ou não, emanam das convenções sociais e dos valores difusos e têm força persuasiva desprovida da ameaça de violência. A aplicação de algum castigo é facultativa e obedece aos desígnios da sociedade e à consciência coletiva. 
As regras jurídicas (mínimo ético imprescindível) emanam dos fatos e dos valores de maior relevo para a pessoa, para a sociedade e para o estado e são formalizadas pelo legislador. Se forem violadas dolosa ou culposamente, o consequente castigo é obrigatório. A aplicação cabe ao estado, que dispõe do monopólio da força física para manter a ordem e fazer cumprir as leis. 
No avanço da civilização, a vingança instituída substituiu a vingança pessoal. O castigo pelo mal praticado por alguém virou tarefa do estado. A justiça pelas próprias mãos entrou para a esfera do ilícito. A legítima defesa entrou para a esfera do lícito. A vítima suplica ao estado: justiça! Critérios científicos, morais e religiosos foram estabelecidos para avaliar a gravidade do mal e calcular o quantitativo da pena. 
A fim de garantir a liberdade individual, a ação e a omissão dolosas e culposas tratadas como crimes puníveis pelo estado, devem ser descritas previamente e de modo claro e preciso no texto legal. Incide o princípio de direito: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem previa cominação legal”. Nullum crimen nulla poena sine praevia lege
Ao cominar penas aos transgressores, a lei tem por escopo a proteção dos bens e valores tutelados pelo direito, tais como: vida, saúde, honra, dignidade, verdade, liberdade, igualdade, justiça, paz, trabalho, patrimônio, segurança, família, bem-estar, meio ambiente, democracia, soberania, cidadania. Destarte, o crime pode ser de natureza política, social e econômica. Os motivos de quem o pratica variam: nobre (eutanásia), torpe, fútil, pecuniário, passional, ideológico. 
As vítimas do crime de natureza política são: o cidadão, a sociedade e o estado. Como povo, governo e território são os elementos constitutivos do estado, a ação e a omissão dolosas e culposas que lhes provocam dano ou que os colocam em perigo, classificam-se como crimes politicos. Compete ao legislador ordinário descrever as ações e omissões consideradas crimes politicos. A referência a esses crimes na Constituição da República (CR/1988) é genérica, sem definição do tipo penal. Portanto, ninguém pode ser processado com base exclusiva no seu artigo 109, IV, que é precipuamente regra de competência. 
Os crimes politicos devem ser garimpados no Código Penal e nas leis esparsas como (i) a 14.177/2021 sobre segurança nacional (ii) a 1.079/1950 sobre responsabilidade do presidente da república, dos ministros, inclusive os do supremo tribunal, do procurador-geral da república, dos governadores e secretários dos estados (iii) o decreto-lei 201/1967 sobre prefeitos e vereadores (iv) a lei 2.889/1958 sobre genocídio (v) a 4.898/1965 sobre abuso de autoridade (vi) a  8.176/1991 sobre ordem econômica. Leis complementares, leis ordinárias e decretos-leis não revogados expressamente por leis posteriores, são recepcionados, total ou parcialmente, pela CR/1988. A extensão desse recebimento deve ser examinada caso a caso. 
A competência para o processo e julgamento dos crimes politicos passou da Justiça Militar para a Justiça Civil. Há crimes politicos conexos aos crimes comuns. Alguém, por exemplo, obtém fundos mediante assalto a banco (crime comum) para financiar movimento rebelde contra o governo (crime politico). Segundo a CR/1988, a competência para o processo e julgamento pode ser do Legislativo (crimes politicos) ou do Judiciário (crimes comuns e politicos). Compete ao Judiciário decidir, no caso concreto, em derradeiro grau de jurisdição, sobre a constitucionalidade dos procedimentos.   
A materialidade e a autoria do crime são provadas mediante confissão, testemunho, documento e/ou perícia. Geralmente, nos crimes comuns, instaura-se inquérito policial a fim de obter provas e instruir a denúncia a ser oferecida pelo ministério público (MP). O inquérito policial é dispensável: [I] quando às mãos do MP chegam documentos idôneos e suficentes para provar a materialidade e indicar a autoria do delito [II] quando ha inquérito parlamentar. 
Em havendo inquérito parlamentar não se há de falar em inquérito policial sobre os mesmos atos e fatos. Seria um injustificável bis in idem, explicável apenas como chicana, expediente protelatório para evitar ou retardar a ação penal. Autonomia nao se confunde com soberania. A autonomia do MP está condicionada à soberania do Poder Legislativo. O inquérito policial, na hipótese em tela, significaria capitis deminutio à autoridade soberana do Congresso Nacional. Se a materialidade e a autoria do delito estiverem provadas, o MP tem o dever funcional de propor a ação penal com base no inquérito parlamentar sem mais delongas. 
Ao MP é defeso arquivar ou engavetar inquérito parlamentar. Não lhe cabe também decidir sobre culpabilidade, pois, tal decisão compete ao magistrado no bojo do devido processo judicial. Constatada a protelação do MP, cabe a qualquer cidadão (de preferência parlamentar) com fulcro no inciso LIX, do artigo 5º, da CR/1988, oferecer denúncia perante o Judiciário contra o autor do crime apurado no inquérito parlamentar. Quanto ao chicaneiro agente do MP, ele poderá ser processado criminalmente por omissão dolosa.  
   


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