domingo, 24 de outubro de 2021

CPI x MINISTÉRIO PÚBLICO

ABREVIATURAS. Comissão Parlamentar de Inquérito = CPI.  Ministério Público = MP. Constituição da República = CR. Código Penal = CP. Código de Processo Penal = CPP. Regimento Interno do Senado Federal = RISF. 

SUMÁRIO. Abusos na pandemia. Dever institucional do MP de acatar as conclusões contidas no relatório da CPI. Distinção entre inquérito parlamentar e inquérito policial. Soberanias do Poder Legislativo e do Poder Judiciário como limites à independência funcional do MP. 

No Brasil, até o momento, a pandemia ceifou mais de 600 mil vidas e abalou a saúde de mais de 20 milhões de pessoas. Da pandemia se aproveitaram pessoas físicas e pessoas jurídicas para lucrar de modo lícito e ilícito. Ante o clamor popular, o Senado Federal criou comissão temporária a fim de verificar o que realmente aconteceu. Instaurado o inquérito, procedeu-se à busca da verdade mediante inquirição de pessoas (inclusive autoridades), requisições e diligências para obtenção e exame de documentos. Ao findar os trabalhos, extingue-se a comissão ex vi legis. O relatório é a peça de encerramento do inquérito. Nele, a autoridade parlamentar relata o que foi apurado e destaca as provas produzidas. Além desse relato estrito e minucioso, a autoridade faz o enquadramento legal dos fatos e das pessoas indiciadas e determina a remessa do inquérito ao MP (opcionalmente, ao juiz ou tribunal) para os fins de direito. Aprovado em sessão plenária, o relatório adquire força política e jurídica própria da soberania estatal do Poder Legislativo que se conecta com a soberania do Poder Judiciário ex vi do preceito constitucional que outorga aos parlamentares poderes judiciais (próprios de juízes e tribunais). Portanto, as conclusões do relatório revestem-se do caráter soberano do Poder Legislativo com força jurisdicional. Por isto mesmo, obrigam. O dever institucional, a independência funcional e o direito de ação judicial do MP, no presente caso, estão jungidos às conclusões do inquérito parlamentar no que concerne à materialidade e autoria de ações e omissões delituosas, à prova oral e documental produzida, ao enquadramento legal dos fatos e das pessoas que ocuparão o polo passivo da relação processual. [CR 58, §3º; 127, §1º + RISF 74, II; 148/153]. 
Considerar-se-á procrastinatória eventual pretensão do MP a inquérito policial sobre fatos já cuidados no inquérito parlamentar. [Bis in idem]. Diferente do que ocorre com a autoridade policial, o MP não pode devolver o inquérito à autoridade parlamentar. [CPP 16]. Assim, também, a devolução é vedada quando, em autos ou papéis que examinam, ao verificarem a existência de crime de ação pública, os juízes e os tribunais (órgãos da soberania estatal) enviam esse material ao MP para que seja promovida a ação penal. [CPP 40]. Polícia, Ministério Público e Forças Armadas são órgãos auxiliares que exercem funções executivas subordinadas aos três poderes da república. Esses órgãos integram o aparelho de segurança do estado.  
Espécie do gênero inquérito, o parlamentar não se confunde com o policial. Diferente do inquérito policial, o inquérito parlamentar não visa exclusivamente a apuração da materialidade e autoria de delitos, pois inclui, também, a busca de explicação e justificação de fatos de qualquer natureza (administrativa, tributária, financeira, ambiental, sanitária, educacional, eleitoral, patrimonial), para fins de produção legislativa, de controle e de fiscalização. A autoridade do inquérito parlamentar é soberana, exercida pelos representantes do povo e dos estados federados, em sintonia com o devido processo jurídico. O trabalho da CPI é transparente, sob ampla publicidade e luz dos holofotes, para conhecimento geral, direto e imediato da nação. 
Na petição inicial da ação penal (denúncia) o MP expõe os fatos apurados no inquérito parlamentar com a respectiva tipificação jurídica e requer a condenação dos denunciados. Tipos de delito não cogitados no relatório podem ser incluídos na denúncia, desde que contidos implicitamente no inquérito (homicídio, genocídio, condescendência criminosa). O que o MP não pode é contrariar as conclusões do relatório aprovado pelo Senado Federal. Na hipótese de desobediência direta, por negação, ou indireta, por protelação, o agente do MP responderá por crime de responsabilidade. Diante da omissão do MP, ou das suas manobras protelatórias, a ação penal poderá ser proposta por qualquer cidadão (mais representativo se for parlamentar). Trata-se de corolário da cidadania, princípio fundamental da república brasileira. Daí, a garantia constitucional: “será admitida ação privada nos crimes de ação pública se esta não for intentada no prazo legal”. Esse prazo é de 15 dias, a partir da data em que o MP recebe o inquérito. [CR 1º. II; 5º, LIX + CP 100, § 3º + CPP 29 e 46]. 
A tipificação jurídica dos fatos formulada na petição inicial da ação penal prevalece ao ser instaurado o processo judicial. No entanto, depois da instrução processual e antes de prolatar a sentença, o juiz (ou tribunal) poderá dar aos fatos definição jurídica diversa da que constar da petição inicial. Nesta hipótese, o juiz (ou tribunal) baixará o processo para que o MP e a defesa se pronunciem e apresentem aditamentos e alegações. [CPP, 383/384]. 
No estado democrático de direito, o processo penal consiste na sequência legalmente ordenada de atos (acusação, defesa, interrogatórios, depoimentos, exames periciais, requisições, diligências, alegações finais, sentença) sob a direção da autoridade judiciária competente, cujo escopo é chegar ao veredicto sobre a culpa ou a inocência de quem está sendo formalmente acusado da prática de crime. O processo penal tem por base os princípios da presunção de inocência, moralidade, legalidade, eficiência, publicidade, possibilidade jurídica, legitimidade das partes, proporcionalidade e individualização da pena e as garantias de paridade de forças, contraditório,  ampla defesa, juiz natural, celeridade e prescrição. [CR 5º + 37].  

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