terça-feira, 30 de dezembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 27



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Na opinião de Aléxis de Tocqueville, o gênero humano não é inteiramente independente e nem inteiramente escravo. Em torno de cada homem há um círculo do qual não pode sair, porém, dentro desses limites ele é poderoso e livre. Com os povos acontece o mesmo. A ordem do coração e a ordem da razão convivem no homem e na sociedade. [Aléxis não esconde a sua filiação ao pensamento de Pascal]. Da polaridade entre opostos advém a história humana: o princípio democrático opõe-se ao aristocrático, mas ambos consideram a liberdade e a igualdade em determinada estrutura. [A bipolaridade masculino x feminino respondia pela distinção do papel social do homem e da mulher, ele provedor do lar e ela dona de casa]. A liberdade é dom que se adquire e que se perde; pode ser usado para o bem e para o mal. A igualdade é paixão, afeto comum e natural do ser humano. O excesso de liberdade destrói a igualdade; o excesso de igualdade destrói a liberdade. O ideal está no ponto extremo em que a liberdade e a igualdade se tocam e se confundem: os homens são livres porque são iguais e são iguais porque são livres. Segundo as tendências das nações, a igualdade pode conduzi-las à servidão ou à liberdade, à luz ou à barbárie, à prosperidade ou à miséria, sem subordinação alguma com os ritmos da natureza.

A igualdade abre dois caminhos aos homens: um que conduz a novas idéias, outro que conduz à apatia. Os homens são iguais na medida em que são livres. A igualdade que torna os homens reciprocamente independentes cria neles o hábito e o gosto de seguir sua própria vontade nas ações particulares. Essa independência os predispõe contra toda autoridade e lhes desperta a idéia e o amor à liberdade política. A uniformidade das leis é exigência do princípio da igualdade e a condição primeira de um bom governo cuja imagem é a de um poder único, simples, providencial e criador. O amor à tranqüilidade pública leva os cidadãos a conceder continuamente novos direitos ao poder central. Os privilégios, por menores que sejam, repugnam à consciência democrática. O homem é o artífice do seu próprio destino. Conforme a época e o momento histórico, os homens preferem a igualdade à liberdade. [Segundo Napoleão, os franceses apreciavam mais a igualdade do que a liberdade].

O interesse e o bem-estar são os dois princípios estruturais da sociedade democrática; a liberdade e a igualdade são os seus princípios constitutivos. O egoísmo é amor apaixonado e exagerado de si mesmo. Individualismo é sentimento reflexivo e pacífico que predispõe a pessoa a separar-se da massa de seus semelhantes, a retirar-se a um lado com sua família e seus amigos. A sociedade democrática enseja associações particulares. As relações humanas são movidas mais por interesses do que por idéias. As opiniões formam uma espécie de poeira intelectual que se agita por todos os lados sem poder fixar-se nem reunir-se. Há uma disposição geral para premiar os movimentos rápidos e as concepções superficiais da inteligência e para depreciar a meditação, o trabalho lento e profundo do intelecto. O interesse prático sobrepuja a contemplação teórica. Sociedade alguma subsiste sem um núcleo de idéias comuns e principais aceitas como dogmas (sem discussão). Sem idéias comuns não há ações comuns. Sobre o dogma coletivo, o indivíduo ergue o edifício das suas próprias idéias.

O sistema econômico moderno com o seu aspecto racionalista constitui o efeito da democracia e não a causa. A democracia é um princípio de ordem moral e política. Nela, são mais fáceis o abuso do governante e o mau emprego dos recursos públicos. A centralização administrativa é o principal mecanismo da tirania travestida de democracia. Esse tipo de centralização se estriba na racionalização que também se coaduna com o espírito democrático, o que propicia o engodo. A finalidade do Estado é garantir a segurança, a proteção jurídica, realizar obras públicas, fomentar as relações com os demais Estados. Quanto mais industrializada a nação, mais a necessidade de estradas, canais, portos e serviços a cargo do Estado, o que exige grande quantidade de engenheiros, arquitetos, mecânicos e artesãos. À medida que se incrementa o poder do Estado e aumentam as suas necessidades, maior é o consumo de produtos industrializados. O instinto de centralização se constituiu único ponto imóvel em meio da singular mobilidade da existência e do pensamento dos homens. Há um poder imenso e tutelar sobre os cidadãos, detalhista, regular, previdente e suave, que torna menos útil e mais raro o livre arbítrio e reduz o espaço para a ação voluntária. Despotismo e tirania são palavras inadequadas para expressar o novo tipo de opressão sobre povos democráticos.

John Stuart Mill (1806 a 1873) poeta, filósofo, resume no seu pensamento as tendências da filosofia inglesa: sensualismo, ceticismo, pragmatismo e liberalismo. Seguiu os passos do pai (James Mill), da sua talentosa esposa Harriet Taylor e de Jeremy Bentham, sem desmerecer a influência que sofrera de Tocqueville, Carlyle, Ricardo e Comte. Na opinião dele, a origem de todo conhecimento está na experiência. No ensaio “Da Liberdade”, John trata da liberdade de pensamento e de palavra, da individualidade, dos limites da autoridade e se opõe à assertiva da igreja de ser o cristianismo a fonte de toda bondade (1859). Participou da reforma parlamentar na Inglaterra e defendeu o sufrágio universal. Escreveu um tratado sobre economia política. O seu livro “Sistema de Lógica” teve larga repercussão na Europa. Ali, esta lição: a base da argumentação indutiva está na comprovada constância da natureza que, em si mesma, constitui a suprema indução. [A fraca confiabilidade do processo indutivo tem sido um problema para aqueles que se dedicam à ciência. Inarredável, entretanto, a constatação de que se trata de operação mental tão útil quanto o processo dedutivo]. A busca do prazer e a fuga da dor não são os únicos determinantes da conduta humana. Os hábitos e o desejo de união com os semelhantes também são determinantes. Os prazeres diferem em qualidade; uns são mais elevados do que os outros. [Tese de Epicuro, o primeiro hedonista utilitarista]. O socialismo destrói a liberdade individual. A intervenção do Estado é necessária ao bem dos menos afortunados. A sociedade não deve se dividir entre o ocioso e o industrioso. A lei que nega comida a quem não trabalha deve valer para todos e não só para os pobres. [“Comerás o teu pão com o suor do teu rosto” (Bíblia, Gênesis, 3:19)]. John apoiava o controle artificial da natalidade. 

Herbert Spencer (1820 a 1903) nasceu em modesta família de metodistas e quacres. Autodidata, filósofo evolucionista, engenheiro civil da companhia de estrada de ferro que liga Londres a Birmingham, produziu trabalhos nas áreas tecnológica, econômica e política. Os seus livros principais foram: “Estática Social” e “Filosofia Sintética”. O fulcro da sua filosofia é a idéia da evolução como lei universal, inspirada na teoria de Darwin. Cunhou a frase “sobrevivência do mais apto” quando se referiu à seleção natural. Sustentava que tudo evolui: espécies animais e vegetais, planetas, sistemas planetários, instituições, idéias religiosas e éticas. O processo evolutivo compreende quatro etapas: (1) concentração: massas indiferenciadas semelhantes à nebulosa geratriz de estrelas e planetas; (2) diferenciação: entes individuais separam-se da massa; (3) determinação: indivíduos se desenvolvem do simples ao complexo; (4) dissolução: os entes se desintegram. Tudo no universo tende a cumprir o ciclo completo: origem, ascensão, declínio e extinção. A força sobrenatural desse processo não se submete à análise científica. O homem só pode conhecer o que lhe permite a experiência sensorial. Coletivismo é resquício da sociedade primitiva, estágio inicial da evolução social, quando o indivíduo ainda não se diferenciara da massa.

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