domingo, 28 de dezembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 26



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Aléxis de Tocqueville (1805 a 1859), francês nascido em berço nobre, católico, filósofo, jurista, foi juiz de direito e era deputado ordinário quando previu a revolução: “Creio que dormimos sobre um vulcão”. Foi eleito deputado à Assembléia Constituinte em 1848. Viajou para os EUA, Inglaterra, Suíça e Argélia, sempre com os olhos voltados paras as instituições políticas e jurídicas. Essa experiência serviu à sua formação filosófica.  Após o golpe de estado de 02/12/1851, desferido pelo sobrinho de Napoleão, Aléxis retira-se definitivamente da vida pública. Morreu em Cannes, vítima de doença pulmonar contraída nos EUA.

Aléxis escreveu A Democracia na América, seu livro mais conhecido onde, com o cuidado, a objetividade e a percuciência de um cientista, ele compara a democracia americana com os regimes políticos europeus. O primeiro volume composto de duas partes foi publicado em 1837. O segundo volume composto de quatro partes foi publicado em 1840. Em tom de profecia Aléxis: (1) afirmou o advento irresistível da democracia no mundo; (2) previu a ascensão dos russos e dos americanos que “por um secreto desígnio da Providência”, teriam em suas mãos os destinos do mundo; (3) prognosticou a guerra civil americana; (4) identificou o latente conflito interno da nação americana suscitado pelas diferenças raciais.

Aléxis procede a uma análise sociológica do país norte-americano. Segundo ele, os ingleses chegaram civilizados à América habitada por selvagens. A ausência de precedente histórico no continente americano facilitou a organização de uma nova sociedade política com base nos seguintes princípios: ordem, ponderação dos poderes, liberdade autêntica, respeito sincero e profundo ao direito. Aléxis considera esses princípios essenciais a qualquer república e adverte: a religião cristã, apesar das inúmeras seitas, está na base e na origem da sociedade americana e se mantém como uma das suas colunas ao lado da ordem política com a qual não se confunde. Ali, a religião impera menos como doutrina revelada e mais como opinião comum. Depois de ouvir os norte-americanos, diz o filósofo, difícil saber se para eles o principal objetivo da religião é a busca da eterna felicidade no outro mundo ou se a busca do bem-estar neste mundo. Para honrar o dogma da imortalidade da alma, os governos devem agir como se nele acreditassem. Um dos principais aspectos políticos da religião é o de conduzir os homens em função do porvir.

A paixão tenaz, exclusiva, universal, do bem-estar material, embora contida, é essencialmente da classe média americana. Os seus efeitos são diferentes dos produzidos nos povos aristocráticos. Pode conduzir a uma espécie de materialismo que não corrompa as almas. A nação democrática pode ser escrava do bem-estar material e da ordem que o garante. Ao examinar o objeto do seu estudo sob o ângulo histórico, Aléxis chega a dois tipos essenciais de regime político: o democrático e o aristocrático. Ele encara a política como um capítulo da Ética e quer saber como se equacionam a liberdade e a dignidade humana na democracia americana. Constata ser a democracia um modo de vida e não apenas e simplesmente uma forma de governo. [Pontes de Miranda, notável jurista brasileiro do século XX, também via a democracia como um modo de vida, mais do que um simples regime político].

Na democracia, o produtor, para enriquecer, vende barato o seu produto a todo mundo. Na aristocracia, o produtor, para enriquecer, vende o seu produto por alto preço a uma parcela menor de consumidores. Na democracia, o produtor dirige suas faculdades intelectuais a dois pontos: (1) encontrar meios melhores, mais rápidos e mais inteligentes para produzir sua mercadoria; (2) fabricar maior quantidade de coisas semelhantes, mas de menor valor. A maioria do povo americano se ocupa mais com os negócios do que com os estudos; cuida mais de interesses políticos e comerciais do que de especulações filosóficas ou belas letras. [Esta opinião desagradou a muitos estadunidenses].  

Quando a massa de cidadãos se ocupa exclusivamente dos negócios privados, os negócios públicos caem nas mãos débeis e indignas de uns poucos. O princípio aristocrático se destrói lentamente no fundo das almas antes de ser atacado pelas leis. [Essa dinâmica é comum a qualquer regime político; não é exclusividade do aristocrático]. Nas sociedades democráticas, os salários se elevam gradual e lentamente como se fora uma lei geral {não escrita}. À medida que as condições chegam a ser mais iguais, os salários se elevam; à medida que os salários são mais altos, as condições chegam a ser mais iguais.

A Democracia na América desponta como um estudo de psicologia social, fundado na natureza humana. Segundo Aléxis, o decisivo na compreensão do fenômeno político não são as causas físicas, nem as leis, mas sim os costumes e as crenças que alicerçam os hábitos e as pautas da conduta humana. A mudança social só converte-se em mudança histórica quando os novos princípios determinam os costumes e as crenças. Enquanto isto não acontece, o período será apenas revolucionário. Neste período transitório encontram-se as nações européias onde a mudança (em direção à democracia) é lenta e mais aparente do que real. [Aléxis se referia à Europa do seu tempo]. Por isto mesmo, verifica-se que a revolução francesa não ocasionou uma ruptura histórica, posto que os costumes, crenças, hábitos, instituições e centralização administrativa do regime aristocrático se mantiveram na vida social subseqüente.

No que tange aos historiadores, Aléxis distingue o enfoque dos aristocratas, que valorizam a ação particular, a personalidade e as qualidades de certos homens, do enfoque dos democratas, que valorizam o comportamento da multidão que traça o seu próprio destino. Cada nação está ligada por sua posição, origem, antecedentes e natureza, a certo destino que todos os esforços não podem mudar. Aos historiadores não basta mostrar como se produziram os fatos; comprazem-se ainda em mostrar que não podia suceder de outra maneira. [Cientistas do século XXI dizem a mesma coisa sobre os acontecimentos cósmicos e consideram sem sentido especular que poderia ser diferente].      

Poder é capacidade para dirigir a vontade dos outros e ocorre entre homens, por homens e sobre homens. O poder político deve se adequar às necessidades da sociedade. [Às vezes, o titular desse poder cria necessidades para camuflar interesses particulares; dever ser e ser, nem sempre se ajustam]. O desajuste entre os mecanismos do poder e as necessidades sociais acaba por gerar revolução. A democracia se sustenta na racionalização do poder. O que deprava os homens não é o uso do poder ou o hábito da obediência e sim o uso de um poder considerado ilegítimo ou a obediência a um poder considerado como usurpado e opressor. [O homem depravado faz uso ilegítimo do poder político]. O que dá realidade ao poder é o fato de ser obedecido. Sem obediência não há poder, mas somente força. Desde que exercida em nome do povo, a tirania pode ser legítima. Num Estado populoso e extenso, o poder despótico pode vingar como se fora fato natural quando encoberto por uma retórica demagógica que mantém inerte a opinião pública. O poder absoluto é coisa má e perigosa cujo exercício sobrepõe-se às forças do homem. Somente Deus, na sua sabedoria e justiça, é todo poderoso sem perigo algum para a humanidade.  

Nenhum comentário: