EUROPA (1800
a 1900). Continuação.
Aléxis
de Tocqueville (1805 a
1859), francês nascido em berço nobre, católico, filósofo, jurista, foi juiz de
direito e era deputado ordinário quando previu a revolução: “Creio que dormimos
sobre um vulcão”. Foi eleito deputado à Assembléia Constituinte em 1848. Viajou
para os EUA, Inglaterra, Suíça e Argélia, sempre com os olhos voltados paras as
instituições políticas e jurídicas. Essa experiência serviu à sua formação
filosófica. Após o golpe de estado de
02/12/1851, desferido pelo sobrinho de Napoleão, Aléxis retira-se
definitivamente da vida pública. Morreu em Cannes, vítima de doença pulmonar
contraída nos EUA.
Aléxis
escreveu A Democracia na América, seu
livro mais conhecido onde, com o
cuidado, a objetividade e a percuciência de um cientista, ele compara a
democracia americana com os regimes políticos europeus. O primeiro volume
composto de duas partes foi publicado em 1837. O segundo volume composto de
quatro partes foi publicado em 1840. Em tom de profecia Aléxis: (1) afirmou o
advento irresistível da democracia no mundo; (2) previu a ascensão dos russos e
dos americanos que “por um secreto desígnio da Providência”, teriam em suas
mãos os destinos do mundo; (3) prognosticou a guerra civil americana; (4)
identificou o latente conflito interno da nação americana suscitado pelas
diferenças raciais.
Aléxis
procede a uma análise sociológica do país norte-americano. Segundo ele, os
ingleses chegaram civilizados à América habitada por selvagens. A ausência de
precedente histórico no continente americano facilitou a organização de uma
nova sociedade política com base nos seguintes princípios: ordem, ponderação dos poderes, liberdade autêntica, respeito sincero e
profundo ao direito. Aléxis considera esses princípios essenciais a
qualquer república e adverte: a religião cristã, apesar das inúmeras seitas,
está na base e na origem da sociedade americana e se mantém como uma das suas
colunas ao lado da ordem política com a qual não se confunde. Ali, a religião
impera menos como doutrina revelada e mais como opinião comum. Depois de ouvir
os norte-americanos, diz o filósofo, difícil saber se para eles o principal
objetivo da religião é a busca da eterna felicidade no outro mundo ou se a
busca do bem-estar neste mundo. Para honrar o dogma da imortalidade da alma, os
governos devem agir como se nele acreditassem. Um dos principais aspectos
políticos da religião é o de conduzir os homens em função do porvir.
A
paixão tenaz, exclusiva, universal, do bem-estar material, embora contida, é
essencialmente da classe média americana. Os seus efeitos são diferentes dos
produzidos nos povos aristocráticos. Pode conduzir a uma espécie de
materialismo que não corrompa as almas. A nação democrática pode ser escrava do
bem-estar material e da ordem que o garante. Ao examinar o
objeto do seu estudo sob o ângulo histórico, Aléxis chega a dois tipos
essenciais de regime político: o democrático
e o aristocrático. Ele encara a
política como um capítulo da Ética e quer saber como se equacionam a liberdade
e a dignidade humana na democracia americana. Constata ser a democracia um modo de vida e não apenas e simplesmente
uma forma de governo. [Pontes de Miranda, notável jurista brasileiro do século
XX, também via a democracia como um modo
de vida, mais do que um simples regime político].
Na
democracia, o produtor, para enriquecer, vende barato o seu produto a todo
mundo. Na aristocracia, o produtor, para enriquecer, vende o seu produto por
alto preço a uma parcela menor de consumidores. Na democracia, o produtor
dirige suas faculdades intelectuais a dois pontos: (1) encontrar meios
melhores, mais rápidos e mais inteligentes para produzir sua mercadoria; (2)
fabricar maior quantidade de coisas semelhantes, mas de menor valor. A maioria do
povo americano se ocupa mais com os negócios do que com os estudos; cuida mais
de interesses políticos e comerciais do que de especulações filosóficas ou
belas letras. [Esta opinião desagradou a muitos estadunidenses].
Quando
a massa de cidadãos se ocupa exclusivamente dos negócios privados, os negócios
públicos caem nas mãos débeis e indignas de uns poucos. O princípio
aristocrático se destrói lentamente no fundo das almas antes de ser atacado
pelas leis. [Essa dinâmica é comum a qualquer regime político; não é exclusividade
do aristocrático]. Nas sociedades democráticas, os salários se elevam gradual e
lentamente como se fora uma lei geral {não escrita}. À medida que as condições
chegam a ser mais iguais, os salários se elevam; à medida que os salários são
mais altos, as condições chegam a ser mais iguais.
A Democracia na América desponta como um
estudo de psicologia social, fundado na natureza humana. Segundo Aléxis, o
decisivo na compreensão do fenômeno político não são as causas físicas, nem as
leis, mas sim os costumes e as crenças que alicerçam os hábitos e as pautas da
conduta humana. A mudança social só converte-se em mudança histórica quando os
novos princípios determinam os costumes e as crenças. Enquanto isto não
acontece, o período será apenas revolucionário. Neste período transitório
encontram-se as nações européias onde a mudança (em direção à democracia) é
lenta e mais aparente do que real. [Aléxis se referia à Europa do seu tempo].
Por isto mesmo, verifica-se que a revolução francesa não ocasionou uma ruptura
histórica, posto que os costumes, crenças, hábitos, instituições e
centralização administrativa do regime aristocrático se mantiveram na vida
social subseqüente.
No
que tange aos historiadores, Aléxis distingue o enfoque dos aristocratas, que valorizam a ação particular, a
personalidade e as qualidades de certos homens, do enfoque dos democratas, que valorizam o comportamento da multidão
que traça o seu próprio destino. Cada nação está ligada por sua posição,
origem, antecedentes e natureza, a certo destino que todos os esforços não
podem mudar. Aos historiadores não basta mostrar como se produziram os fatos;
comprazem-se ainda em mostrar que não podia suceder de outra maneira.
[Cientistas do século XXI dizem a mesma coisa sobre os acontecimentos cósmicos
e consideram sem sentido especular que poderia ser diferente].
Poder é capacidade para dirigir a
vontade dos outros e ocorre entre homens, por homens e sobre homens. O poder político deve se adequar às
necessidades da sociedade. [Às vezes, o titular desse poder cria necessidades
para camuflar interesses particulares; dever ser e ser, nem
sempre se ajustam]. O desajuste entre os mecanismos do poder e as necessidades sociais
acaba por gerar revolução. A democracia se sustenta na racionalização do poder.
O que deprava os homens não é o uso do
poder ou o hábito da obediência e sim o uso de um poder considerado ilegítimo
ou a obediência a um poder considerado como usurpado e opressor. [O homem
depravado faz uso ilegítimo do poder político]. O que dá realidade ao poder é o
fato de ser obedecido. Sem obediência não há poder, mas somente força. Desde
que exercida em nome do povo, a tirania pode ser legítima. Num Estado populoso
e extenso, o poder despótico pode vingar como se fora fato natural quando
encoberto por uma retórica demagógica que mantém inerte a opinião pública. O
poder absoluto é coisa má e perigosa cujo exercício sobrepõe-se às forças do
homem. Somente Deus, na sua sabedoria e justiça, é todo poderoso sem perigo
algum para a humanidade.
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