EUROPA (1800
a 1900). Continuação.
Jeremy Bentham (1748 a 1832), inglês, ateu,
filósofo do utilitarismo: a suprema prova
a que toda crença ou instituição deve se submeter é a prova do proveito ou da
utilidade. O bem é o prazer; o mal é a dor. A contribuição à felicidade do
maior número de pessoas é a prova da validez de qualquer idéia ou objeto. O
interesse da comunidade é a síntese dos interesses dos indivíduos que a
compõem. Os indivíduos agem por motivos egoísticos. A mola propulsora da ação humana
é o desejo de assegurar o máximo de prazer e evitar a dor. Os indivíduos devem
desfrutar liberdade completa a fim de realizarem os seus interesses legítimos.
Disto resultará maior bem à sociedade. Não haverá anarquia, pois os indivíduos
sabem que os prováveis danos da obediência são menores do que os prováveis
danos da desobediência.
Jeremy interessou-se mais pela
jurisprudência. Para ele, o direito
era o mínimo de moral indispensável à convivência pacífica entre os homens.
Imaginou dois círculos concêntricos: o maior representava a moral com seus princípios fundamentais;
o círculo menor no interior do maior representava o direito com suas normas obrigatórias. A moral serve de base ao
estudo do direito e à pesquisa para obter os meios legais de promover o bem
geral. Ele se preocupou, também, com a educação e seus efeitos terapêuticos na
sociedade. Participou do grupo que fundou o University College de Londres. O
ingresso nessa escola não exigia filiação religiosa.
Na filosofia de Jeremy, a
idéia de associação predomina. Ele
faz da associação o mecanismo psicológico central da mente (associação de idéias). A idéia
utilitarista da máxima felicidade
para o maior número possível de pessoas também é dominante na sua filosofia. A
lei deve garantir a cada pessoa a busca da felicidade sem prejudicar igual
direito da outra. O castigo visa à prevenção do crime e não à vingança. A pena
de morte não deve ser aplicada a quem pratica crimes banais. [No Brasil
hodierno, vige o princípio da
insignificância segundo o qual nenhuma pena deve ser aplicada quando mínimo
for o dano causado pela ação ilícita]. Igualdade
e segurança são condições básicas
para o indivíduo ser feliz na sociedade. A importância destas condições é maior
do que o conceito metafísico e romântico de liberdade.
Despotismo benevolente e esclarecido é mais importante do que democracia.
[Autoridades políticas dos mais diversos países do globo terrestre, anteriores
e posteriores a Jeremy, desprezam a liberdade e valorizam a segurança]. A moral
do sacrifício é um deliberado embuste arquitetado pela classe dominante em
defesa dos seus próprios interesses. O sacrifício é sempre do povo e não da
elite governante.
Augusto
Comte (1798 a 1857), nascido em Montpellier, pais católicos e monarquistas, estudou na
Politécnica de Paris de onde foi expulso por participar de rebelião estudantil.
Filósofo radical, Augusto levou uma existência de padrão modesto como preceptor
particular. Recebia ajuda de amigos e admiradores. Sofreu das faculdades
mentais quando adulto. Passou por crises periódicas. [Isto parece indicar que a
genialidade é de fato um tipo de loucura ou, pelo menos, um estado fronteiriço.
Mesmo involuntariamente e sem vaidade, o gênio embriaga-se com a própria
genialidade. Na mente do gênio há lucidez extraordinária alternada com
desvarios ocultos na riqueza da linguagem. Na conduta do gênio há coerência
alternada com atitudes bizarras e extravagantes. Isto ocorre tanto no campo da
filosofia como no campo da ciência. Alguns cientistas quando chegam a um ponto
avançado do seu trabalho tendem para a especulação filosófica].
O
pensamento de Augusto vem exposto no “Curso de Filosofia Positiva”: o único conhecimento de valor é o
conhecimento positivo, isto é, o conhecimento científico. Esse conhecimento
deve começar por tudo o que a experiência fornece diretamente. O cientista não
deve ir além dos fenômenos. A metafísica é fútil. Ninguém pode descobrir a
essência oculta das coisas. A razão das coisas acontecerem, o sentido e o fim
último da existência, são temas que ultrapassam os limites da mente humana. [No
que tange à certeza e à verdade]. O homem sabe tão somente que as coisas
acontecem; que há leis reguladoras dos acontecimentos e das relações entre as
coisas. A mente humana encontra o seu limite no útil e no prático que servem à
humanidade. Augusto batizou a sua teoria de filosofia
positiva. Desse nome derivou o positivismo,
corrente filosófica e científica. Boas lições podem ser extraídas do
positivismo com as devidas cautelas quanto às extravagâncias do seu criador.
Augusto
estudou a obra de Vico e dela extraiu a primazia da história nos assuntos
humanos: na sua evolução, a sociedade
parte de um estágio teológico inicial, passa por uma fase metafísica e
finalmente chega ao estágio positivo (conclusão do processo histórico). No
entanto, Vico admitia a possibilidade de retrocesso (involução). Augusto
pensava o oposto: a ciência rege o estágio positivo sem retrocesso: o estado de
perfeição é definitivo. [Karl Marx dizia a mesma coisa, sintoma do espírito
utópico da época]. Tal qual a matemática, as ciências devem se livrar dos
conceitos metafísicos. Augusto hierarquizou o conhecimento científico do menos
para o mais complexo objeto: matemática, astronomia, física, química, biologia
e sociologia. Ao que Hume chamava de “ciência do homem”, Augusto deu o nome de Sociologia, da qual se considerou o
fundador. Ele salienta a tendência à unidade em todos os estágios da evolução
social. Cita como exemplo o estágio teológico trifásico: animismo, politeísmo e
monoteísmo. No estágio positivo a
humanidade será regida pela autoridade moral de uma elite científica e pela
autoridade técnica de especialistas.
O
indivíduo deve dominar os seus desejos e se dedicar ao progresso da humanidade.
Augusto discorda de Bentham: as ações humanas não são determinadas
exclusivamente pelo interesse próprio, mas, também, pelo altruísmo [termo por ele criado]. O objetivo da sabedoria social é
fazer triunfar o altruísmo sobre o egoísmo. Isto pode ser obtido através do
amor e do sacrifício próprio. Em substituição às religiões tradicionais,
Augusto fundou a religião da humanidade: o
ser supremo é a humanidade e não algum deus. Justiça, caridade e benevolência são os pilares dessa religião com
ritual, trindade e clero.
A realização do bem
social tem como lema: “o amor por
princípio, a ordem por base e o progresso por fim”. Amor a deus, a si próprio, ao outro, à natureza e à cultura. Amar a
deus de acordo com a nossa compreensão. Amar a nós mesmos, zelar pelo nosso
corpo e pela nossa alma. Amar ao outro: cônjuge, companheiro, filhos, parentes,
amigos, inimigos. Ordem ainda que
exceção no universo. [Astrofísicos sustentam ser o caos prevalecente no universo. Ainda que seja um enclave neste
canto da Via Láctea, a ordem faz parte do nosso sistema planetário. Essa ordem
reflete-se no pensamento e na conduta do ser humano, ele próprio um organismo
como os outros animais, ou seja: um ser organizado. A ordem lhe é intrínseca. O
pensamento do homem obedece a regras imanentes à sua arquitetura mental e a
categorias intrínsecas que o conduzem à compreensão e explicação das coisas e
de si próprio. A conduta do ser humano no plano individual e no plano coletivo
é disciplinada por regras de natureza privada e pública, convencionais, morais
e jurídicas, que tornam possível a coexistência pacífica e as relações
intersubjetivas harmoniosas de caráter social, político e econômico. A ordem na
sociedade consiste neste conjunto de regras]. Progresso advém da ação social, política e econômica. Obedece à
linha evolutiva do conhecimento: vulgar, técnico, artístico, científico e
filosófico. O progresso é uma tendência incondicional ou absoluta, redutível às
leis da natureza humana. “Uma lei de
sucessão, ainda quando revestida de toda a autoridade que lhe possa conferir o
método de observação histórica, não deve ser acolhida antes de se ver
racionalmente reduzida à teoria positiva da natureza humana”. A lei do
progresso é dedutível da tendência dos homens que os impele mais e mais a
aperfeiçoar a própria natureza.
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