sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 25



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Jeremy Bentham (1748 a 1832), inglês, ateu, filósofo do utilitarismo: a suprema prova a que toda crença ou instituição deve se submeter é a prova do proveito ou da utilidade. O bem é o prazer; o mal é a dor. A contribuição à felicidade do maior número de pessoas é a prova da validez de qualquer idéia ou objeto. O interesse da comunidade é a síntese dos interesses dos indivíduos que a compõem. Os indivíduos agem por motivos egoísticos. A mola propulsora da ação humana é o desejo de assegurar o máximo de prazer e evitar a dor. Os indivíduos devem desfrutar liberdade completa a fim de realizarem os seus interesses legítimos. Disto resultará maior bem à sociedade. Não haverá anarquia, pois os indivíduos sabem que os prováveis danos da obediência são menores do que os prováveis danos da desobediência.

Jeremy interessou-se mais pela jurisprudência. Para ele, o direito era o mínimo de moral indispensável à convivência pacífica entre os homens. Imaginou dois círculos concêntricos: o maior representava a moral com seus princípios fundamentais; o círculo menor no interior do maior representava o direito com suas normas obrigatórias. A moral serve de base ao estudo do direito e à pesquisa para obter os meios legais de promover o bem geral. Ele se preocupou, também, com a educação e seus efeitos terapêuticos na sociedade. Participou do grupo que fundou o University College de Londres. O ingresso nessa escola não exigia filiação religiosa.

Na filosofia de Jeremy, a idéia de associação predomina. Ele faz da associação o mecanismo psicológico central da mente (associação de idéias). A idéia utilitarista da máxima felicidade para o maior número possível de pessoas também é dominante na sua filosofia. A lei deve garantir a cada pessoa a busca da felicidade sem prejudicar igual direito da outra. O castigo visa à prevenção do crime e não à vingança. A pena de morte não deve ser aplicada a quem pratica crimes banais. [No Brasil hodierno, vige o princípio da insignificância segundo o qual nenhuma pena deve ser aplicada quando mínimo for o dano causado pela ação ilícita]. Igualdade e segurança são condições básicas para o indivíduo ser feliz na sociedade. A importância destas condições é maior do que o conceito metafísico e romântico de liberdade. Despotismo benevolente e esclarecido é mais importante do que democracia. [Autoridades políticas dos mais diversos países do globo terrestre, anteriores e posteriores a Jeremy, desprezam a liberdade e valorizam a segurança]. A moral do sacrifício é um deliberado embuste arquitetado pela classe dominante em defesa dos seus próprios interesses. O sacrifício é sempre do povo e não da elite governante.         

Augusto Comte (1798 a 1857), nascido em Montpellier, pais católicos e monarquistas, estudou na Politécnica de Paris de onde foi expulso por participar de rebelião estudantil. Filósofo radical, Augusto levou uma existência de padrão modesto como preceptor particular. Recebia ajuda de amigos e admiradores. Sofreu das faculdades mentais quando adulto. Passou por crises periódicas. [Isto parece indicar que a genialidade é de fato um tipo de loucura ou, pelo menos, um estado fronteiriço. Mesmo involuntariamente e sem vaidade, o gênio embriaga-se com a própria genialidade. Na mente do gênio há lucidez extraordinária alternada com desvarios ocultos na riqueza da linguagem. Na conduta do gênio há coerência alternada com atitudes bizarras e extravagantes. Isto ocorre tanto no campo da filosofia como no campo da ciência. Alguns cientistas quando chegam a um ponto avançado do seu trabalho tendem para a especulação filosófica].

O pensamento de Augusto vem exposto no “Curso de Filosofia Positiva”: o único conhecimento de valor é o conhecimento positivo, isto é, o conhecimento científico. Esse conhecimento deve começar por tudo o que a experiência fornece diretamente. O cientista não deve ir além dos fenômenos. A metafísica é fútil. Ninguém pode descobrir a essência oculta das coisas. A razão das coisas acontecerem, o sentido e o fim último da existência, são temas que ultrapassam os limites da mente humana. [No que tange à certeza e à verdade]. O homem sabe tão somente que as coisas acontecem; que há leis reguladoras dos acontecimentos e das relações entre as coisas. A mente humana encontra o seu limite no útil e no prático que servem à humanidade. Augusto batizou a sua teoria de filosofia positiva. Desse nome derivou o positivismo, corrente filosófica e científica. Boas lições podem ser extraídas do positivismo com as devidas cautelas quanto às extravagâncias do seu criador.

Augusto estudou a obra de Vico e dela extraiu a primazia da história nos assuntos humanos: na sua evolução, a sociedade parte de um estágio teológico inicial, passa por uma fase metafísica e finalmente chega ao estágio positivo (conclusão do processo histórico). No entanto, Vico admitia a possibilidade de retrocesso (involução). Augusto pensava o oposto: a ciência rege o estágio positivo sem retrocesso: o estado de perfeição é definitivo. [Karl Marx dizia a mesma coisa, sintoma do espírito utópico da época]. Tal qual a matemática, as ciências devem se livrar dos conceitos metafísicos. Augusto hierarquizou o conhecimento científico do menos para o mais complexo objeto: matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia. Ao que Hume chamava de “ciência do homem”, Augusto deu o nome de Sociologia, da qual se considerou o fundador. Ele salienta a tendência à unidade em todos os estágios da evolução social. Cita como exemplo o estágio teológico trifásico: animismo, politeísmo e monoteísmo. No estágio positivo a humanidade será regida pela autoridade moral de uma elite científica e pela autoridade técnica de especialistas.

O indivíduo deve dominar os seus desejos e se dedicar ao progresso da humanidade. Augusto discorda de Bentham: as ações humanas não são determinadas exclusivamente pelo interesse próprio, mas, também, pelo altruísmo [termo por ele criado]. O objetivo da sabedoria social é fazer triunfar o altruísmo sobre o egoísmo. Isto pode ser obtido através do amor e do sacrifício próprio. Em substituição às religiões tradicionais, Augusto fundou a religião da humanidade: o ser supremo é a humanidade e não algum deus. Justiça, caridade e benevolência são os pilares dessa religião com ritual, trindade e clero.

A realização do bem social tem como lema: “o amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”. Amor a deus, a si próprio, ao outro, à natureza e à cultura. Amar a deus de acordo com a nossa compreensão. Amar a nós mesmos, zelar pelo nosso corpo e pela nossa alma. Amar ao outro: cônjuge, companheiro, filhos, parentes, amigos, inimigos. Ordem ainda que exceção no universo. [Astrofísicos sustentam ser o caos prevalecente no universo. Ainda que seja um enclave neste canto da Via Láctea, a ordem faz parte do nosso sistema planetário. Essa ordem reflete-se no pensamento e na conduta do ser humano, ele próprio um organismo como os outros animais, ou seja: um ser organizado. A ordem lhe é intrínseca. O pensamento do homem obedece a regras imanentes à sua arquitetura mental e a categorias intrínsecas que o conduzem à compreensão e explicação das coisas e de si próprio. A conduta do ser humano no plano individual e no plano coletivo é disciplinada por regras de natureza privada e pública, convencionais, morais e jurídicas, que tornam possível a coexistência pacífica e as relações intersubjetivas harmoniosas de caráter social, político e econômico. A ordem na sociedade consiste neste conjunto de regras]. Progresso advém da ação social, política e econômica. Obedece à linha evolutiva do conhecimento: vulgar, técnico, artístico, científico e filosófico. O progresso é uma tendência incondicional ou absoluta, redutível às leis da natureza humana. “Uma lei de sucessão, ainda quando revestida de toda a autoridade que lhe possa conferir o método de observação histórica, não deve ser acolhida antes de se ver racionalmente reduzida à teoria positiva da natureza humana”. A lei do progresso é dedutível da tendência dos homens que os impele mais e mais a aperfeiçoar a própria natureza.

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