terça-feira, 16 de dezembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 20



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Nem tudo o que é legal é moral. Todas as inclinações do ser humano em conjunto constituem o solipsismo. A benevolência para consigo mesmo sobre todas as coisas constitui o solipsismo do amor em si (philautia). A complacência para consigo mesmo é outro tipo de silopsismo (arrogantia). O primeiro tipo chama-se amor-próprio; o segundo chama-se presunção. [As inclinações são determinadas pela razão, derivadas dos instintos e se enquadram nos fenômenos afetivos, que são manifestações das nossas tendências. O dinamismo sensível compreende: (1) tendências, compostas de dois tipos: instintos e inclinações; (2) estados afetivos que compreendem: o prazer, a dor, os sentimentos, as emoções e as paixões (Fonte: Curso de Filosofia, Régis Jolivet)]. O conceito de dever exige na ação como único modo de determinação da vontade pela lei: (1) objetivamente, concordância com a lei (legalidade); (2) subjetivamente, na sua máxima, respeito pela lei (moralidade).

Em todos os ajuizamentos morais é importante prestar atenção ao princípio subjetivo de todas as máximas para que toda a moralidade das ações seja posta na necessidade das mesmas por dever e por respeito à lei e não por afeição e amor a aquilo que as ações devem realizar. Em suma: agir por dever e não pelas vantagens. A lei moral é produto da razão prática pura e único fundamento determinante da vontade. Dever e obrigação são as únicas denominações que temos de dar à nossa relação com a lei moral. A lei do amor vem expressa no mandamento cristão: “Ama a Deus acima de tudo e a teu próximo como a ti mesmo”. O homem é incapaz de amar alguém meramente por mando. [Nesse trecho, Kant faz menção sobre tratar o próximo como nós mesmos, isto é, amar o próximo como se nós fossemos o próximo, como se houvesse uma unidade entre o eu e o outro]. “A razão pura prática ordena fazer do pensamento do dever – que abate toda a arrogantia e toda a vã philautia – o princípio de vida supremo de toda a moralidade no homem; em toda a criação, tudo o que se queira e sobre o que se exerça algum poder, também pode ser usado simplesmente como meio; somente o homem, e com ele cada criatura racional, é fim em si mesmo”.

A liberdade implica autonomia da vontade. Livre é o sujeito que não se submete a outra vontade, senão à sua própria. A lei moral assenta-se na liberdade, cujo reino é o da razão pura prática, não o reino da razão pura teórica e nem tampouco o reino da natureza. A venerabilidade do dever tem a sua lei peculiar e o seu foro próprio e nada tem a ver com o gozo da vida. A razão pura tanto pode ser prática como teórica (especulativa). A razão prática e a razão teórica implicam a mesma faculdade de conhecer. A razão humana só encontra plena satisfação numa unidade completamente sistemática dos seus conhecimentos. Princípio da causalidade opera em dois planos: (1) o natural, como necessidade ou determinismo natural; (2) o moral, como liberdade e determinismo racional. Põe-se o problema insolúvel do determinismo em face do livre-arbítrio. O determinismo no plano moral conduziria à irresponsabilidade, pois não seria justo alguém responder por uma ação inevitável à qual estava previamente determinado pela natureza ou pela razão, caso em que não haveria vontade livre para agir. Vontade heterônoma subordinada a outras vontades ou fontes de coerção, não pode gerar responsabilidade para o agente.

Nada podemos pensar sem categoria. Na idéia de liberdade há de ser buscada a categoria. Essa categoria é a causalidade cujas fontes são a natureza e a razão prática. A causalidade por liberdade deve ser encontrada no mundo inteligível, fora do mundo sensorial. A proposição fundamental da moralidade é a proposição fundamental da causalidade, que não requer busca nem invenção, porque há muito se encontra na razão humana, incorporada à sua essência. Por ser corpo e alma, o homem participa de dois mundos: (1) como ente inteligível, em virtude da sua liberdade, determinado pela lei moral; (2) como ente sensorial, em virtude da sua necessidade natural (atua no mundo sensorial de acordo com aquela determinação).

A razão pura tem sempre a sua dialética, tanto no seu uso especulativo quanto no seu uso prático. Todos os conceitos das coisas têm que ser referidos a intuições que entre os seres humanos só podem ser sensíveis. Iludimo-nos ao tratar os fenômenos como coisas em si mesmas. Ao procurar a origem dessa ilusão, a mente humana depara-se com uma perspectiva sobre uma superior e imutável ordem das coisas. Podemos ser instruídos mediante preceitos dessa ordem (tópicos, máximas, leis, princípios) a prosseguir a nossa existência em conformidade com a suprema destinação da razão.

Na teoria de Kant aqui exposta, o sumo bem consiste na totalidade incondicionada do objeto da razão. Determinar a idéia de sumo bem de um modo praticamente suficiente para a máxima da nossa conduta racional, resume a doutrina da sabedoria. O bem supremo nada tem a condicioná-lo. Resulta da conexão entre a virtude e a felicidade, como unidade complexa, síntese dos dois conceitos. O bem prático deriva de uma ação. O interesse do uso especulativo da razão pura está no conhecimento do objeto até os princípios supremos a priori. O interesse do uso prático da razão pura está na determinação da vontade em relação ao fim último e completo. Todo interesse é por fim prático. A condição suprema do sumo bem é a conformidade plena das disposições à lei moral. Esse objetivo só é possível à santidade. A imortalidade da alma é o pressuposto da possibilidade prática do sumo bem. Tal imortalidade é um postulado da razão prática.

A moralidade (virtude) e a felicidade (bem-estar) são os elementos do sumo bem. A existência de deus é um postulado da razão pura prática. A interconexão entre moralidade e felicidade no sumo bem exige uma causa comum e superior que a determina. Essa causa é um ente dotado de entendimento e vontade: deus. A existência de deus pode ser admitida pela razão especulativa como hipótese (hipo = abaixo; tese = conhecimento certo) e como fé racional, com referência à inteligibilidade de um objeto (sumo bem) dado a nós pela lei moral cuja fonte é a razão pura, tanto no seu uso prático como no seu uso teórico. A perfeição moral que o ser humano pode alcançar será sempre virtude e jamais santidade. Virtude como conformação à lei moral por respeito à lei moral. Essa disposição decorre da consciência de uma propensão contínua à transgressão da lei. O comportamento humano, tanto nas sociedades primitivas como nas civilizadas, não se destina à santidade, salvo exceções raras.

[A virtude pela virtude é buscada por poucos. Na sociedade de consumo, a virtude está condicionada às vantagens que pode trazer ao indivíduo. A transgressão da lei moral é uma constante na sociedade. Às vezes, o homem também transgride a lei natural ao dar prioridade às normas morais e jurídicas. Põe-se o problema do conflito entre a lei natural e a lei cultural, como acontece nos casos de eutanásia e de aborto. A solução desse conflito ora pende para o idealismo, ora para o positivismo].

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