EUROPA (1800
a 1900). Continuação.
Nem tudo o que é legal é moral.
Todas as inclinações do ser humano em conjunto constituem o solipsismo. A benevolência para consigo mesmo
sobre todas as coisas constitui o solipsismo do amor em si (philautia).
A complacência para consigo mesmo é outro tipo de silopsismo (arrogantia).
O primeiro tipo chama-se amor-próprio; o segundo chama-se presunção.
[As inclinações são determinadas pela razão, derivadas dos instintos e se
enquadram nos fenômenos afetivos, que são manifestações das nossas tendências.
O dinamismo sensível compreende: (1) tendências, compostas de dois
tipos: instintos e inclinações; (2) estados afetivos que compreendem: o
prazer, a dor, os sentimentos, as emoções e as paixões (Fonte: Curso de Filosofia, Régis Jolivet)]. O
conceito de dever exige na ação como
único modo de determinação da vontade pela lei: (1) objetivamente, concordância com a lei (legalidade); (2) subjetivamente, na sua máxima, respeito
pela lei (moralidade).
Em todos os ajuizamentos morais é
importante prestar atenção ao princípio subjetivo de todas as máximas para que
toda a moralidade das ações seja posta na necessidade das mesmas por dever e
por respeito à lei e não por afeição e amor a aquilo que as ações devem
realizar. Em suma: agir por dever e não pelas vantagens. A lei moral é produto
da razão prática pura e único fundamento determinante da vontade. Dever e
obrigação são as únicas denominações que temos de dar à nossa relação com a lei
moral. A lei do amor vem expressa no mandamento cristão: “Ama a Deus acima
de tudo e a teu próximo como a ti mesmo”. O homem é incapaz de amar alguém
meramente por mando. [Nesse trecho, Kant faz menção sobre tratar o próximo como
nós mesmos, isto é, amar o próximo como se nós fossemos o próximo, como se
houvesse uma unidade entre o eu e o outro]. “A razão pura prática ordena fazer do pensamento do dever – que abate toda a arrogantia e toda a vã philautia – o princípio de vida
supremo de toda a moralidade no homem; em toda a criação, tudo o que se queira
e sobre o que se exerça algum poder, também pode ser usado simplesmente como
meio; somente o homem, e com ele cada criatura racional, é fim em si mesmo”.
A liberdade implica autonomia da vontade. Livre é o sujeito que não se submete a outra vontade, senão à sua
própria. A lei moral assenta-se na liberdade, cujo reino é o da razão pura
prática, não o reino da razão pura teórica e nem tampouco o reino da natureza.
A venerabilidade do dever tem a sua
lei peculiar e o seu foro próprio e nada tem a ver com o gozo da vida. A razão pura tanto pode ser prática como teórica (especulativa). A razão prática e a
razão teórica implicam a mesma faculdade de conhecer. A razão humana só
encontra plena satisfação numa unidade completamente sistemática dos seus
conhecimentos. Princípio da causalidade
opera em dois planos: (1) o natural, como necessidade ou determinismo
natural; (2) o moral, como liberdade e determinismo racional. Põe-se o
problema insolúvel do determinismo em face do livre-arbítrio. O determinismo no
plano moral conduziria à irresponsabilidade, pois não seria justo alguém
responder por uma ação inevitável à qual estava previamente determinado pela
natureza ou pela razão, caso em que não haveria vontade livre para agir.
Vontade heterônoma subordinada a outras vontades ou fontes de coerção, não pode
gerar responsabilidade para o agente.
Nada podemos pensar sem
categoria. Na idéia de liberdade há de ser buscada a categoria. Essa categoria
é a causalidade cujas fontes são a natureza
e a razão prática. A causalidade por liberdade deve ser encontrada no
mundo inteligível, fora do mundo sensorial. A proposição fundamental da
moralidade é a proposição fundamental da causalidade, que não requer busca nem
invenção, porque há muito se encontra na razão humana, incorporada à sua
essência. Por ser corpo e alma, o homem participa de dois mundos: (1) como ente
inteligível, em virtude da sua liberdade, determinado pela lei moral; (2)
como ente sensorial, em virtude da sua necessidade natural (atua no
mundo sensorial de acordo com aquela determinação).
A razão pura tem sempre a sua
dialética, tanto no seu uso especulativo quanto no seu uso prático. Todos os
conceitos das coisas têm que ser referidos a intuições que entre os seres
humanos só podem ser sensíveis. Iludimo-nos ao tratar os fenômenos como coisas
em si mesmas. Ao procurar a origem dessa ilusão, a mente humana depara-se com
uma perspectiva sobre uma superior e imutável ordem das coisas. Podemos ser
instruídos mediante preceitos dessa ordem (tópicos, máximas, leis, princípios)
a prosseguir a nossa existência em conformidade com a suprema destinação da
razão.
Na teoria de Kant aqui exposta, o
sumo
bem consiste na totalidade incondicionada do objeto da razão.
Determinar a idéia de sumo bem de um modo praticamente suficiente para a
máxima da nossa conduta racional, resume a doutrina da sabedoria. O bem supremo
nada tem a condicioná-lo. Resulta da conexão entre a virtude e a felicidade,
como unidade complexa, síntese dos dois conceitos. O bem prático deriva de uma ação. O interesse do uso especulativo da razão pura está no
conhecimento do objeto até os princípios supremos a priori. O
interesse do uso prático da razão
pura está na determinação da vontade em relação ao fim último e
completo. Todo interesse é por fim prático. A condição suprema do sumo bem é a conformidade plena das
disposições à lei moral. Esse objetivo só é possível à santidade. A imortalidade da alma é o
pressuposto da possibilidade prática do sumo bem. Tal imortalidade é um
postulado da razão prática.
A moralidade (virtude) e a felicidade
(bem-estar) são os elementos do sumo bem. A existência de deus é
um postulado da razão pura prática. A interconexão entre moralidade e felicidade
no sumo bem exige uma causa comum e superior que a determina. Essa causa
é um ente dotado de entendimento e vontade: deus.
A existência de deus pode ser admitida pela razão especulativa como hipótese (hipo = abaixo; tese
= conhecimento certo) e como fé racional,
com referência à inteligibilidade de um objeto (sumo bem) dado a nós pela lei
moral cuja fonte é a razão pura, tanto no seu uso prático como no seu uso
teórico. A perfeição moral que o ser humano pode alcançar será sempre virtude e jamais santidade. Virtude como conformação à lei moral por respeito à lei
moral. Essa disposição decorre da consciência de uma propensão contínua à
transgressão da lei. O comportamento humano, tanto nas sociedades
primitivas como nas civilizadas, não se destina à santidade, salvo exceções
raras.
[A virtude pela virtude é buscada por poucos. Na
sociedade de consumo, a virtude está condicionada às vantagens que pode trazer
ao indivíduo. A transgressão da lei moral
é uma constante na sociedade. Às vezes, o homem também transgride a lei natural ao dar prioridade às normas
morais e jurídicas. Põe-se o problema do conflito entre a lei natural e a lei
cultural, como acontece nos casos de eutanásia e de aborto. A solução desse conflito
ora pende para o idealismo, ora para o positivismo].
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