sábado, 20 de dezembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 22



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

A ciência buscada criticamente e introduzida metodicamente é a porta estreita que conduz à sabedoria. A Filosofia deve permanecer guardiã da ciência. A Metafísica se mostra enganosa na tentativa de conhecer acima de uma experiência possível. A religião se mostra fantástica na tentativa de atuar acima de uma experiência possível. A imortalidade da alma e a vida futura funcionam como condição essencial do dever. Sem a crença num mundo futuro nenhuma existência momentânea terá valor absoluto. [Em diferentes épocas, foram questionadas: (1) a necessidade de uma lei moral; (2) a adequação das normas morais à sociedade; (3) a oportunidade de um novo código moral. O indivíduo perece, mas a espécie humana permanece. Não haverá vida futura após a morte se a alma individual perecer com o corpo. Sendo ou não sendo perecível a alma individual, o fato é que a lei moral tem vigência e eficácia no meio social. O indivíduo tem o valor que o mundo da cultura lhe atribui ante a necessidade de uma ordem social fundada em preceitos éticos].

Fichte e Schelling, discípulos de Kant, acreditavam que o mundo real é o mundo da mente. Se o indivíduo colocar-se em harmonia com os fins universais, compreenderá sua própria natureza. Somente quando guiada e informada pelo ego supremo (inteligência universal) a mente humana conhecerá a realidade.

Johann Gottieb Fichte (1762 a 1814), professor da universidade de Berlim, foi o apóstolo do nacionalismo alemão. Segundo ele, a Alemanha tinha por missão dirigir o mundo segundo a justiça e visando a prosperidade de todos. O comércio exterior cabia ao Estado e devia ser reduzido ao mínimo. Nos seus “Discursos à Nação Alemã”, Fichte apelava à união dos Estados alemães a fim de resistirem às pretensões de Napoleão (1808). Quando irrompeu a guerra pela libertação, enviou os seus alunos para lutarem contra os franceses (1813). Suas idéias políticas antecipam as de Marx sobre o controle estatal da produção e distribuição de bens. Ele afirma que o “ego” é ativo e autônomo. O mundo da experiência é uma espécie de projeção inconsciente do ego: cuida-se do não-ego. Tal inconsciência leva o homem a pensar que está constrangido por uma realidade externa. Considerando que conhecemos apenas aparências, a questão da coisa em si perde a razão de ser. Admitir os noumenos (como Kant admite) é contraditório, é pretender saber o que não se pode saber. A projeção do ego é inconsciente e incondicional; como processo livre, brota da natureza prática e moral do ego.

Friedrich Wilhelm Schelling (1775 a 1854) professor em Jena, seguiu a linha idealista de Kant e Fichte, escreveu “Filosofia da Natureza”. Ele acreditava ser possível descobrir, além do fato, princípios gerais “a priori”. Esta esfera “a priori” é ativa, enquanto a da ciência é passiva. Ao prefaciar obra de Victor Cousin, filósofo francês, Schelling ataca a filosofia da natureza exposta por Hegel e nega a possibilidade de se deduzir fatos empíricos dos princípios “a priori”. A idéia dos pólos contrários e da unidade subseqüente exposta por Schelling prenuncia a dialética de Hegel. Tal idéia se continha de forma embrionária no quadro das categorias de Kant, quando ele diz que na terceira de cada grupo há uma combinação da primeira e da segunda que são contrárias. Para Schelling, a Filosofia divide-se em negativa e positiva. A primeira trata da essência das coisas; a segunda trata da existência das coisas. Do estágio negativo a Filosofia parte para o positivo.     

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 a 1831) protestante, filósofo, professor sucessivamente em Jena, Nuremberg, Heidelberg e Berlim, partidário do idealismo romântico, acreditava na evolução determinista e no movimento dialético da natureza. Entre as suas obras constam: “Fenomenologia do Espírito”, “Ciência da Lógica”, “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”, “Filosofia da História” e “Princípios da Filosofia do Direito” (separata da “Enciclopédia”), todas de difícil compreensão, menos pelos tópicos e mais por sua linguagem obscura. Interessante o que ele escreve no prefácio desta obra por último citada (Filosofia do Direito): “Quando as sombras da noite começam a cair é que levanta vôo o pássaro de Minerva”. {Quando a filosofia chega com a sua luz a um mundo que anoitece é que uma manifestação de vida está prestes a findar. Na maturidade dos seres o ideal se ergue em face do real. Depois de ter apreendido o mundo na sua substância, o pensamento maduro o reconstrói na forma de um império de idéias}. [Hegel fala como um místico da fraternidade organizada por volta de 1614 na Alemanha (rosacruz). Outra fraternidade, esta politicamente atuante e influente, foi organizada por volta de 1717 na França (maçonaria). Ambas constituídas por seleto grupo de pessoas do ponto de vista social e intelectual, a primeira como herdeira do conhecimento esotérico do antigo Egito ao tempo do faraó Aquenaton e a segunda como herdeira do conhecimento esotérico da antiga Palestina ao tempo do rei Salomão]. Na opinião de Hegel, a linguagem possui uma espécie de inteligência inerente superior à dos seus usuários. Talvez, aí esteja a razão pela qual a sua linguagem se mostra obscura para a maioria dos seus leitores.

Admitir a existência dessa inteligência própria da linguagem, superior à inteligência do seu usuário parece um tanto difícil, embora seja possível não entender o significado pleno das palavras utilizadas, mormente quando simbólicas. Inteligência é faculdade do ser pensante e não da coisa pensada (salvo quando a coisa pensada também é um ser pensante). A linguagem alheia é entendida segundo o grau de inteligência de cada indivíduo. Um mesmo texto pode ser compreendido de diferentes maneiras por diferentes leitores. Nota-se, na obra de Hegel, o enfoque histórico na abordagem dos tópicos e certa primazia do prático ante o teórico (considerada a distinção feita por Kant). O movimento pendular dos fatos históricos torna plausível o método dialético como explicação da história (caráter dialético da realidade e do pensamento). A dialética hegeliana ascende à idéia absoluta; esta idéia é a unidade suprema onde as diferenças desaparecem.

O pensamento de Fichte e de Schelling serviu de pilar ao edifício filosófico construído por Hegel e que sobrevive no materialismo dialético de Marx e Engels. A igreja que sofrera os ataques dos deístas e dos céticos, rejubilou-se com a filosofia de Hegel que reconhecia o mérito da fé e exaltava o mundo do espírito. Os adversários de Hegel apelidaram-no de “filósofo oficial”, ironizando o prestígio dele junto à corte imperial da Prússia. Na lógica hegeliana, as categorias são extraídas umas das outras em uma progressão dialética: tese x antítese = síntese. No confronto entre tese e antítese, cumpre observar se há contradição ou oposição. Se houver contradição, uma das proposições será verdadeira e a outra necessariamente falsa. Se houver oposição, ambas podem ser falsas. Essa dialética remonta à técnica do diálogo utilizada por Platão: interação de perguntas e respostas. Cuida-se de mecanismo próprio da inteligência na solução de problemas: exposição do tema + discussão + avaliação do caminho que se mostra mais oportuno e conveniente = decisão. Do ponto de vista lógico, não há contradição entre fatos, mas apenas entre idéias. A riqueza não contradiz a pobreza; entre elas há tão somente contraste social e econômico. Na criança, a prece é uma seqüência de sinais pictóricos e sonoros; no idoso, a mesma prece evoca a experiência de toda uma vida. A parte perde significado se não estiver relacionada ao todo. A idéia particular perde o seu sentido se não estiver relacionada à idéia universal. Se o todo for plenamente verdadeiro, a parte será verdadeira parcialmente.

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