EUROPA (1800
a 1900). Continuação.
A ciência buscada criticamente e
introduzida metodicamente é a porta estreita que conduz à sabedoria. A
Filosofia deve permanecer guardiã da ciência. A Metafísica se mostra enganosa na tentativa de conhecer acima de uma
experiência possível. A religião se
mostra fantástica na tentativa de atuar acima de uma experiência
possível. A imortalidade da alma e a
vida futura funcionam como condição essencial do dever. Sem a
crença num mundo futuro nenhuma existência momentânea terá valor absoluto. [Em
diferentes épocas, foram questionadas: (1) a necessidade de uma lei moral; (2)
a adequação das normas morais à sociedade; (3) a oportunidade de um novo código
moral. O indivíduo perece, mas a espécie humana permanece. Não haverá vida
futura após a morte se a alma individual perecer com o corpo. Sendo ou não
sendo perecível a alma individual, o fato é que a lei moral tem vigência e
eficácia no meio social. O indivíduo tem o valor que o mundo da cultura lhe
atribui ante a necessidade de uma ordem social fundada em preceitos éticos].
Fichte e Schelling,
discípulos de Kant, acreditavam que o mundo real é o mundo da mente. Se o
indivíduo colocar-se em harmonia com os fins universais, compreenderá sua
própria natureza. Somente quando guiada e informada pelo ego supremo (inteligência universal) a mente humana conhecerá a
realidade.
Johann Gottieb Fichte (1762 a 1814), professor da
universidade de Berlim, foi o apóstolo do nacionalismo alemão. Segundo ele, a
Alemanha tinha por missão dirigir o mundo segundo a justiça e visando a
prosperidade de todos. O comércio exterior cabia ao Estado e devia ser reduzido
ao mínimo. Nos seus “Discursos à Nação Alemã”, Fichte apelava à união dos Estados
alemães a fim de resistirem às pretensões de Napoleão (1808). Quando irrompeu a
guerra pela libertação, enviou os seus alunos para lutarem contra os franceses
(1813). Suas idéias políticas antecipam as de Marx sobre o controle estatal da
produção e distribuição de bens. Ele afirma que o “ego” é ativo e autônomo. O
mundo da experiência é uma espécie de projeção inconsciente do ego: cuida-se do não-ego. Tal inconsciência leva o homem a pensar que está
constrangido por uma realidade externa. Considerando que conhecemos apenas
aparências, a questão da coisa em si
perde a razão de ser. Admitir os noumenos
(como Kant admite) é contraditório, é pretender saber o que não se pode saber.
A projeção do ego é inconsciente e incondicional;
como processo livre, brota da natureza prática e moral do ego.
Friedrich Wilhelm
Schelling (1775 a
1854) professor em Jena, seguiu a linha idealista de Kant e Fichte, escreveu
“Filosofia da Natureza”. Ele acreditava ser possível descobrir, além do fato, princípios
gerais “a priori”. Esta esfera “a priori” é ativa, enquanto a da ciência é
passiva. Ao prefaciar obra de Victor Cousin, filósofo francês, Schelling ataca
a filosofia da natureza exposta por Hegel e nega a possibilidade de se deduzir
fatos empíricos dos princípios “a priori”. A idéia dos pólos contrários e da unidade
subseqüente exposta por Schelling prenuncia a dialética de Hegel. Tal idéia se
continha de forma embrionária no quadro das categorias de Kant, quando ele diz
que na terceira de cada grupo há uma combinação da primeira e da segunda que
são contrárias. Para Schelling, a Filosofia divide-se em negativa e positiva. A
primeira trata da essência das
coisas; a segunda trata da existência
das coisas. Do estágio negativo a Filosofia parte para o positivo.
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 a 1831) protestante, filósofo,
professor sucessivamente em Jena, Nuremberg, Heidelberg e Berlim, partidário do
idealismo romântico, acreditava na evolução determinista e no movimento
dialético da natureza. Entre as suas obras constam: “Fenomenologia do
Espírito”, “Ciência da Lógica”, “Enciclopédia das Ciências Filosóficas”,
“Filosofia da História” e “Princípios da Filosofia do Direito” (separata da
“Enciclopédia”), todas de difícil compreensão, menos pelos tópicos e mais por sua
linguagem obscura. Interessante o que ele escreve no prefácio desta obra por
último citada (Filosofia do Direito): “Quando
as sombras da noite começam a cair é que levanta vôo o pássaro de Minerva”.
{Quando a filosofia chega com a sua luz a um mundo que anoitece é que uma
manifestação de vida está prestes a findar. Na maturidade dos seres o ideal se
ergue em face do real. Depois de ter apreendido o mundo na sua substância, o
pensamento maduro o reconstrói na forma de um império de idéias}. [Hegel fala
como um místico da fraternidade organizada por volta de 1614 na Alemanha
(rosacruz). Outra fraternidade, esta politicamente atuante e influente, foi organizada
por volta de 1717 na França (maçonaria). Ambas constituídas por seleto grupo de
pessoas do ponto de vista social e intelectual, a primeira como herdeira do
conhecimento esotérico do antigo Egito ao tempo do faraó Aquenaton e a segunda
como herdeira do conhecimento esotérico da antiga Palestina ao tempo do rei
Salomão]. Na opinião de Hegel, a linguagem possui uma espécie de inteligência
inerente superior à dos seus usuários. Talvez, aí esteja a razão pela qual a
sua linguagem se mostra obscura para a maioria dos seus leitores.
Admitir a existência dessa
inteligência própria da linguagem, superior à inteligência do seu usuário
parece um tanto difícil, embora seja possível não entender o significado pleno
das palavras utilizadas, mormente quando simbólicas. Inteligência é faculdade do
ser pensante e não da coisa pensada (salvo quando a coisa pensada também é um
ser pensante). A linguagem alheia é entendida segundo o grau de inteligência de
cada indivíduo. Um mesmo texto pode ser compreendido de diferentes maneiras por
diferentes leitores. Nota-se, na obra de Hegel, o enfoque histórico na
abordagem dos tópicos e certa primazia do prático ante o teórico (considerada a
distinção feita por Kant). O movimento pendular dos fatos históricos torna
plausível o método dialético como explicação da história (caráter dialético da
realidade e do pensamento). A dialética hegeliana ascende à idéia absoluta; esta idéia é a unidade
suprema onde as diferenças desaparecem.
O pensamento de Fichte e de
Schelling serviu de pilar ao edifício filosófico construído por Hegel e que
sobrevive no materialismo dialético de Marx e Engels. A igreja que sofrera os
ataques dos deístas e dos céticos, rejubilou-se com a filosofia de Hegel que
reconhecia o mérito da fé e exaltava o mundo do espírito. Os adversários de
Hegel apelidaram-no de “filósofo oficial”, ironizando o prestígio dele junto à corte
imperial da Prússia. Na lógica hegeliana, as categorias são extraídas umas das
outras em uma progressão dialética: tese x antítese = síntese. No confronto
entre tese e antítese, cumpre observar se há contradição ou oposição. Se houver contradição, uma das proposições será
verdadeira e a outra necessariamente falsa. Se houver oposição, ambas podem ser falsas. Essa dialética remonta à técnica
do diálogo utilizada por Platão: interação de perguntas e respostas. Cuida-se
de mecanismo próprio da inteligência na solução de problemas: exposição do tema
+ discussão + avaliação do caminho que se mostra mais oportuno e conveniente =
decisão. Do ponto de vista lógico, não há contradição entre fatos, mas apenas
entre idéias. A riqueza não contradiz a pobreza; entre elas há tão somente
contraste social e econômico. Na criança, a prece é uma seqüência de sinais
pictóricos e sonoros; no idoso, a mesma prece evoca a experiência de toda uma
vida. A parte perde significado se não estiver relacionada ao todo.
A idéia particular perde o seu
sentido se não estiver relacionada à idéia
universal. Se o todo for plenamente verdadeiro, a parte será verdadeira
parcialmente.
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