segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 23



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

O universo está em fluxo constante, diz Hegel concordando com Heráclito, filósofo grego. Tudo tende a passar ao extremo oposto. Há um sistema nesse funcionamento. Cada instituição social ou política desenvolve-se até a maturidade, desempenha sua missão e dá lugar a algo diferente. O antigo nunca é totalmente destruído. Algo do antigo permanece no mais novo formado dos elementos extremos. O processo repete-se muitas vezes. Cada nova fase representa um melhoramento. Todo o processo guia-se pela razão universal (deus). A evolução é o desenvolvimento de deus na história. O choque dos opostos conduz a um fim benéfico, a um estado perfeito onde o interesse de cada indivíduo corresponde ao interesse geral da sociedade. A liberdade consiste na sujeição do indivíduo à sociedade organizada politicamente. Direitos individuais não podem prevalecer diante do Estado. Sem o Estado o indivíduo é mero animal. “O Estado é a idéia divina na sua forma terrena”. O Estado se sobrepõe à igreja. A organização eclesiástica deve ter um caráter nacional. A igreja de Roma não deve prevalecer tendo em visa o seu caráter internacional. A história alcançou o seu estágio definitivo no Estado prussiano [na época de Hegel, um Estado totalitário]. Cabe aos alemães, únicos a compreenderem o alcance universal da liberdade, a missão de desenvolver o espírito na história. [Heráclito dizia ser a luta a mãe de tudo; Hegel também enfatiza a luta entre forças opostas]. A guerra pode ser mais importante do que a paz. Sem nação inimiga, os povos se debilitam e entram em processo de decadência. [Hegel foi contra a idéia de confederação mundial sugerida por Kant; ele também se opôs à Santa Aliança celebrada no Congresso de Viena].   

Karl Marx e Friedrich Engels, ambos já referidos nas páginas deste capítulo sobre economia política, parceiros na produção intelectual, comungam a mesma filosofia de caráter socialista e materialista. Juntos escreveram a “Ideologia Alemã”, em 1845/1846, e o “Manifesto (do Partido) Comunista”, publicado em 1848 e que assim começa: “Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa uniram-se numa Santa Aliança para exorcisá-lo: o Papa e o Tzar, Metternich e Guizot, os radicais franceses e os espiões da policia alemã. (...) O comunismo já é considerado uma força por todas as potências da Europa. Já é tempo de os comunistas publicarem abertamente diante de todo o mundo suas idéias, seus fins, suas tendências, opondo à lenda do comunismo um manifesto do próprio partido”. Depois de longa e substanciosa exposição, assim termina: “Que as classes dominantes tremam diante da revolução comunista! Os proletários nada têm a perder senão os seus grilhões. Têm um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uní-vos!” 

Assim como Marx escreveu solo “O Capital”, Engels também escreveu solo “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico”, texto separado de um livro da sua autoria intitulado “A Subversão da Ciência pelo Sr. E. Dühring” e publicado em 1878. Há pontos de contacto do pensamento de ambos com a filosofia de Hegel, mormente no que tange à dialética, segundo a qual o choque dos opostos conduz à sociedade perfeita. Para Hegel, o fim último do processo dialético é o Estado perfeito. Para Marx e Engels, o fim último do processo dialético é a extinção do Estado (comunismo vitorioso). Na opinião de Hegel, a evolução histórica significa a concretização do espírito do mundo ou da razão universal. Marx e Engels entendem que a transição histórica decorre principalmente (não exclusivamente) dos fatores econômicos. A base da filosofia desses dois pensadores é materialista; rejeita o dualismo cartesiano (corpo + alma) e admite uma só substância: a matéria. O movimento integra a matéria. As idéias de primeiro motor e deus são desnecessárias. A mente é função da matéria. A religião é perniciosa, expõe falsidades de modo deliberado. A pregação religiosa mantém o povo na ignorância e submisso ao governo e ao clero. “A religião é o ópio do povo”.

Sören Kierkegaard (1813 a 1855), filósofo dinamarquês, mestre em Teologia, nascido em Copenhague, filho de pais ricos, ao terminar os estudos e frustrado por não conseguir o afeto da sua bem-amada, mudou-se para Berlim. A sua “Julieta” casou com outro. A filosofia existencialista de Kierkgaard se opõe à filosofia que vincula o bem ao conhecimento e o mal à ignorância. A existência é anterior à essência; o particular antecede o universal; a vontade antecede a razão. Primeiro o indivíduo sabe que uma coisa é, depois, o que é essa coisa. Esse filósofo separa vontade e razão. Encara a ação e o poder de escolha como necessidades humanas. Os sentimentos podem ser compreendidos de maneira existencial. A vida humana não se ajusta plenamente às teorias científicas; nenhuma delas aprecia devidamente o caráter específico da ação moral. Os homens devem basear suas vidas mais em princípios religiosos do que em princípios éticos. A religião é existencial (brota do interior da alma). A liberdade de crença autoriza adesão ao insólito: credo quia absurdum.

Arthur Schopenhauer (1788 a 1860) nasceu em Danzig, na Prússia, filho de comerciante, mudou-se com os pais para Hamburgo, viveu na França, na Inglaterra e na Alemanha onde passou o resto da vida. Desistiu da atividade comercial após o falecimento do pai. Estudou medicina e adquiriu conhecimentos científicos (Göttingen). Na Universidade de Berlim, obteve o grau de doutor em Filosofia. Estudou misticismo em Weimar. Incluiu o bramanismo e o budismo em suas reflexões. Escreveu “Sobre a Visão e as Cores”, por sugestão de Goethe (1816). “O Mundo como Vontade e Representação” é a sua principal obra filosófica (1819). Ao exercer o magistério, Arthur tentou competir com Hegel no mesmo horário de aulas na Universidade de Berlim. Fracassou. Suas aulas eram freqüentadas por três ou quatro alunos no máximo. Renunciou ao cargo. Na pensão em que morava ele jogou escada abaixo uma solteirona que o espiava (1826). Processado judicialmente, foi condenado a pagar pensão anual pela vida restante da vítima (vinte anos). Mudou-se para Frankfurt em 1833, onde morou até morrer. Arthur gostava do cão que o acompanhava na vida solitária. Dizia: ao contrário do que acontece entre os homens, entre os cães a vontade não é dissimulada pela máscara do pensamento. Publicou os ensaios: “Sobre a Vontade na Natureza” e “O Fundamento da Moral”, para concorrer a prêmios das academias da Noruega e da Dinamarca. Neste último, era o único inscrito, mas não ganhou o prêmio porque o texto era injurioso e causou escândalo: insultava Hegel e Fichte. Os dois ensaios foram reunidos em um só livro: “Os Dois Problemas Fundamentais da Ética” (1841). Escreveu mais ensaios sobre política, moral, literatura, filosofia, estilo e metafísica, reunidos em um volume intitulado “Parerga e Paralipomena”, que alcançou enorme sucesso (1851). Arthur desponta então como ídolo das novas gerações, enquanto a filosofia de Hegel entra em declínio. Em Frankfurt, ele era visitado por filósofos e escritores.


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