sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

ESTUPRO



Nas sessões do Congresso Nacional de 09/12/2014 e da Câmara dos Deputados de 10/12/2014, parlamentares de ambos os sexos chamaram o deputado Jair Bolsonaro de estuprador porque ele como tal se qualificara ao agredir verbalmente a deputada Maria do Rosário. O ofendido explicou: (1) que durante uma entrevista à imprensa no salão verde da Câmara, sobre redução da idade penal por ele defendida e na qual citava o estupro e o assassinato de um jovem casal por meliantes menores de 18 anos, a deputada Maria do Rosário ingressou no salão, contestou-o agressivamente e por duas vezes o chamou de estuprador; (2) que após a segunda ofensa, ele respondeu que se fosse estuprador jamais escolheria a deputada para estuprá-la porque ela não merece; (3) que o episódio foi filmado.

Do contexto informado, possível deduzir que o deputado revidou para ferir a vaidade da deputada: ele não a considerava mulher atraente. Confirmada a versão do deputado, quem o qualificou de estuprador está sujeito a responder processo judicial por crime contra a honra, posto que tal ofensa, ainda que proferida no recinto da Câmara, não está ao abrigo da imunidade parlamentar e caracteriza abuso de prerrogativa e falta de decoro. O desvirtuamento de expressões retiradas do contexto em que foram utilizadas é comum na politicagem. Denise Frossard, Marta Suplicy e Dilma Rousseff já foram vítimas desse tipo censurável de oposição. O fato de Bolsonaro representar a extrema direita e ter obtido 400 mil votos no Rio de Janeiro está por trás da “indignação” dos ofensores.        

Há países em que meninas são mutiladas e mulheres apedrejadas em nome da tradição e da lei. País dos marajás e dos ricos negociantes, da ciência, da religião e dos gurus, a Índia também o é dos parias, dos miseráveis, da superstição, da ignorância, da magia, dos faquires e dos estupradores. Homens seviciam mulheres impunemente sob a justificativa de que o estupro faz parte da cultura indiana. Notícia vinda de lá: depois de seviciadas por alguns homens, duas adolescentes de 14 e 15 anos foram enforcadas. No Brasil, o estupro era comum na época colonial e imperial. A mudança na lei não mudou o costume. Sentimentos nobres estão sombreados por ações perversas. Moralidade, libertinagem e crueldade andam juntas na sociedade. Belos pensamentos convivem com práticas deprimentes. A poesia sublime contrasta com a realidade pantanosa. Progresso na técnica, na ciência, na economia; avanços e recuos nas convenções sociais, no direito e na política; retrocesso na ética, na religião e na espiritualidade; assim caminha a humanidade até o momento.

O apetite sexual do macho e da fêmea provoca a conjunção carnal. No que tange ao animal racional, a satisfação desse apetite encontra barreiras religiosas, morais e jurídicas levantadas no processo civilizador. O gênero homo existe há mais de um milhão de anos. A espécie homo sapiens existe há mais de vinte mil anos. O homem civilizado existe há mais de seis mil anos. Apesar de todo esse milenar percurso, o homem das cavernas ainda sobrevive. Mais selvagem do que o homem das selvas, o homem civilizado encontra-se na África, na América, na Ásia, na Europa, na Oceania, em todos os países e em todas as cidades. Alguns trogloditas ainda são peludos, cabeludos e barbudos; outros têm cabelos e barbas bem cortados, usam perfume e desodorante; vestem roupa civil, farda e batina; calçam sandálias, tênis, botas e sapatos de couro alemão. Alguns não usam camisinha Ocupam posições diversas na sociedade: marido, pai, irmão, tio, primo, amigo da família, moço da festa, chefe, patrão, pároco. Ocultam-se nas aparências e ficam à espreita. Ao brocardo “a ocasião faz o ladrão”, adite-se: “e também o estuprador”. Na ocasião propícia, o homem das cavernas surge com fúria, tal qual o Hulk.  
    
No mundo civilizado, a violência é censurada, porém, há sempre motivo para a guerra. Os humanos oscilam entre o irracional e o racional, entre a matéria e o espírito, entre a fé e o intelecto. Sob a antinatural ética do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, esse movimento pendular mostrou-se fonte de sofrimento. A vida dos crentes tornou-se um inferno psíquico. Para compensar essa desgraça por elas mesmas provocadas, as religiões prometem o paraíso em outro mundo. Graças a elas, o nosso lindo planeta azul transformou-se em caldeirão do diabo. Retalharam a atividade da alma e do corpo. No avançado estágio cultural conhecido como civilização, os instintos humanos são represados. Todavia, há um momento em que as comportas se abrem. Limites são transpostos.

Constranger mulher à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça tipifica crime contra a liberdade sexual. O estupro resulta do apetite incontido do macho que dispensa o consentimento da fêmea. Macho também estupra macho, como se vê nos presídios e nas sacristias, porém o legislador colocou só a mulher como vítima desse crime. Na lei penal brasileira o estupro do macho se enquadra na figura do atentado violento ao pudor. A forçada satisfação do apetite sexual do agente implica violência contra o corpo e a liberdade do paciente. Em princípio, a responsabilidade pelo estupro é do macho ativo, pois dele é o apetite, a falta de controle e a violência. Todavia, como em outros crimes, no estupro o comportamento da vítima também é avaliado para o fim de apurar até que ponto ela contribuiu para o resultado. O propósito é verificar se houve ou se não houve culpa concorrente. Os costumes vigentes, a produção artística (cinema, teatro, televisão), a indumentária sensual da mulher, o requebrado no andar, o decote ousado, a exposição das coxas até as rendas da calcinha, a nudez na praia disfarçada com o fio-dental, tudo isto desperta o desejo no homem cujo nível da testosterona for normal. Além do tato, o estímulo visual também aguça o apetite sexual. Para o homem, desviar os olhos é difícil, mesmo com a esposa ao lado. A natureza imantou o homem e a mulher com zonas eróticas.

Essa realidade natural e social explica o estupro, mas não o justifica. A imediata e direta conduta da mulher poderá provocar relação forçada. A espontânea provocação da mulher, tácito convite, atenua o comportamento do homem. A mulher pode ter a fantasia do estupro para aumentar o seu prazer. Algumas mulheres gostam de tapas, lábios mordiscados e força na penetração. Espera que o parceiro satisfaça tal capricho. Trata-se de resistência encenada com bafo masoquista. Por outro lado, mesmo que a atitude direta e imediata da mulher seja provocadora e sensual, o arrependimento eficaz e tempestivo deve ser respeitado pelo homem sob pena de caracterizar o crime. A resistência da mulher justifica-se, por exemplo, quando o parceiro se nega a usar camisinha ou a cuidar da higiene. O parceiro incorre na censura da lei penal ao contrariar a vontade da parceira em tais circunstâncias.

Na hipótese de intempestivo e ineficaz arrependimento da mulher que direta e imediatamente estimulou a relação sexual, a responsabilidade há de ser dividida. Tratar-se-ia de culpa concorrente e não de culpa exclusiva. O caso Mike Tysson é exemplar. A moça concordou em acompanhar o moço até o quarto do hotel, permitiu as intimidades preliminares e na hora H, sem motivo plausível, por capricho ou malícia premeditada, negou-se a consumar o ato. O pugilista ignorou a negativa e completou a relação. Discutível se o tamanho do pênis é justa causa para a recusa. A esperteza rendeu à moça milhões de dólares em indenização fixada pela hipocrisia do tribunal daquele país. Nos EUA, a justiça é puritana, tem epiderme branca e cifrão nos olhos. Aquela transa sexual foi a mais cara do planeta e certamente inspirou o autor do filme intitulado “Proposta Indecente”.

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