quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 21



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Para alcançar a felicidade, o ente racional há de ser digno, o que implica submissão completa à lei moral. No conhecimento do sumo bem consiste a sabedoria teórica. Na conformidade da vontade ao sumo bem consiste a sabedoria prática. De um modo geral, são atribuídas a deus: (1) as seguintes qualidades morais: (i) santidade (legislador santo); (ii) bem-aventurança (governante bondoso); (iii) sabedoria (juiz justo); (2) as seguintes propriedades essenciais: onipresença (está presente em tudo, no mundo natural e no mundo espiritual); onipotência (tudo pode em ambas as esferas); onisciência (conhece a si mesmo e a todos os seres nos reinos físico e metafísico). Os postulados da razão pura prática são: (1) existência de deus; (2) imortalidade da alma; (3) liberdade enquanto causalidade de um ente pertencente ao mundo inteligível. Para cada uso da razão em relação a um objeto são requeridos conceitos do entendimento (categorias) sem os quais nenhum objeto pode ser pensado. As categorias têm sua sede e origem no entendimento puro – enquanto faculdade de pensar – antes e independente de qualquer intuição.

As carências da razão especulativa deságuam nas hipóteses; as carências da razão prática deságuam nos postulados. Inevitável é pressupor para todo ente racional no mundo, aquilo que é necessário à sua possibilidade objetiva. Essa pressuposição é tão necessária quanto a lei moral em relação à qual ela também é válida. Se a natureza humana está destinada a aspirar ao sumo bem, a medida das suas faculdades de conhecer, principalmente a relação delas entre si, tem que ser admitida como conveniente a esse fim.

Kant enfatiza a força e a importância das inclinações para as quais a lei moral funciona como freio e limitação. Pela desigualdade dos homens na constituição civil, as vantagens de uns acarretam privações a outros.

[Vem à balha, a “privatização dos lucros e socialização dos prejuízos”. Na imaginária balança social, um dos pratos recebe os bônus (privilégios e vantagens) e o outro os ônus (sacrifícios e privações). Em uma sociedade aristocrática, os bônus são da minoria e os ônus da maioria, como regra geral; o inverso acontece como exceção, conforme o estado de coisas. Em uma sociedade democrática, os bônus e os ônus são distribuídos proporcionalmente entre todos os cidadãos. A proporção admite a desigualdade que encontrar aceitável e racional justificação. As diferenças naturais e culturais existem de fato e não devem ser ignoradas, sob pena de incidir-se em equivocado e injusto nivelamento. No plano dos fatos, essa distribuição varia segundo a realidade política, econômica e social de cada nação].

A lei moral é um mandamento da razão pura prática incondicionada, portanto, superior à sensibilidade. A lei moral reclama cumprimento por dever e não por uma predileção que não se deve absolutamente pressupor. Arriscar a vida pela pátria ou pelo próximo pode ser meritório, heróico, mas não necessariamente moral. Perder a vida pela pátria é conseqüência de um comando externo, de uma obrigação imposta pelo Estado e não de um impulso interno ditado pela lei moral. Perder a vida pelos outros é violar o direito para consigo mesmo e para com a sua família, quando esta não for o motivo da ação.

Quando arriscamos a vida pelos outros nem sempre estamos vendo as suas virtudes e os seus vícios, as singularidades morais e intelectuais; por vezes, nem sabemos de quem se trata. Podemos estar arriscando a vida por uma pessoa de mau caráter, um estelionatário, um corrupto, um assassino. Se disto nos inteirarmos singularmente, é provável que nos abstenhamos da ação heróica, pois a comparação entre nós e aquele tipo de pessoa é inevitável. Entre o risco da minha vida e a de um criminoso, que padeça o criminoso. Quando desconhecemos a pessoa em perigo, agimos vendo no próximo uma universalidade, um ente abstrato provido de essência humana, um indivíduo da espécie animal a que pertencemos. Estamos como que salvando a nós mesmos ou aos nossos entes queridos, numa substituição psíquica, pois caso nos encontrássemos em igual situação de perigo, também gostaríamos de ser salvos e que alguém arriscasse a vida para nos salvar, se fosse necessário.

Método da razão pura prática exposto por Kant: (1) Tornar o ajuizamento segundo leis morais uma ocupação natural. Conformidade à lei moral. Há diferença entre a lei moral daquilo que a carência dos homens exige de mim e o direito daquilo que me é exigido. (2) A ação tem de ocorrer também (subjetivamente) em vista da lei moral. Além da retidão moral, a ação terá também valor moral como disposição concordante com a sua máxima. A ocupação da faculdade de julgar em conformidade com a lei moral dá à virtude (ou à maneira de pensar segundo leis morais) uma forma de beleza que é admirada, mas, nem por isso, procurada. (3) O passo seguinte é tornar perceptível, em exemplos, a pureza da vontade na apresentação viva da disposição moral. A reflexão pode ocupar-se: (i) do céu estrelado acima de mim; (ii) da lei moral dentro de mim. No primeiro caso, a reflexão começa no lugar que ocupamos no mundo sensorial externo. A conexão em que nos encontramos ao imensamente grande (macrocosmo) estende-se, pela reflexão, aos tempos ilimitados do seu movimento periódico. No segundo caso, a reflexão começa em minha personalidade (em si mesma) e me expõe à infinitude de um mundo com o qual me reconheço em conexão universal e necessária, mas que é acessível apenas ao entendimento.

O espetáculo grandioso do universo aniquila-me como criatura animal. Devolverei em pequeno prazo a matéria da qual sou formado e que estava dotada de força vital. O espetáculo descortinado pela personalidade eleva meu valor enquanto inteligência. A lei moral me revela uma vida independente da animalidade e até mesmo de todo o mundo sensorial. A contemplação do mundo começou do mais grandioso espetáculo – que só os sentidos podem oferecer e o entendimento suportar e perseguir – e terminou na astrologia. A moral começou na mais nobre propriedade da natureza humana – cujo desenvolvimento e cultura visam a uma utilidade infinita – e terminou na superstição e no fanatismo.

[A grandeza macroscópica do universo amesquinha até mesmo o nosso planeta e o nosso sistema solar. Todavia, perante a estrutura atômica e microscópica da matéria, o ser humano, o planeta e o sistema solar se agigantam. Tudo é uma questão de perspectiva. Kant estava inserido na cultura européia dos séculos XVIII e XIX. Seu pensamento está desprovido do conhecimento científico de que dispomos na atualidade. No entanto, a sua crítica sobre os desvios do caminho da ciência e do caminho da moral é válida para a idade contemporânea. No que tange à parte nobre da natureza, a linguagem reflete proximidade com a hierarquia social do regime monárquico e aristocrático da idade moderna, mas que ainda vigora em nossos dias. O organismo humano e todas as suas funções têm utilidade e importância. Assim como o cérebro e a inteligência, também o coração e a intuição ocupam importante lugar nos mecanismos do corpo humano].

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