quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 19



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Denominam-se: (1) entendimento, a faculdade de conhecer; (2) conhecimento, a referência determinada de representações dadas a um objeto; (3) objeto, aquilo em cujo conceito é reunido o múltiplo de uma dada intuição; (4) unidade de consciência, o que unicamente perfaz a referência das representações a um objeto, sobre o que repousa a própria possibilidade do entendimento. O dado proveniente da intuição é unidade objetiva. A consciência, como determinação do sentido interno, é unidade subjetiva. Nos juízos, a partícula relacional é distingue a unidade subjetiva da unidade objetiva de representações dadas. [Exemplo: a usina de Itaipu é uma empresa binacional]. No que concerne: (1) à natureza, a experiência fornece a regra e é fonte da verdade; (2) às leis morais, a experiência é a mãe da ilusão. Lei sobre o que se deve fazer não pode ser extraída do que está feito. [Nas relações intersubjetivas, o comportamento nem sempre corresponde às normas éticas, principalmente no terreno político e econômico. O que deve ser no plano moral, nem sempre é no plano social; o que é legal, nem sempre é moral]. Constituição política que permite a liberdade de cada um coexistir com a dos outros é, pelo menos, uma idéia necessária.

Kant assim descreve a escala do processo de conhecimento: (1) gênero: representação (repraesentatio); (2) percepção: representação com consciência (perceptio); (3) sensação: percepção que se refere unicamente ao sujeito enquanto modificação do seu estado (sensatio); (4) conhecimento: percepção objetiva (cognatio); (5) intuição: conhecimento singular e imediato do objeto (intus ire); (6) conceito: conhecimento mediato do objeto por um traço que pode ser comum a outros objetos (conceptus); (7) conceito empírico: conhecimento mediato fundado na experiência; (8) conceito puro: conhecimento mediato fundado no entendimento; (9) noção: conhecimento cuja origem é o entendimento exclusivamente (notio); (10) idéia: conceito a partir de noções, que ultrapassa a possibilidade da experiência. Ocorre a ilusão lógica na simples imitação da forma da razão (sofismas). Tal ilusão decorre da desobediência voluntária ou involuntária às regras lógicas. [Exemplo: todo juiz é imparcial; ora, Antonio é juiz; logo, Antonio é imparcial. Raciocínio formalmente correto, porém, materialmente falso, eis que há juízes parciais. O raciocínio correto e verdadeiro seria assim formulado: todo juiz deve ser imparcial; ora, Antonio é juiz; logo, Antonio deve ser imparcial]. A dialética transcendental tem como objetivo descobrir a ilusão dos juízos transcendentes e impedir que ela mesma engane. Cuida-se de cautela contra a ilusão natural e inevitável da razão que se funda sobre princípios subjetivos fazendo-os passar por objetivos. Essa dialética é inerente à razão humana e mesmo depois de descoberto o seu caráter ilusório, não cessará de enganar e de precipitar a razão em confusões que precisarão ser eliminadas a cada vez.

Na “Crítica da Razão Pura”, Kant pretende demonstrar que tanto juízos analíticos como juízos sintéticos podem ser “a priori”. Para ilustrar a sua tese, ele cita a proposição matemática 5 + 7 = 12. Diz que se trata de proposição a priori porque não deriva da experiência e sintética porque o conceito doze não está contido nos conceitos cinco e sete da adição. A causalidade é um princípio sintético a priori, porque não deriva da experiência e se trata de cognição. Enquanto na “Crítica da Razão Pura” Kant tratou essencialmente da cognição, na “Crítica da Razão Prática”, ele trata essencialmente da vontade. Lá, o especular (teoria); cá, o agir (prática). Ele traça diferença entre regra, lei e máxima. Regra é o modo como deve acontecer aquilo que se quer. Lei é o imperativo do que deve acontecer (idéia de fim válida para todos). Máxima é a lei subjetiva, aquilo que o sujeito se propôs universalmente a fazer (válida para o sujeito com pretensão de valer para todos); autodeterminação a partir de uma experiência de mundo; adquire a universalidade de uma regra que se escolhe para toda a vida, embora possível infringi-la e revogá-la. Kant considera proposições práticas fundamentais aquelas que contêm uma determinação universal da vontade, determinação que tem sob si diversas regras práticas. No conhecimento natural, os princípios do que acontece são ao mesmo tempo leis da natureza. O uso da razão aí é teórico, determinado pela natureza do objeto. No conhecimento prático, que tem a ver simplesmente com fundamentos determinantes da vontade, as proposições fundamentais que formamos não são ainda leis às quais inevitavelmente nos submeteremos. A razão tem a ver com o sujeito naquilo que é prático. A regra pode conformar-se de múltiplos modos com a particular natureza da faculdade de apetência do homem.

Ser feliz é a necessária aspiração do ente racional e finito. Trata-se de inevitável fundamento determinante da vontade. A razão pura escapa ao mecanismo da natureza, isto é, ao princípio da causalidade, à série de causas. Se a forma da legislação universal é o único fundamento determinante da vontade que pode a esta servir como lei, então, tal vontade tem que ser pensada como totalmente independente da lei natural dos fenômenos, ou seja, da lei da causalidade em suas relações sucessivas. Tal independência chama-se liberdade no sentido mais estrito (transcendental). Vontade livre é aquela para a qual apenas a simples forma legislativa da máxima pode servir de lei. [Estar submetido exclusivamente à própria vontade é uma forma de liberdade, desde que essa vontade não esteja coagida ou determinada pela vontade de terceiros. Dessa liberdade fundamental derivam as liberdades de pensar, de querer, de sentir e de agir, tais como: manifestar o pensamento, escolher, contratar, locomover-se].

A razão pura é por si só prática e dá (ao homem) uma lei universal que chamamos de lei moral. A autonomia da vontade é o único princípio de todas as leis morais e dos deveres que lhes são conformes. Normas brotadas do arbítrio não fundam obrigação alguma e contrariam o princípio obrigacional e o da moralidade da vontade. A máxima do amor de si (prudência) apenas aconselha; a lei da moralidade ordena; lá, a faculdade; cá, a obrigação. Cada indivíduo tem o poder de satisfazer o mandamento categórico da moralidade. Nem todos podem satisfazer ao preceito empiricamente condicionado da felicidade. A idéia de justiça é essencial à idéia de punição. [O pior criminoso tem direito a um advogado e este tem o dever de zelar pelas garantias constitucionais e legais do cliente, pela lisura do processo penal e pela justa medida da pena]. Liberdade externa é a faculdade de desobedecer a qualquer lei externa à qual o sujeito foi impedido de assentir. [O destinatário da lei deve participar da sua elaboração]. O princípio da moralidade é uma lei pura que, a priori, determina a vontade.

O juízo prático versa o bom e o mau, o bem e o mal. Tais valores influem em nossa existência por inteiro. A transitoriedade dos sentidos responde pelo bem-estar e pelo mal-estar. A ação é boa ou má segundo sua conformidade ou desconformidade com a lei moral. De uma ação má pode resultar um bem-estar. [Exemplo: fiscal da receita estadual recebe suborno e enriquece. Favorece o devedor do fisco, mas prejudica o erário. (Fonte: caso Silveirinha, escândalo de 2003, no Rio de Janeiro). No Brasil é comum o bem-estar obtido por quem desvia dinheiro público e permanece impune]. Na teoria kantiana, a faculdade prática de julgar consiste em aplicar a uma ação, em concreto, aquilo que na regra foi dito universalmente em abstrato. A regra da faculdade de julgar sob as leis da razão prática pura é assim enunciada: pergunta a ti mesmo se poderias de bom grado considerar ação que te propões como possível mediante a tua vontade, se ela devesse ocorrer segundo uma lei da natureza da qual tu mesmo fosses uma parte. O essencial de todo o valor moral das ações depende de que a lei moral determine imediatamente a vontade. Não basta que a ação seja por causa da lei ou conforme a lei, hipótese em que será uma ação legal, mas não necessariamente moral. O motivo é o fundamento subjetivo determinante da vontade do ser racional.

Nenhum comentário: