quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

POLITICA


Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CR 5º, LVII).

Essa garantia individual resulta da evolução da cultura dos povos ocidentais. A pena determinada na sentença só será executada depois de esgotada a via recursal. Entretanto, medidas restritivas autorizadas pela Constituição e por legislação que a complementa (códigos, leis esparsas, decretos) podem ser aplicadas sempre que o exigir a segurança da sociedade. Ante a evidência da prática delituosa, o indivíduo pode ser preso no curso do inquérito policial ou da instrução criminal por ordem escrita do juiz, apesar da presunção de inocência a informar a garantia acima citada. A prisão do indiciado, ou réu, com fundamento na Constituição e no Código de Processo Penal, tem por escopo garantir a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal, ou a aplicação da lei penal (CR 5° LXI + CPP 311/312). A prisão em flagrante e a prisão preventiva independem do atestado de culpa. Nenhuma dessas duas modalidades caracteriza execução antecipada, embora o seu tempo seja computado no cumprimento da pena se houver condenação final (CP 42). Ambas são medidas de cautela em defesa da sociedade. Ao decreto de prisão bastam: a prova da existência do delito, os indícios da autoria, a gravidade dos fatos e o prudente arbítrio do juiz ao examinar a conveniência de privar alguém da liberdade. Neste momento, não se cogita de culpa para alicerçar o decreto. Na decisão de prender provisoriamente, o juiz não pode prejulgar, formular juízo de culpa, ainda que dela esteja convencido intimamente.

Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (CR 5° LIV).

O legislador constituinte abriu exceção não só à presunção de inocência como também à correlata garantia acima transcrita. A periculosidade do agente e a probabilidade de se manter na senda do crime são presunções derivadas dos fatos. Embora o processo, lato sensu, não tenha esgotado os trâmites, a prisão será legal se o inquérito policial, ou o processo criminal, respeitaram essa garantia do devido processo, instrumental e substancialmente, até o momento da privação da liberdade.  

A sociedade tem o direito de se proteger contra a delinqüência. Há delinqüentes livres e delinqüentes reprimidos. Livres, são os delinqüentes que escapam da rede legal de repressão e prevenção ao crime. Reprimidos, são os delinqüentes apanhados nessa rede. Do ponto de vista social, delinqüente não é só quem está embaraçado na rede. Tanto é ladrão aquele que furta um telefone celular como aquele que desvia centenas de milhões de reais do erário, ainda que nenhum deles seja preso e processado. Quem indevidamente ameaça ou tira a vida, a liberdade e a propriedade do outro, inscreve-se no rol dos criminosos. Neste rol inclui-se tanto o privilegiado que se mantém livre da rede, como o que está sob persecução criminal. Reputa-se delinqüente, ainda que fora do alcance da repressão legal, a pessoa que, por ação ou omissão culposa, impede a realização dos objetivos da República como, por exemplo, o de construir uma sociedade livre, justa e solidária ou o de promover o bem de todos sem preconceitos. Há delinqüentes que agem contra as instituições nacionais para implantar um novo regime ou para afastar os governantes eleitos pelo povo. Quando logram seu desiderato, criam a sua própria legalidade, como se viu dos golpes de estado na América Latina no século XX. Há delinqüentes que assumem o poder pelo voto mediante expedientes ilusórios ou fraudulentos (Fernando Henrique, Brasil, 1998; George W. Bush, EUA, 2004). Não há governos criminosos; há governantes criminosos (parlamentares, chefes de governo, ministros, magistrados). Chefe de Governo dificilmente é processado, embora seja o criminoso que maior prejuízo pode causar à nação. Endividamento e tributação desproporcionais ao pequeno e eventual benefício da população; alienação de bens estratégicos; desvio de verbas públicas para cofres particulares; manipulação de dados; são exemplos de crimes praticados pelos governantes. A blindagem contra a repressão legal também se estende a criminosos do setor privado: banqueiros, usineiros, fazendeiros, empreiteiros, publicitários. Entre as práticas criminosas habituais estão: usura, lavagem de dinheiro, remessa ilegal de divisas; grilagem de terras; contratos fraudulentos, licitações manipuladas, obras maquiadas, serviços pagos e não realizados; propaganda enganosa; agressões ao meio ambiente; trabalho análogo ao de escravo; tráfico de drogas, mulheres e crianças; comércio de minérios, animais e plantas. 

Assim como na esfera penal, no âmbito eleitoral também há prevalência do bem da sociedade em face do bem do indivíduo que pretende exercer cargo público eletivo. Para representar o povo no governo, a pessoa há de ser qualificada profissional, moral e intelectualmente. A condenação em processo judicial ou administrativo se inclui entre os fatos desabonadores da vida pregressa. Nação desenvolvida não admite ser governada por pessoa de passado desabonador ou que esteja sub judice. Em nação culturalmente avançada nem há necessidade de lei específica exigindo predicados éticos aos candidatos a cargos públicos.

No Brasil, permitia-se a prisão do réu e o lançamento do seu nome no rol dos culpados por sentença condenatória recorrível (CPP 393). O preceito estava correto do ponto de vista moral e jurídico. Apesar disto, a sua eficácia foi nulificada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no caso Dantas. A Sociedade espera a pronta resposta do Estado ao crime. O réu é condenado no devido processo após dispor das garantias do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural. A decisão condenatória provém do exercício da soberania popular de modo: (I) direto, pelo tribunal do júri; (II) indireto: (i) pelo juiz de direito, em primeiro grau de jurisdição; (ii) por tribunal, em primeiro grau de jurisdição nas ações penais originárias e segundo grau nos recursos. Ante a sentença penal condenatória prolatada no devido processo: (I) a presunção de inocência perde força em países que prezam a igualdade e ganha força em países protetores de delinqüentes do colarinho branco; (II) afigura-se impróprio contrapor o in dúbio pro societatem ao in dúbio pro reo, posto que, depois da sentença, cessa qualquer dúvida; não há mais in dúbio algum a favor do réu ou a favor da sociedade. A sentença reveste certeza jurisdicional obtida após o interrogatório do réu, os depoimentos das vítimas e das testemunhas, o exame de documentos e dos laudos periciais. Do conjunto probatório aliado aos argumentos do promotor de justiça e do advogado, o juiz forma convicção. No tribunal do júri, o julgador é leigo (jurado). No juízo monocrático, o julgador é togado, técnico, de formação jurídica, independente quando corajoso. Na solidão do seu gabinete, o juiz examina os autos do processo e prima pela justa aplicação da lei ao caso concreto. O julgamento ganha densidade em órgão colegiado constituído de juízes togados: (i) em jurisdição de primeiro grau prestada nas ações originárias pelos tribunais; (ii) em jurisdição de segundo grau prestada por turmas nos juizados especiais e pelos tribunais no exercício da competência recursal. A lei da ficha limpa, quando arrola os casos de inelegibilidade, prestigia decisão de órgão colegiado, tanto da justiça eleitoral, como da justiça comum.

Nenhum comentário: