O
bom senso leva os povos a escolher, para governá-los, os melhores cidadãos do
ponto de vista da honestidade e da capacidade técnica, profissional,
intelectual e cultural, do mesmo modo como, em nível individual, a pessoa escolhe
médico, dentista, professor, arquiteto, pedreiro, motorista, profissionais bem
qualificados para cuidar da sua saúde e educação, da construção da sua casa, da
sua locomoção, e assim por diante. Todavia, nem sempre é possível contar com bons
profissionais. Situações urbanas e rurais, de natureza geográfica, social, econômica,
conspiram contra a melhor escolha ou até contra qualquer escolha.
No
Brasil, há escolas e institutos de nível superior que visam ao aprimoramento de
pessoas que poderiam exercer função pública no alto escalão. No entanto, os
partidos submetem à escolha dos eleitores, a ralé com anel de doutor ou sem
diploma, que reproduz a notória tradição dos maus costumes na vida política
brasileira, herança dos tempos coloniais. Neste século XXI, a nação brasileira
resolveu dar um basta. O povo se organizou e elaborou projeto de lei visando a
expurgar da representação política pessoas com vida pregressa maculada por
episódios indignos. Mais de um milhão e meio de eleitores subscreveu o projeto.
Mais de cinqüenta instituições do setor religioso e do setor civil da sociedade
apoiaram-no. O Congresso Nacional admitiu o projeto popular e o converteu na lei
complementar 135/2010, por votação unânime. Parlamentares e povo afinados pelo
mesmo diapasão. Momento histórico da ruptura com a corrupção endêmica. A
remoção do cancro cultural, no plano dos fatos, demora. Exige paciência e
persistência. A nova lei, pelo menos, será um freio e um estímulo, uma redução
do descalabro e um aumento da probabilidade de os partidos despirem a impostura
e adquirirem autenticidade. As quadrilhas perderão seus chefes visíveis no
governo. Crescerá a chance de pessoas honestas se apresentarem ao eleitorado. A
parcela esclarecida da nação brasileira, ao tomar a iniciativa da lei, mostrou
intolerância para com a desfaçatez no exercício dos mandatos políticos.
A
correta avaliação da vida pregressa do candidato classificá-lo-á como digno ou
indigno de representar o povo no Legislativo e no Executivo, no âmbito federal,
estadual e municipal. O descumprimento dos deveres para com a família; a comprovada
má conduta na profissão, na empresa, na função pública; a agressão ao meio
ambiente; a exploração do trabalho humano em nível de escravatura; o tráfico de
pessoas; são fatos desabonadores que não recomendam, ao cargo eletivo, a pessoa
que os pratica. Vida pregressa é vida passada, história dos seres vivos. No
caso do ser humano, a história de vida que interessa ao processo eleitoral
começa na idade que capacita o indivíduo a votar e a ser votado e acaba na data
em que é formulado o pedido de registro da candidatura (CR 14, §1º, I + lei
4.737/65, 93). O exame da vida pregressa visa a proteger, em especial, a
probidade administrativa e, em geral, a moralidade para o exercício do mandato
(CR 14, §9º).
A
cidadania compreende os direitos e deveres do indivíduo decorrentes dos seus
laços com o Estado, em harmonia com o bem comum, com o interesse público e com
as necessidades públicas. A cidadania sofre restrições estabelecidas no
ordenamento jurídico em atenção à necessária sintonia entre o individual e o
coletivo. Os requisitos para o cidadão se candidatar a cargo público entram no
rol das restrições à cidadania. Determinadas atividades na vida pública são
reservadas a brasileiros natos. Aos brasileiros naturalizados, embora cidadãos
da república, veda-se o acesso a certos cargos. Há situações, pois, em que não
basta ser cidadão. Requisitos complementares reduzem o espaço da cidadania na
ordem interna do país. Para representar o povo no governo o cidadão deve
preencher: (I) requisitos explícitos: idade e alfabetização, domicílio e alistamento
eleitoral, filiação partidária, ausência de incompatibilidades; (II) requisitos
implícitos: sanidade mental e moral, eficiência, espírito público, amor à
pátria.
Nas
sessões de 15 e 16 de fevereiro/2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) examinou,
sob o prisma da constitucionalidade, a lei acima citada, apelidada lei da ficha limpa, que estabeleceu
casos de inelegibilidade e prazos para a respectiva cessação. No ano anterior, o
STF decidira, por maioria dos seus membros, em decisão rigorosamente jurídica,
sem penetração ética, que essa lei alterara o processo eleitoral e por isso era
aplicável somente a eleição que ocorresse após um ano da sua vigência (CR 16). Em
conseqüência, os corruptos que haviam disputado e vencido as eleições de 2010
tinham direito ao cargo. Agora, em 2012, o STF examinou dispositivos dessa lei
objeto de três ações (ADC 29 + 30 + ADI 4738). Por maioria de votos (7 x 4) o
tribunal declarou a constitucionalidade da lei, para gáudio da parcela decente
da população brasileira. Os votos vencedores da lavra de Rosa, Carmen, Fux, Joaquim,
Lewandowski, Britto e Marco Aurélio, harmonizaram direito e moral numa feliz
equação. Quando a norma brota do devido processo legislativo, goza da presunção
de constitucionalidade. Só a frontal e evidente colisão com o texto
constitucional poderá afastar a norma do ordenamento jurídico positivo, mesmo
que tenha origem popular. Tal colisão não aconteceu com a LC 135/2010.
Na
fase dos debates, os ministros confrontaram idéias. Na fase da votação, o
presidente do tribunal permitiu retrocesso da marcha processual. Contrariou o
regimento. Desprezou a disciplina dos trabalhos pela qual é seu dever zelar. O prolator
do voto tem a faculdade de conceder aparte, desde que: (i) solicitado na forma
regimental; (ii) traga adminículos em auxílio do voto; (iii) seja breve. Nada
disto foi obedecido. Houve apartes contestatórios e sem prévia solicitação. Ministro
interrompe ao seu bel prazer o colega prolator do voto. Regras processuais, regimentais
e da boa educação foram desobedecidas. O tribunal diz o direito para
cumprimento pelos jurisdicionados, mas ele próprio não cumpre a lei. Eis o seu
lema: Faça o que eu digo, mas não faça o
que eu faço. Os horários não são cumpridos. Marcado para as 14,00 horas, o
inicio das sessões ocorre às 15,00 horas. Intervalo de 20 minutos para o lanche
dura 40 minutos ou mais. Ministros falam ao mesmo tempo em prejuízo da clareza.
Apartes contestam o voto que está sendo exposto o que, além de restabelecer
indevidamente o debate e fazer regredir a marcha processual, caracteriza
indelicadeza e falta de respeito para com o prolator do voto e seu entendimento
sobre a matéria. Na fase de votação, posterior à fase dos debates, cabe a cada
ministro proferir o seu voto sem interrupção, salvo o aparte suplementar devidamente
concedido e que não restabeleça a fase anterior e nem caracterize agravo. Em homenagem
à instituição judiciária e à autoridade jurisdicional, todos os votos merecem
respeito, ainda que divergentes ou obtusos. Os ministros Gilmar e Celso afrontaram
a ministra Rosa ao se excederem na crítica ao voto. A intervenção desses dois
ministros foi indelicada e abusiva. A intervenção no pronunciamento do voto há
de ser breve, respeitosa, aditiva, não só por boa educação e elegância, como
também para não perturbar o encadeamento das idéias do prolator. No tribunal,
voto é a individual decisão do juiz que o compõe. As decisões individuais
(votos) podem convergir ou divergir no julgamento.
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