quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

DIREITO

III

Tendo em vista as características sui generis, expostas no capítulo anterior, a federação brasileira não será bem compreendida se examinada com as lentes da doutrina e da experiência estrangeira. A história brasileira, os costumes, as constituições, a jurisprudência, iluminam o tema. A força centrípeta prepondera porque atende ao sentimento do povo em relação ao Chefe de Estado e ao governo central. Há vínculo psicológico coletivo tradicional. As Constituições dos Estados federados são praticamente desconhecidas e pouco lembradas, o que não acontece com a Constituição da República. A seiva concentradora do Estado imperial corre nas veias do Estado republicano graças ao condicionamento cultural do povo brasileiro e do legislador constituinte.

Na monarquia e nos períodos ditatoriais da república, o Poder Judiciário foi organizado de modo unitário, com amplitude nacional, sob a égide das cartas constitucionais de 1824 (artigo 151), de 1937 (artigo 90) e de 1967 acrescida das emendas 01/69 e 07/77 (artigo 112). Nos períodos democráticos da república, o Poder Judiciário foi organizado no molde federativo (judiciário federal x judiciário estadual), sob a égide das constituições de 1891 (artigo 62), de 1934 (artigo 63) e de 1946 (artigo 94). Na década de 80, do século XX, após o fim da autocracia militar, restaurada a democracia, a assembléia nacional constituinte manteve, sem solução de continuidade, o modelo unitário e nacional do Poder Judiciário adotado naquele regime. Com isto, o legislador constituinte excepcionou a forma federativa de Estado, embora a encerrasse em cláusula pétrea. Houve mais exceções novas e antigas, tais como: inclusão do Distrito Federal e dos Municípios, intervenção federal nos Estados, vedações aos Estados e Municípios (inclusive limitações em matéria tributária), criação de regiões compostas de dois ou mais Estados (planos nacionais e regionais elaborados e executados pelo governo federal).         

Todavia, a forma federativa basilar do Estado brasileiro, resguardada em cláusula pétrea (CR 60, §4º, I) não pode sofrer outras exceções além daquelas postas pela assembléia constituinte. Por serem poderes constituídos e obrigados a respeitar as decisões emanadas do poder constituinte para real vigência do Estado Democrático de Direito, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário não podem legitimamente: (i) reduzir ou ampliar tais exceções; (ii) modificar suas próprias competências; (iii) alterar a estrutura e o funcionamento uns dos outros. Por isso mesmo, a assembléia nacional constituinte erigiu em princípio fundamental da república a técnica da separação dos poderes e a encerrou em cláusula pétrea (CR 60, §4º, III), fora do alcance da competência reformadora do Legislativo. Essa técnica política tem como elementos essenciais a independência e a harmonia entre os poderes do Estado (CR 2º). A exceção posta pelo legislador constituinte a essa técnica – exceção que não pode ser reduzida ou ampliada pelo legislador ordinário, mesmo no exercício da competência reformadora – está configurada no sistema de controle mútuo, freios e contrapesos (checks and balances), no jargão doutrinário.   

A competência do Conselho Nacional da Justiça questionada na ação proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (ADI 4638) há que ser examinada dentro desses parâmetros da Constituição da República. Cuida-se de órgão integrante da estrutura do Poder Judiciário, introduzido pelo legislador ordinário, mediante a Emenda à Constituição 45/2004. Aí reside o pecado original. A inconstitucionalidade da citada emenda por vício de origem afigura-se evidente. Desse pecado, os deuses não cuidaram ao julgar improcedente outra ação proposta pela AMB (ADI 3367), em que a autora alegou vícios formais e materiais, mas omitiu o vício de origem. O tribunal só pode cuidar do objeto do pedido, na esteira dos artigos 128, 459 e 460, do Código de Processo Civil.

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