terça-feira, 3 de março de 2015

REFORMA POLÍTICA II



O regime democrático necessita de um povo honesto, responsável, digno, que valorize a si próprio, a sua cultura e a sua pátria. Sem isto, haverá simulacro de democracia; os representantes do povo também serão desonestos, irresponsáveis, indignos e colonizados.

O ódio que se verifica no Brasil hodierno entre os partidos políticos e também entre os seus respectivos eleitores, evidencia a lacuna ética e a treva espiritual. A falta de amor e de respeito propicia a discórdia. Augusto Comte, positivista francês, sabia disto ao enumerar os elementos essenciais de uma nação: amor por princípio, ordem por base e progresso por fim. “Paz e amor” era a mensagem de esperança dos hippies na década de 1960 visando a um mundo melhor, pacífico e fraterno. “Luz, vida e amor”, apregoam os rosacruzes na construção da paz mundial.

Partidos e eleitores vencidos acatam o resultado das eleições apenas nominalmente. Na dinâmica social, buscam vingança e tentam atrapalhar a execução da política governamental de quem venceu as eleições. Não titubeiam em denegrir os vencedores, em mentir, manipular números, inventar casos, escamotear a verdade. Os derrotados, inclusive a grande imprensa, fazem alarde de dados sem que as instâncias do devido processo legal estejam esgotadas. Instituições bem rotuladas e pessoas com diplomas acadêmicos apresentam cálculos falaciosos e planilhas distorcidas. Agem por sensacionalismo e irresponsabilidade com o propósito de alarmar a população. O ódio cega essa gente. A derrota lhes provoca engulhos. Não se conformam de estar fora do governo sem chance de roubar mais do que o antecessor. O diálogo se torna impossível e descamba para as ofensas pessoais. Para ser benfazeja, a desejável e necessária crítica a qualquer governo democrático há de ser criteriosa, educada, honesta, ainda que sem alusão às boas obras. 

Por curiosidade, acessei o facebook. Meu entusiasmo durou pouco. Cancelei a assinatura. Notei que se trata de um espaço cibernético onde se exercita a manifestação do pensamento de modo democrático e libertino. Há mensagens e imagens bonitas e agradáveis, trocas de elogios e confetes, mas, também, opiniões medíocres, palavras chulas e ofensivas, estrume verberador. Do uso que dele as pessoas fazem, vem a impressão de que tal espaço destina-se ao divertimento, ao narcisismo, à veiculação de superficialidades e leviandades. Os ataques grosseiros e ofensivos aos governantes são frequentes. Eu externava opinião discordando: (1) da falta de respeito com que é tratada a Presidente da República; (2) das colocações capciosas.

Eu não escrevo com a bílis alheia. O exercício da magistratura, do magistério e a idade madura contribuíram para a serenidade com a qual examino e avalio fatos e ideias. Para surpresa minha, vertiam veneno as opiniões de um arquiteto conhecido da minha família. Cada sílaba secretava ódio. Palavras ofensivas aos petistas em geral. Qualificou de assassina a candidata petista à presidência da república. Mostrou-se não só leviano ao ofender, mas também criminoso, pois a calúnia está tipificada como crime no Código Penal Brasileiro (art. 138). Ele também censurou Vicentinho, deputado federal pelo PT, por praticar corrida em via pública tendo à retaguarda uma viatura policial, conforme fotografia postada. Discordei da censura. O arquiteto não se preocupou em verificar se era montagem ou não. Lembrei de uma capa de revista em que aparecia a fotografia do presidente Figueiredo em traje civil e de quepe. O fotógrafo escolheu, artística e simbolicamente, um ângulo em que não aparecia o general de farda postado atrás do presidente no palanque oficial. O quepe era do general, mas parecia estar na cabeça do presidente. Aventei a hipótese de o censor estar incomodado porque Vicentinho era negro, de origem humilde, operário metalúrgico, que trabalhou e estudou até se formar em direito, faz carreira vitoriosa na política e se utiliza legalmente da prerrogativa parlamentar. Foi o bastante para o septuagenário arquiteto curitibano treplicar com fúria e me lançar na “esquerda gramscista bolivariana”, apesar de desconhecer o meu pensamento político e o meu trabalho escrito.

Reconhecer o valor pessoal de Dilma e de Vicentinho não significa pertencer ao partido deles ou compartilhar das suas ideias. Em artigos publicados neste blog, na série “Eleições 2014”, eu declarei que não votaria em Dilma e em Aécio, porque havia quadrilhas tanto no PT como no PSDB. Defender o mandato presidencial obtido mediante eleições gerais, seja quem for o eleito, é defender o regime democrático instaurado pela Assembleia Constituinte em 1988.

Esquerda e direita têm as mesmas deficiências morais. A corrupção é notória no setor público e vem de longe; não nasceu no governo petista. Os corruptos foram estimulados pela impunidade. O volume da corrupção e o descaramento foram crescendo na sucessão dos diferentes governos até chegar aos píncaros da roubalheira no período posterior à autocracia militar. A novidade é que agora, finalmente, a corrupção está sendo enfrentada e combatida. Diante desta novidade, parece que só agora, no governo Dilma Rousseff, é que foram criados o ministério público e a polícia federal. Lícito é indagar: onde estavam e o que faziam essas duas instituições nos governos corruptos que antecederam o governo do PT? Na década de 1990, o jornalista Paulo Francis denunciou a corrupção na Petrobras e nada aconteceu. A conduta politicamente seletiva dessas duas instituições evidenciou-se: eficiente no governo petista, ineficiente no governo tucano.   

A representação política foi questionada pelo povo no movimento de junho de 2013, em virtude desse acúmulo de abusos praticados pelos diversos governos que se sucederam nos últimos 25 anos e cujos responsáveis se mantiveram impunes, com a única e pífia exceção do governo Collor. O cidadão arcando com os prejuízos e sustentando as safadezas da politicalha. Nas eleições de 2014, o povo deu o seu recado. Ficou evidente o descontentamento do eleitorado com o sistema político em vigor. Percebeu-se o anseio geral por: (1) compostura, honestidade e espírito público dos representantes do povo; (2) fim do monopólio da representação popular pelos partidos políticos; (3) redução do número de partidos e de deputados; (4) emprego do dinheiro do contribuinte em obras e serviços públicos sem fraude no faturamento e na execução; (5) carga tributária mais leve; (6) prioridade para o bem-estar (educação, saúde, moradia, previdência social, infraestrutura, segurança pública).

A reforma política reclama assembleia nacional constituinte específica e exclusiva porque os legisladores ordinários não gozam da confiança da nação, fato notório que os números confirmam: 70 milhões de eleitores não votaram em candidato algum para o Senado e para a Câmara de Deputados, o que significa 50% do eleitorado brasileiro. Isto indica que a atividade parlamentar está desacreditada e que a representação popular é uma falácia. É preciso arredar a hipocrisia e adotar abertamente: (1) a representação por categorias econômicas e sociais segundo distintas regiões eleitorais do país; (2) número certo e igual de representantes para cada região; (3) eleição majoritária também para o legislativo.    

No segundo turno das eleições presidenciais, 37 milhões de eleitores não votaram em qualquer dos dois candidatos (em 2010 foram 30 milhões). No Sul e Oeste do território nacional, o tucano teve 30 milhões de votos (setor azul do mapa eleitoral publicado pela imprensa) e a petista teve 19 milhões de votos. No Leste e Norte (setor vermelho do mapa) a petista teve 35 milhões de votos e o tucano 20 milhões. O corpo eleitoral em 2014 era composto de 142 milhões de brasileiros. A proporção entre esse número e o número dos resistentes indica o descrédito da instituição político-partidária no Brasil. Protesto popular silencioso contra o descalabro na administração pública: pressão das urnas para colocar paradeiro a essa vergonhosa tradição.

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