sábado, 28 de março de 2015

FILOSOFIA XV - 34



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Na opinião marxista de Antonio Gramsci, a classe dominante cria no povo o sentimento de solidariedade com os interesses dela e o faz “em nome da pátria” ou de um suposto “destino nacional”. O poder hegemônico da classe dominante combina coerção e consenso. A prévia direção intelectual e moral do povo é requisito para a conquista do poder hegemônico. Os intelectuais (extrato de pessoas especializadas na elaboração conceitual e filosófica) são necessários à organização do proletariado.

No mundo modero, o Príncipe – de Maquiavel – é um ente coletivo produto do desenvolvimento histórico, a saber: o partido político. Trata-se de uma célula onde se concentram as sementes da vontade coletiva que almeja a se tornar universal e total. O partido é o organizador de uma reforma intelectual e moral que se manifesta com um programa de reforma econômica. [Ao escrever isto na primeira metade do século XX, Antonio tinha em mente o partido comunista e o combate ao governo fascista italiano. No mundo contemporâneo, alguns partidos visam a manter o status quo e outros a modificá-lo. Em países como o Brasil, os partidos abrigam quadrilhas de bandidos, gente desonesta que disputa o poder para dele se beneficiar. Partidos são organizados tão somente para atender às ambições pessoais dos seus dirigentes sem preocupações morais. Os partidos menores buscam alianças visando a obter benefícios financeiros. Quanto às reformas, os partidos defendem apenas aquelas que os favorecem]. 

A sociedade civil e a sociedade política são os dois componentes do Estado ocidental. O “homo sapiens” e o “homo faber” são inseparáveis, assim como a função intelectual é inseparável da práxis (ação teleológica) e a sociedade civil inseparável da sociedade política, embora a primeira seja o reino do consenso e a segunda o reino da coerção. O intelectual orgânico é gerado pela classe a que pertence; o intelectual inorgânico é extraclasse (literato, filósofo, artista).

A realidade é histórica. [A história é criada pelo homem mediante processo mental seletivo ao registrar e narrar atos e fatos ocorridos no tempo e no espaço]. A ação política revolucionária (práxis) é uma catarse (purificação) que indica a passagem do momento meramente econômico (egoísta + passional) para o momento ético-político significativo da superior elaboração da estrutura em superestrutura na consciência humana, transição do objetivo para o subjetivo, da necessidade para a liberdade. O processo catártico coincide com a cadeia das sínteses que resultam do desenvolvimento dialético.

Jacques Maritain (1892 a 1973), filósofo francês de orientação católica, professor, embaixador francês no Vaticano, nasceu em Paris e faleceu em Toulouse (França). Escritor prolífico, Jacques tratou de vários temas: moral, política, educação, metafísica, teologia, epistemologia. Entre as suas obras estão “Elementos de Filosofia”, “Humanismo Integral” e “A Filosofia Moral”. Nesta última ele faz um exame crítico e histórico dos grandes sistemas de filosofia sob o prisma da moral (Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Kant, Hegel, Marx, Comte, Kierkegaard, Dewey, Sartre). Explica a estreita relação entre a filosofia moral, a etnologia e a teologia, embora disciplinas distintas. Jacques privilegia o aspecto doutrinário em detrimento do histórico de modo a salientar a moral católica. Ele transitou de Spinoza, em sua juventude como estudante de filosofia na Sorbonne, para Bérgson e estacionou em Tomás de Aquino.

Jacques aceitou o batismo na religião católica apostólica romana e a orientação de frades dominicanos. A sua esposa Raíssa, judia russa, também se converteu ao catolicismo. Jacques e Raíssa formaram um casal feliz e harmônico desde a universidade em que estudaram. Celebraram pacto de amor na sua romântica juventude: se dentro de breve tempo não encontrassem um sentido para a vida os dois se suicidariam. O sentido buscado lhes foi indicado primeiro por um poeta, depois, por um filósofo e finalmente por um sacerdote católico. O casal foi separado por morte natural: ela, para a sepultura; ele, para o claustro.

Jacques manteve-se fiel à escolástica. Na opinião dele, a política devia receber o sopro da espiritualidade. Os valores morais deviam preponderar. A democracia não se limita a uma forma de governo; há de ser uma forma de vida nutrida pelos valores éticos e religiosos. Pessoa e indivíduo são conceitos distintos. A pessoa deve ser o valor fundamental da sociedade. Os direitos humanos são essenciais. Ao tratar o secular e o espiritual como esferas distintas, Jacques tomou por bússola a distinção feita por Jesus: “daí a César o que é de César e a deus o que é de deus”. O secular tem o seu próprio modo de ser. O direito natural lhe serve de guia. Em 1947, Jacques levou a sua teoria dos direitos centrada na pessoa humana para a Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela ONU em 1948, da qual foi um dos redatores. A democracia cristã assentou suas bases nos ensinamentos de Jacques. [O político paulista Franco Montoro do partido da democracia cristã, fundou o Instituto Jacques Maritain em 1992].

Jacques resume: no século V a.C. identificamos no pensamento dos sofistas a paixão do êxito. No século IV a.C. identificamos no pensamento de Sócrates a paixão da verdade, a obediência à lei ainda que nos custe a vida. No mesmo século, identificamos no pensamento de Platão a paixão do justo, a realidade e supremacia do mundo ideal.

Moral é a arte de ser feliz. Seguindo as regras morais vive-se bem. A felicidade é o bem supremo da vida e consiste no bom procedimento e êxito no agir. Com Sócrates, a idéia de bem se liberta do particularismo dos instintos e dos sentidos para ganhar autonomia intelectual. A partir daí, a idéia de bem deslumbrou o espírito humano. A idéia de fim é correlata à idéia de bem, ambas vinculadas ao agir humano. O fim supremo do agir humano é a felicidade. A conduta deve ser orientada a esse fim. Nisto consiste a arte de bem viver. “A felicidade e a boa conduta são uma só e mesma coisa”. Felicidade é ter alma boa. Riqueza e boa saúde não significam ser feliz. Um espírito liberto de perturbações, dedicado aos belos conhecimentos e à verdade, que saiba pensar, é o que torna alguém feliz. No sentido socrático, virtude é conhecer bem e pensar bem. Praticamos o mal porque desconhecemos o bem. Caímos no erro porque não pensamos corretamente. No sentido amplo, virtude é o poder ou excelência própria ou característica de uma pessoa ou de uma coisa, na sua manifestação essencial. Exemplos: virtude do artista, virtude do filósofo, virtude do imã, virtude da música. 

O conhecimento pode ser especulativo quando paira no plano das idéias, ou prático quando se refere ao comportamento animal ou à conduta humana. O objeto desse conhecimento é o mundo natural e o mundo cultural. O conteúdo do conhecimento é a representação que o ser humano tem do seu objeto. Para nos permitir o discernimento daquilo que o nosso comportamento deve ser ou não ser na realidade concreta, a que princípio de determinação vai esse conhecimento apegar-se? Qual o critério do que é bom e virtuoso? A resposta a essas indagações, dada por Sócrates, é a de que não há outro critério a não ser o da “utilidade”. O cálculo da utilidade preside a conduta humana. No plano terreno, triunfa o utilitarismo. Os homens não esperaram pelos moralistas para possuir regras morais. As normas e valores da vida moral integram uma moralidade tradicional, difusa, existente e historicamente reinante no meio social. Na sua vida comum, o feirante poderá ter conduta moral calcada naquela experiência comum mais firme do que a doutrina dos educadores e reformadores.

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