EUROPA (1900 a
2014). Continuação.
Na opinião marxista de Antonio
Gramsci, a classe dominante cria no povo o sentimento de solidariedade com os
interesses dela e o faz “em nome da pátria” ou de um suposto “destino
nacional”. O poder hegemônico da
classe dominante combina coerção e consenso. A prévia direção intelectual e
moral do povo é requisito para a conquista do poder hegemônico. Os intelectuais
(extrato de pessoas especializadas na elaboração conceitual e filosófica) são
necessários à organização do proletariado.
No mundo modero, o Príncipe – de Maquiavel – é um ente
coletivo produto do desenvolvimento histórico, a saber: o partido político. Trata-se de uma célula onde se concentram as
sementes da vontade coletiva que almeja a se tornar universal e total. O partido é o organizador de uma reforma
intelectual e moral que se manifesta com um programa de reforma econômica. [Ao
escrever isto na primeira metade do século XX, Antonio tinha em mente o partido
comunista e o combate ao governo fascista italiano. No mundo contemporâneo,
alguns partidos visam a manter o status
quo e outros a modificá-lo. Em países como o Brasil, os partidos abrigam
quadrilhas de bandidos, gente desonesta que disputa o poder para dele se
beneficiar. Partidos são organizados tão somente para atender às ambições
pessoais dos seus dirigentes sem preocupações morais. Os partidos menores
buscam alianças visando a obter benefícios financeiros. Quanto às reformas, os
partidos defendem apenas aquelas que os favorecem].
A sociedade civil e a sociedade
política são os dois componentes do Estado ocidental. O “homo sapiens” e o
“homo faber” são inseparáveis, assim como a função intelectual é inseparável da
práxis (ação teleológica) e a sociedade civil inseparável da sociedade
política, embora a primeira seja o reino do consenso e a segunda o reino da
coerção. O intelectual orgânico é gerado pela classe a que pertence; o
intelectual inorgânico é extraclasse (literato, filósofo, artista).
A realidade é histórica. [A
história é criada pelo homem mediante processo mental seletivo ao registrar e
narrar atos e fatos ocorridos no tempo e no espaço]. A ação política
revolucionária (práxis) é uma catarse
(purificação) que indica a passagem
do momento meramente econômico (egoísta + passional) para o momento
ético-político significativo da superior elaboração da estrutura em
superestrutura na consciência humana, transição do objetivo para o subjetivo,
da necessidade para a liberdade. O processo catártico coincide com a cadeia das
sínteses que resultam do desenvolvimento dialético.
Jacques Maritain (1892 a 1973), filósofo
francês de orientação católica, professor, embaixador francês no Vaticano,
nasceu em Paris e faleceu em Toulouse (França). Escritor prolífico, Jacques tratou
de vários temas: moral, política, educação, metafísica, teologia, epistemologia.
Entre as suas obras estão “Elementos de Filosofia”, “Humanismo Integral” e “A
Filosofia Moral”. Nesta última ele faz um exame crítico e histórico dos grandes
sistemas de filosofia sob o prisma da moral (Sócrates, Platão, Aristóteles,
Epicuro, Kant, Hegel, Marx, Comte, Kierkegaard, Dewey, Sartre). Explica a estreita
relação entre a filosofia moral, a etnologia e a teologia, embora disciplinas
distintas. Jacques privilegia o aspecto doutrinário em detrimento do histórico
de modo a salientar a moral católica. Ele transitou de Spinoza, em sua
juventude como estudante de filosofia na Sorbonne, para Bérgson e estacionou em
Tomás de Aquino.
Jacques aceitou o batismo na
religião católica apostólica romana e a orientação de frades dominicanos. A sua
esposa Raíssa, judia russa, também se converteu ao catolicismo. Jacques e
Raíssa formaram um casal feliz e harmônico desde a universidade em que
estudaram. Celebraram pacto de amor na sua romântica juventude: se dentro de breve tempo não encontrassem um
sentido para a vida os dois se suicidariam. O sentido buscado lhes foi
indicado primeiro por um poeta, depois, por um filósofo e finalmente por um
sacerdote católico. O casal foi separado por morte natural: ela, para a
sepultura; ele, para o claustro.
Jacques manteve-se fiel à
escolástica. Na opinião dele, a política devia receber o sopro da
espiritualidade. Os valores morais deviam preponderar. A democracia não se limita a uma forma de governo; há de ser uma
forma de vida nutrida pelos valores éticos e religiosos. Pessoa e indivíduo são
conceitos distintos. A pessoa deve ser o valor fundamental da sociedade. Os
direitos humanos são essenciais. Ao tratar o secular e o espiritual
como esferas distintas, Jacques tomou por bússola a distinção feita por Jesus:
“daí a César o que é de César e a deus o que é de deus”. O secular tem o seu próprio modo de ser. O direito natural lhe serve
de guia. Em 1947, Jacques levou a sua teoria dos direitos centrada na pessoa
humana para a Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela ONU
em 1948, da qual foi um dos redatores. A democracia
cristã assentou suas bases nos ensinamentos de Jacques. [O político
paulista Franco Montoro do partido da democracia cristã, fundou o Instituto
Jacques Maritain em 1992].
Jacques resume: no século V a.C.
identificamos no pensamento dos sofistas a paixão
do êxito. No século IV a.C. identificamos no pensamento de Sócrates a paixão da verdade, a obediência à lei
ainda que nos custe a vida. No mesmo século, identificamos no pensamento de
Platão a paixão do justo, a realidade
e supremacia do mundo ideal.
Moral é a arte de ser feliz. Seguindo as regras morais vive-se bem.
A felicidade é o bem supremo da vida
e consiste no bom procedimento e êxito no agir. Com Sócrates, a idéia de bem se liberta do particularismo dos
instintos e dos sentidos para ganhar autonomia intelectual. A partir daí, a
idéia de bem deslumbrou o espírito
humano. A idéia de fim é correlata à
idéia de bem, ambas vinculadas ao
agir humano. O fim supremo do agir humano é a felicidade. A conduta deve ser
orientada a esse fim. Nisto consiste a arte de bem viver. “A felicidade e a boa conduta são uma só e mesma coisa”. Felicidade
é ter alma boa. Riqueza e boa saúde não significam ser feliz. Um espírito
liberto de perturbações, dedicado aos belos conhecimentos e à verdade, que
saiba pensar, é o que torna alguém feliz. No sentido socrático, virtude é conhecer bem e pensar bem.
Praticamos o mal porque desconhecemos o bem. Caímos no erro porque não pensamos
corretamente. No sentido amplo, virtude
é o poder ou excelência própria ou característica de uma pessoa ou de uma
coisa, na sua manifestação essencial. Exemplos: virtude do artista, virtude do
filósofo, virtude do imã, virtude da música.
O conhecimento pode ser especulativo quando paira no plano das
idéias, ou prático quando se refere
ao comportamento animal ou à conduta humana. O objeto desse conhecimento é o
mundo natural e o mundo cultural. O conteúdo do conhecimento é a representação
que o ser humano tem do seu objeto. Para nos permitir o discernimento daquilo
que o nosso comportamento deve ser ou não ser na realidade concreta, a que
princípio de determinação vai esse conhecimento apegar-se? Qual o critério do
que é bom e virtuoso? A resposta a essas indagações, dada por Sócrates, é a de
que não há outro critério a não ser o da “utilidade”. O cálculo da utilidade preside a conduta humana. No plano terreno,
triunfa o utilitarismo. Os homens não
esperaram pelos moralistas para possuir regras morais. As normas e valores da
vida moral integram uma moralidade tradicional, difusa, existente e
historicamente reinante no meio social. Na sua vida comum, o feirante poderá ter
conduta moral calcada naquela experiência comum mais firme do que a doutrina
dos educadores e reformadores.
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