quinta-feira, 12 de março de 2015

FILOSOFIA XV - 28



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Entre os fatos que se oferecem ao nosso conhecimento nenhum é mais extraordinário do que o homem (fenômeno humano), diz Pierre Teilhard de Chardin. A verdadeira Física será aquela que conseguir integrar o homem total numa representação coerente do mundo, considerando o dentro e o fora do cosmos, o espírito e a matéria. O homem não é um elemento perdido nas oscilações cósmicas, pois nele converge e se humaniza uma universal vontade de viver. O homem – não como centro estático do mundo como se julgou – e sim como eixo e flecha da evolução. [OBS. O “dentro” e o “fora” são conceitos inaplicáveis na espécie porquanto, do ponto de vista místico, a matéria está impregnada de espírito: o cosmos é a integração de matéria e espírito. Do ponto de vista científico, a matéria, em sua origem, é energia. Há afinidade entre os pontos de vista místico e científico].

Como fenômeno, assinala Pierre, o movimento cristão, por sua raiz no passado e seu evolver incessante, apresenta o caráter de um filo (ramo, folha, peça do cálice da flor, amor). Situado numa evolução que se interpreta como ascensão da consciência, este filo por sua orientação no sentido de uma síntese à base de amor, progride exatamente na direção presumida para a flecha da biogênese. No impulso que guia e sustenta a sua marcha para frente, esta flecha ascendente implica essencialmente a consciência de se achar em relação atual com um pólo espiritual e transcendente de convergência universal. Do ponto de vista físico e químico, o universo se apresenta como enrolamento orgânico do muito simples ao extremamente complexo experimentalmente ligado a um aumento correlativo de consciência. No menor corpúsculo há rudimentar consciência. Nota-se a tríplice propriedade da consciência: (1) tudo centra parcialmente à sua volta (2) centra-se cada vez mais sobre si mesma (3) por este centrar contínuo tende a reunir-se com os demais centros que a rodeiam. A vida – função universal de ordem cósmica – acha-se desde sempre e por toda parte em estado de pressão; quando rompe em algum sítio, nada pode impedi-la de levar até ao máximo o processo de que saiu (primazia da vida no universo). Ao aparecer o poder de reflexão na linhagem humana estabelece-se mudança de estado, uma nova biologia (primazia da reflexão na vida). Dificilmente dominamos um processo no qual estamos envolvidos. A evolução biológica não culmina no homem. Pela socialização humana é o próprio eixo do vórtice cósmico de interiorização que prossegue o seu caminho (humanização coletiva). [Esta ousada teoria contrária à doutrina cristã certamente custou o desterro de Pierre para a China].

O mundo procede por tentativas, a golpes de acaso, diz Pierre. No domínio humano onde o acaso é bem controlado também há tentativas antes do êxito e há sofrimento antes da felicidade. A doença e a corrupção resultam sempre de um infeliz acaso. Na esteira da evolução, a ascensão humana, sob o véu de segurança e de harmonia em que se envolve, compreende o mal na própria estrutura do sistema. Dores e culpas, lágrimas e sangue, gerados no caminho. O homem, tal como a ciência o consegue reconstituir hoje em dia, é um animal inteligente como os outros, porém, dotado da faculdade de refletir, ou seja, dotado de uma consciência que pode dobrar sobre si mesma e tomar posse de si mesma. O homem é capaz de conhecer a si próprio, de saber que sabe. O instinto é uma expressão da vida inteligente no animal segundo a posição ocupada na escala zoológica. A passagem dessa inteligência simples à reflexão implica transformação crítica; caracteriza a imediata humanização do animal, sem intermediário. O acesso ao pensamento corresponde a um limiar; acesso franqueado, num só passo, a uma nova espécie de vida. Ao pensar e refletir, o animal personalizou-se (tornou-se “alguém”).      

A ciência e a tecnologia, cujo desenvolvimento se deve, principalmente, ao comércio e à guerra, têm sido as forças da civilização ocidental. A Filosofia ocupa lugar modesto nesse contexto. Pierre cita Carnap: “Da Filosofia nada mais restará a não ser o método”. A pretensão positivista de máxima objetividade revela no fundo uma posição subjetiva, tese mais forte do que o argumentum tu quoque, isto é, o argumento que se volta contra si mesmo. A Filosofia propicia um modo de examinar os resultados da ciência e da arte; estuda os cânones do método científico; seleciona tipos de concepção do mundo; levanta problemas existenciais e propõe soluções no campo social, político e econômico.

Moritz Schlick (1882 a 1936), físico, filósofo, nasceu em Berlim no seio de família rica e morreu em Viena, de cuja Universidade era professor. Quando ali chegava para lecionar foi assassinado por um antigo aluno com um tiro no peito. O assassino foi glorificado como herói ariano e admitido no partido nazista. Moritz não era judeu, mas os nazistas consideravam o Círculo de Viena, liderado por ele, antro de judeus. O Círculo de Viena era pequeno grupo de filósofos e cientistas adeptos do positivismo lógico. Essa teoria sustenta que a soma total do conhecimento humano é propiciada pela ciência; que a metafísica é verbosidade vazia. O ser humano nada pode conhecer além dos dados da experiência. De acordo com essa escola, o método de verificação de uma proposição se confunde com o próprio significado. [Verificar é procedimento próprio do ser inteligente para confirmar ou infirmar, investigar a existência ou inexistência, examinar a verdade ou falsidade, buscar o significado ou o sentido]. O processo de verificação há de ter um limite de modo a evitar a regressão ao infinito. A iluminação (evidência emanada da própria experiência) é esse limite ao conferir significado às proposições.

As monografias elaboradas por membros desse grupo foram reunidas na “Enciclopédia Internacional da Ciência Unificada”, publicada pela Universidade de Chicago, resultante da tendência unificadora da linguagem da ciência. Havia divergência entre os positivistas em matéria de lógica e de método científico. Moritz considerava arbitrária a divisão da fenomenologia em dois grupos de estudos: geometria e mecânica. “Não se pode falar de uma geometria determinada do espaço sem ter em conta a física e o comportamento dos corpos da natureza”, dizia ele. Entre as suas obras mais conhecidas estão: “A Sabedoria da Vida”, onde ele expõe a teoria eudemonista segundo a qual a felicidade é o objetivo ético mais elevado; “Teoria Geral do Conhecimento”, onde ele se posiciona contra a metafísica; “Problemas de Ética”, onde ele trata a ética como ramo da filosofia.

Karl Jaspers (1883 a 1969), filósofo alemão, interessava-se primacialmente por psicopatologia, porém dedicou-se à filosofia ao fazer do ser humano o centro dos seus estudos e da sua reflexão. Ele admitia três tipos de existência: (1) do mundo objetivo, cuja existência é a de estar aí; este mundo é captado de fora; (2) do mundo subjetivo, cuja existência é a do “eu”; este mundo é captado de dentro; (3) do mundo transcendente, cuja existência é “em si mesma” e inclui as anteriores. Karl não nega a importância da razão, mas não lhe confere papel saliente. O caráter interpretativo da ciência impede a percepção dessa tríplice realidade. A necessidade de interpretar significa a falta de apreensão direta e objetiva. A filosofia pertence ao tipo transcendente de existência. Trata-se do empenho do sujeito para transcender. A vida moral pertence ao plano da existência pessoal, nível em que os homens se relacionam e experimentam a sensação de liberdade. Por ser externa à esfera racional, a liberdade não pode ser explicada racionalmente. Nesse plano da existência pessoal, sucedem-se os diferentes estados de ânimo a governar as ações.

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