EUROPA (1900 a
2014). Continuação.
Entre os fatos que se oferecem ao
nosso conhecimento nenhum é mais extraordinário do que o homem (fenômeno humano), diz Pierre Teilhard de
Chardin. A verdadeira Física será aquela que conseguir integrar o homem total
numa representação coerente do mundo, considerando o dentro e o fora do cosmos,
o espírito e a matéria. O homem não é um elemento perdido nas oscilações
cósmicas, pois nele converge e se humaniza uma universal vontade de viver. O
homem – não como centro estático do mundo como se julgou – e sim como eixo e
flecha da evolução. [OBS. O “dentro” e o “fora” são conceitos inaplicáveis na
espécie porquanto, do ponto de vista místico, a matéria está impregnada de espírito:
o cosmos é a integração de matéria e
espírito. Do ponto de vista científico, a matéria, em sua origem, é energia. Há
afinidade entre os pontos de vista místico e científico].
Como fenômeno, assinala Pierre, o
movimento cristão, por sua raiz no passado e seu evolver incessante, apresenta
o caráter de um filo (ramo, folha,
peça do cálice da flor, amor). Situado numa evolução que se interpreta como
ascensão da consciência, este filo
por sua orientação no sentido de uma síntese à base de amor, progride
exatamente na direção presumida para a flecha da biogênese. No impulso que guia
e sustenta a sua marcha para frente, esta flecha ascendente implica
essencialmente a consciência de se achar em relação atual com um pólo
espiritual e transcendente de convergência universal. Do ponto de vista físico
e químico, o universo se apresenta como enrolamento orgânico do muito simples
ao extremamente complexo experimentalmente ligado a um aumento correlativo de
consciência. No menor corpúsculo há rudimentar consciência. Nota-se a tríplice
propriedade da consciência: (1) tudo centra parcialmente à sua volta (2)
centra-se cada vez mais sobre si mesma (3) por este centrar contínuo tende a
reunir-se com os demais centros que a rodeiam. A vida – função universal de
ordem cósmica – acha-se desde sempre e por toda parte em estado de pressão;
quando rompe em algum sítio, nada pode impedi-la de levar até ao máximo o
processo de que saiu (primazia da vida no universo). Ao aparecer o poder de
reflexão na linhagem humana estabelece-se mudança de estado, uma nova biologia
(primazia da reflexão na vida). Dificilmente dominamos um processo no qual
estamos envolvidos. A evolução biológica não culmina no homem. Pela
socialização humana é o próprio eixo do vórtice cósmico de interiorização que
prossegue o seu caminho (humanização coletiva). [Esta ousada teoria contrária à
doutrina cristã certamente custou o desterro de Pierre para a China].
O mundo procede por tentativas, a
golpes de acaso, diz Pierre. No domínio humano onde o acaso é bem controlado também há tentativas antes do êxito e há
sofrimento antes da felicidade. A doença e a corrupção resultam sempre de um
infeliz acaso. Na esteira da
evolução, a ascensão humana, sob o véu de segurança e de harmonia em que se
envolve, compreende o mal na própria estrutura do sistema. Dores e culpas,
lágrimas e sangue, gerados no caminho. O homem, tal como a ciência o consegue
reconstituir hoje em dia, é um animal inteligente como os outros, porém, dotado
da faculdade de refletir, ou seja, dotado de uma consciência que pode dobrar
sobre si mesma e tomar posse de si mesma. O homem é capaz de conhecer a si
próprio, de saber que sabe. O instinto é uma expressão da vida
inteligente no animal segundo a posição ocupada na escala zoológica. A passagem
dessa inteligência simples à reflexão implica transformação crítica;
caracteriza a imediata humanização do animal, sem intermediário. O acesso ao
pensamento corresponde a um limiar; acesso franqueado, num só passo, a uma nova
espécie de vida. Ao pensar e refletir, o animal personalizou-se (tornou-se
“alguém”).
A ciência e a tecnologia, cujo
desenvolvimento se deve, principalmente, ao comércio e à guerra, têm sido as
forças da civilização ocidental. A Filosofia ocupa lugar modesto nesse
contexto. Pierre cita Carnap: “Da Filosofia nada mais restará a não ser o
método”. A pretensão positivista de máxima objetividade revela no fundo uma
posição subjetiva, tese mais forte do que o argumentum
tu quoque, isto é, o argumento que se volta contra si mesmo. A Filosofia
propicia um modo de examinar os resultados da ciência e da arte; estuda os
cânones do método científico; seleciona tipos de concepção do mundo; levanta
problemas existenciais e propõe soluções no campo social, político e econômico.
Moritz Schlick (1882 a 1936), físico,
filósofo, nasceu em Berlim no seio de família rica e morreu em Viena, de cuja
Universidade era professor. Quando ali chegava para lecionar foi assassinado
por um antigo aluno com um tiro no peito. O assassino foi glorificado como
herói ariano e admitido no partido nazista. Moritz não era judeu, mas os
nazistas consideravam o Círculo de Viena,
liderado por ele, antro de judeus. O Círculo
de Viena era pequeno grupo de filósofos e cientistas adeptos do positivismo
lógico. Essa teoria sustenta que a soma total do conhecimento humano é propiciada
pela ciência; que a metafísica é verbosidade vazia. O ser humano nada pode
conhecer além dos dados da experiência. De acordo com essa escola, o método de
verificação de uma proposição se confunde com o próprio significado. [Verificar é procedimento próprio do ser
inteligente para confirmar ou infirmar, investigar a existência ou
inexistência, examinar a verdade ou falsidade, buscar o significado ou o
sentido]. O processo de verificação há de ter um limite de modo a evitar a
regressão ao infinito. A iluminação
(evidência emanada da própria experiência) é esse limite ao conferir
significado às proposições.
As monografias elaboradas por
membros desse grupo foram reunidas na “Enciclopédia Internacional da Ciência
Unificada”, publicada pela Universidade de Chicago, resultante da tendência
unificadora da linguagem da ciência. Havia divergência entre os positivistas em
matéria de lógica e de método científico. Moritz considerava arbitrária a
divisão da fenomenologia em dois grupos de estudos: geometria e mecânica. “Não
se pode falar de uma geometria determinada do espaço sem ter em conta a física
e o comportamento dos corpos da natureza”, dizia ele. Entre as suas obras mais
conhecidas estão: “A Sabedoria da Vida”, onde ele expõe a teoria eudemonista segundo a qual a felicidade é o objetivo ético
mais elevado; “Teoria Geral do Conhecimento”, onde ele se posiciona contra a
metafísica; “Problemas de Ética”, onde ele trata a ética como ramo da
filosofia.
Karl Jaspers (1883 a 1969), filósofo
alemão, interessava-se primacialmente por psicopatologia, porém dedicou-se à
filosofia ao fazer do ser humano o centro dos seus estudos e da sua reflexão.
Ele admitia três tipos de existência: (1) do mundo objetivo, cuja existência é
a de estar aí; este mundo é captado
de fora; (2) do mundo subjetivo, cuja existência é a do “eu”; este mundo é
captado de dentro; (3) do mundo transcendente, cuja existência é “em si mesma”
e inclui as anteriores. Karl não nega a importância da razão, mas não lhe
confere papel saliente. O caráter interpretativo da ciência impede a percepção
dessa tríplice realidade. A necessidade de interpretar significa a falta de
apreensão direta e objetiva. A filosofia pertence ao tipo transcendente de
existência. Trata-se do empenho do sujeito para transcender. A vida moral
pertence ao plano da existência pessoal, nível em que os homens se relacionam e
experimentam a sensação de liberdade.
Por ser externa à esfera racional, a liberdade
não pode ser explicada racionalmente. Nesse plano da existência pessoal,
sucedem-se os diferentes estados de ânimo a governar as ações.
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