domingo, 8 de março de 2015

FILOSOFIA XV - 26



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Os séculos XIX e XX foram de veneração pela ciência. Além das certezas, a pesquisa científica também trouxe incertezas e isto se refletiu na filosofia. Das descobertas sobre a estrutura da matéria veio a lume o princípio da incerteza. Alguns filósofos fizeram da utilidade o centro das suas reflexões enquanto para outros o centro foi a existência ou a beleza. Nova escola filosófica chamada pragmatismo nasce nos EUA, fundada por Charles Peirce, sistematizada por William James e John Dewey e derivada da filosofia utilitarista de Jeremy Bentham. Segundo essa escola, só é verdadeira a idéia que vence a prova pragmática sem colidir com a experiência. Verdadeiro é tudo o que dá resultados práticos e úteis. Se a crença em deus ou em deuses traz paz e conforto espiritual ao indivíduo, tal crença é verdadeira para ele. A metafísica é fútil. Não há verdade absoluta, nem como determinar a natureza última da realidade. O conhecimento deve ser buscado – não como um fim em si mesmo – mas sim como instrumento para melhorar as condições terrenas. Todo determinismo, material ou espiritual, deve ser rejeitado. A liberdade prevalece sobre a servidão. 

O existencialismo, demolidor do ídolo científico, desempenhou papel relevante na França e na Alemanha e virou moda em outros países. Os filósofos dessa corrente consideravam a filosofia racionalista incapaz de explicar satisfatoriamente o significado da existência humana. Saber se tal existência tem algum sentido já é um problema. Se propósito algum existe, é o de viver do modo mais conveniente e agradável possível (hedonismo). Qualquer outro propósito além deste, será quimérico.

Ante as incertezas da ciência, alguns filósofos refugiaram-se na Estética. Trancaram-se na torre de marfim para viver artisticamente, adorando a beleza ante a inevitabilidade das forças cegas e irresistíveis que determinam o ser humano. Palavras de Anatole France: os seres humanos podem aprender a viver artisticamente, devem adotar uma atitude de calmo e sereno desprezo em face do destino implacável. A ironia ajuda a suportar a dura realidade da vida. A felicidade consiste na reflexão filosófica sobre as loucuras e os absurdos do espetáculo humano aliada a uma tolerância com os erros humanos. George Santayana, nascido em Madri, mas radicado nos EUA, também era desta escola. A sua filosofia caracteriza-se por uma recusa de: (1) aceitar a autoridade divina de qualquer sistema de idéias; (2) se deixar arrastar pelas panacéias de uma sociedade perfeita; (3) tomar as leis da ciência como verdades finais. A desilusão é o começo da sabedoria porque possibilita ver os aspectos da vida em suas exatas proporções. Não há certeza absoluta. A sabedoria consiste em se tornar artista e gozar com sereno desprendimento todo o colorido e toda a poesia deste mundo.

A seguir e até o final desta série, são arrolados alguns filósofos pela data de nascimento com a síntese do pensamento de cada um. O objetivo é situá-los na atmosfera social em que viveram e publicaram as suas idéias.

F. H. Bradley (1846 a 1924), inglês, professor, filósofo, estudou e lecionou em Oxford (Inglaterra). Inaugura a corrente filosófica seguida por Benedetto Croce na Itália, inspirada em Hegel (quando exalta o Estado e subordina o indivíduo ao grupo) e em Kant (quando expõe a idéia do paralelismo entre religião e ciência, esferas distintas que não colidem). Em síntese, essa corrente idealista, que rejeita o materialismo e o mecanicismo, aceita outros métodos além do científico para perceber a realidade. A ciência vê aparências; o espírito vê essências. A intuição descortina a cidade de deus governada com bons propósitos, repleta de esperanças para o homem. Este instrumento mental (intuição) é mais valioso do que o telescópio ou o microscópio para atingir a essência do universo. A doutrina de Bradley vem exposta no seu livro “Aparência e Realidade”. Serve-se do método dialético. A realidade situa-se no nível da sensibilidade e da experiência. O pensamento falsifica a realidade. Ao distorcer o real, o pensamento gera aparências. Envolver-se em contradição no processo intelectivo é inevitável. O pensamento é relacional e as relações envolvem o sujeito pensante em contradições. Enquanto aparência, o deus da religião também deve ser repudiado. O absoluto é experimentado no interior de cada indivíduo. As imperfeições das aparências desaparecem no absoluto.

Vilfredo Pareto (1848 a 1923), nascido Wilfried Fritz Pareto, na França, pais italianos, engenheiro, dirigiu a companhia de ferrovias da Itália. Faleceu na Suíça, onde lecionava Economia Política na Universidade de Lausanne. Entre os seus alunos estava o então agitador socialista Benito Mussolini. Encorajado por Vilfredo, Benito empreendeu a célebre “Marcha Sobre Roma” (1922). Vilfredo se declarava adepto da democracia liberal, aproximou-se do fascismo e foi nomeado senador do Reino da Itália (1923). Os seus estudos abrangem os campos da política, da economia e da sociologia. Estudou o papel das elites na sociedade. Mostrou como um sistema de mercados em funcionamento ideal gera o máximo de bem-estar geral. A utilidade e a satisfação não são substâncias mensuráveis ou comparáveis na interação de indivíduos, mas tão somente, modo prático de se referir às escalas individuais subjetivas de preferências. Ao escolher entre alternativas quantitativamente equivalentes de consumo, o indivíduo maximiza a utilidade. Em certas condições, o sistema de mercado gera uma situação em que o sistema de preços permite a compatibilidade entre o lucro máximo perseguido pelo produtor e a satisfação máxima perseguida pelo consumidor. Alcançada tal situação, qualquer melhora na posição de um lado acarreta piora na posição do outro. O objeto da economia são as ações lógicas. O objeto da sociologia são as ações alógicas. O campo da ação é a utilidade; o campo da ciência é a verdade. “O homem não é um ser racional e sim um ser que raciocina e que se deixa levar pelos sentimentos e emoções”. De modo costumeiro, os homens tentam cobrir ações ilógicas com manto lógico. No período de 1897 a 1922, entre outras obras, Vilfredo escreveu: “Curso de Economia Política”, “Os Sistemas Socialistas”, “Mitos e Ideologias da Política”, “Marxismo e Economia Política”, “Manual de Política Econômica”, “Tratado Geral de Sociologia”, “Transformação da Democracia”.

Edmundo Husserl (1859 a 1938) fundou a fenomenologia como filosofia e como método. Partindo da filosofia da aritmética, ele assentou as bases de uma nova lógica, afirmando que podemos e devemos penetrar na essência das coisas disciplinando o espírito através de uma descrição de essências. O método fenomenológico permite captar a essência dos dados percebidos pela consciência. Esse método repousa no caráter intencional da consciência que é sempre “consciência de algo”. Compreende as reduções eidética e fenomenológica. Na redução eidética, prescinde-se da existência do “eu”, dos atos apreensivos e dos objetos; considera-se apenas a essência desses elementos. Na redução fenomenológica, suspende-se a independência da consciência desses elementos. Do ponto de vista lógico, os fenômenos podem ser intuídos sem necessidade de se recorrer a confrontos e comparações. A fim de atingir a essência do fenômeno (eidos) mediante fases de evidência apodítica, o sujeito deve afastar de si todo preconceito e todo juízo prévio a respeito do objeto e se prevenir contra refração que resulte das preferências pessoais. Mediante análise progressiva, o sujeito chega à essência (redução eidética). Edmundo assim define “fenomenologia”: teoria das vivências em geral, considerados tanto os dados reais como os dados intencionais que se mostrem evidentes. A fenomenologia pura está situada fora da natureza física, animal ou psicofísica. Cuida-se de filosofia transcendental, de teoria dos fenômenos puros, dos fenômenos da consciência pura (eu puro).

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