domingo, 22 de março de 2015

IMPEACHMENT II



Os atos que tipificam o crime de responsabilidade são aqueles que atentam contra a Constituição Federal, especialmente contra: (1) a existência da União; (2) o livre exercício dos poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e dos poderes constitucionais dos Estados Federados; (3) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; (4) a segurança interna do país; (5) a probidade na administração; (6) a lei orçamentária; (7) o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Os atos incriminadores que ensejam a apuração da responsabilidade política do titular de cargo eletivo são aqueles praticados na vigência do mandato. Se o mandato estiver extinto, não há falar em impeachment e sim em processo judicial comum. O mandato político se extingue: (1) por morte do mandatário; (2) por doença que incapacite o mandatário para o exercício do mandato; (3) por renúncia; (4) ao fim do prazo de vigência do mandato. A revogação do mandato por decisão dos eleitores ainda não está contemplada no ordenamento jurídico brasileiro. Fatos ilícitos ocorridos na vigência de um mandato presidencial não se comunicam ao mandato posterior para o fim de apurar responsabilidade política; as situações de um período são autônomas em relação ao período seguinte, neste particular.

Há real e lógica impossibilidade de alguém perder: (1) mandato já extinto; (2) cargo eletivo correlato a mandato cujo prazo de vigência se exauriu. O cargo eletivo vincula-se ao mandato político. Esse mandato é conditio sine qua non à investidura no cargo eletivo. Ao se extinguir o mandato, o cargo eletivo se mantém na estrutura do poder estatal, porém vazio. Extinto o mandato, a vacância do cargo é conseqüência imediata e dura até a posse do sucessor (suplente, vice, ou quem for eleito ou reeleito) ainda que o intervalo da passagem seja de poucas horas. A candidata ao cargo presidencial nas eleições de 2014 teve sua vitória reconhecida pelo Tribunal Superior Eleitoral, onde recebeu um novo diploma correspondente ao novo mandato. Depois, tomou posse do cargo em sessão do Congresso Nacional, o que seria impossível se o cargo não estivesse vago de pleno direito. Empossada no cargo, a reeleita entrou formal e efetivamente no exercício das suas funções para novo quatriênio. Não há séria e consistente notícia de crime por ela praticado nesse período de três meses de exercício do novo mandato presidencial.

Os manifestantes da passeata paulista de março de 2015 referem-se a fatos que teriam ocorrido no mandato anterior da atual presidente, o que não autoriza o impeachment. Quanto aos fatos ocorridos na Petrobrás, alcançam outros mandatos presidenciais de outros governantes, tipificam delitos comuns e devem ser apurados pelas vias ordinárias. O Procurador-Geral da República não vislumbrou indícios veementes de participação da Presidente da República nos fatos narrados no inquérito policial. Nos termos da Constituição Federal, a Presidente da República não pode ser responsabilizada politicamente por atos estranhos ao exercício das suas funções.

No que tange ao desempenho do governo federal nos campos social e econômico, as iniciativas, ações e omissões decorrem da competência constitucional e administrativa dos órgãos do Executivo. Alguns brasileiros e estrangeiros mostram-se satisfeitos enquanto outros se mostram insatisfeitos com esse desempenho. Esta é uma situação comum em qualquer país e, por si só, não caracteriza crise alguma. O processo eleitoral é o mais seguro vetor estatístico. Se o campo da pesquisa for o Sul (incluindo São Paulo) e/ou Oeste, do território nacional, onde foi menor a votação da senhora Dilma, o grau de insatisfação popular com o seu governo será provavelmente alto e geral. Se o campo de pesquisa for o Norte e/ou Leste (excluindo São Paulo), onde foi maior a votação da senhora Dilma, o grau de insatisfação popular com o seu governo será provavelmente baixo e pontual. Além deste vetor quantitativo e lógico, entra o imponderável: a preferência pessoal do pesquisador de campo e de quem escolhe e sistematiza os dados da pesquisa, pessoas nem sempre confiáveis em decorrência da cultura brasileira do “jeitinho”. Daí, a fraca credibilidade das pesquisas sociais.

Situa-se fora do esquadro e do compasso ético e jurídico a desrespeitosa atitude e as ofensivas palavras dos insatisfeitos em relação a mais elevada autoridade do Poder Executivo Federal. A crítica às iniciativas, ações e omissões do governo há de ser fundada em cálculos elaborados sem maquiagem e em dados concretos, sem logorréia. Necessário levar-se em conta o panorama internacional, principalmente no que concerne à economia. Os dados atuais devem ser comparados com os de governos anteriores. Se a comparação for honesta e neutra, ver-se-á, com alta probabilidade, que o desempenho do governo tucano foi pior do que o desempenho do governo petista, para angústia dos insatisfeitos e decepção dos levianos detratores.

Gritar e bater em panela não basta. Aliás, nas manifestações do dia 15, foram os ricos que bateram em panelas da sacada dos seus luxuosos apartamentos, alguns deles, mui provavelmente, titulares de contas bancárias na Suíça, nas Ilhas Cayman, Seychelles ou em algum outro paraíso fiscal. Assistimos à rebeldia dessa direita aristocrática inconformada com a permanência da esquerda democrática no governo da nação. A direita aristocrática e simpática à ditadura, inventa uma “crise” artificial que existe apenas na retórica agressiva dos insatisfeitos e detratores, difundida pela grande imprensa aliada. Nas veias desses aristocratas sucumbentes, o sangue ferve de ódio. Indignação diabólica.

As instituições políticas, sociais e econômicas funcionam regularmente desde a promulgação da Constituição da República (1988). Os poderes constituídos atuam harmoniosamente. A economia brasileira está bem situada no ranking internacional, embora sinta o reflexo das marés da economia mundial. Fatores internos fazem-na oscilar (greve, lockout, estiagem, inundação, retração na produção e no consumo). Ações e omissões corrosivas planejadas pela aristocracia vingativa (banqueiros, empresariado comercial e industrial, proprietários das emissoras de televisão e de outros grandes veículos de comunicação) freiam o crescimento econômico, minando a posição de liderança do governo. O fato de o crescimento da economia nacional ser menor do que o da economia dos EUA, da China, ou da Alemanha, não significa, ipso facto, incompetência dos administradores brasileiros. A realidade social e histórica daqueles países é diferente da brasileira. O que existe no Brasil é uma imoralidade crônica surgida nos tempos coloniais, que passou incólume pelo império, prosseguiu na república e se tornou aguda nos últimos 25 anos. Essa imoralidade inclui a falta de espírito público, insensibilidade em relação ao interesse coletivo e ao bem comum da nação.      

Os partidos políticos PSDB e PT, por abrigarem bandidos do colarinho branco, não gozam da minha simpatia. A caverna de Ali Babá em que foi transformada a administração pública brasileira integra a escandalosa história republicana do período posterior à promulgação da nova Constituição (1988). Para não me sentir cúmplice, eu não votei nos candidatos desses dois partidos nas eleições presidenciais de 2014. Por seu histórico pessoal, por sua dignidade e bravura, eu teria votado na senhora Dilma Rousseff se ela fosse filiada a um partido limpo.

Juridicamente adequada e politicamente oportuna, a decisão do Presidente da Câmara dos Deputados que impediu o processamento dos requerimentos de impeachment que lhe foram apresentados. Assim, de modo legal e sensato, essa autoridade legislativa evitou dar curso a pretensões indecorosas de gente frustrada que por motivos mesquinhos, imorais e antipatrióticos, não titubeia em tumultuar a vida política e social do Brasil. 


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