terça-feira, 24 de março de 2015

FILOSOFIA XV - 32



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Johannes Hessen (1889 a 1971) teólogo e filósofo alemão, pastor protestante, professor, perdeu sua cátedra e a circulação dos seus livros por determinação do regime nazista. A partir de 1947, seus livros voltaram a circular. O cargo de professor lhe foi restituído em 1954 com o apoio político de Konrad Adenauer e o apoio acadêmico de Karl Jaspers. A sua produção intelectual é imensa e inclui textos sobre Santo Agostinho, filosofia existencial, filosofia da religião e autobiografia. No prólogo da sua “Teoria do Conhecimento” publicada em 1926, Johannes diz compartilhar com Nicolau Hartmann a convicção de que o último sentido do conhecimento filosófico não é tanto resolver enigmas e sim descobrir maravilhas. Johannes coloca o método fenomenológico a serviço da Teoria do Conhecimento e expõe o problema da intuição de modo pormenorizado como até então não acontecia com outros expositores. Ele desenvolve tanto a teoria geral como a teoria especial do conhecimento. A consciência filosófica incide sobre o macrocosmo daí resultando a filosofia no sentido da concepção do universo. Quando essa consciência incide sobre o microcosmo, resulta a filosofia no sentido da concepção do eu.

A filosofia é uma tentativa do espírito humano para chegar a uma concepção do universo por meio da autorreflexão sobre as suas funções teóricas e práticas. A filosofia tem duas faces: uma dirige-se à religião e à arte; a outra, à ciência. O conhecimento filosófico dirige-se à totalidade das coisas; o conhecimento científico, às particularidades. Há profunda afinidade entre filosofia, arte e religião. A esfera da filosofia divide-se em: teoria da ciência, teoria dos valores e concepção do universo. Como disciplina autônoma, a Teoria da Ciência ou Teoria do Conhecimento surge pela primeira vez em 1690, com a obra de John Locke. Depois de passar pela epistemologia de Leibniz, Berkeley, Hume, a Teoria do Conhecimento atinge sua culminância na obra de Immanuel Kant: “Crítica da Razão Pura”. 

Sujeito e objeto são os dois elementos do conhecimento e ambos são correlatos: a função do sujeito consiste em apreender o objeto; a função do objeto consiste em ser apreendido pelo sujeito. Conhecimento é a transferência das propriedades do objeto para o entendimento do sujeito. A estrutura do conhecimento se opõe à da ação. Verdade se relaciona com a essência do conhecimento. Necessário alcançar a certeza de que o conhecimento é verdadeiro. Concorre um terceiro elemento: imagem (sujeito + objeto + imagem). O fenômeno toca a esfera psicológica através do sujeito, a esfera ontológica através do objeto e a esfera lógica através da imagem.

Johannes arrola as correntes do pensamento filosófico no que concernem ao conhecimento. (1) Dogmatismo: o problema do conhecimento não existe. A possibilidade de o sujeito apreender o objeto é inquestionável. (2) Ceticismo: tal possibilidade é questionável. O sujeito não pode apreender o objeto. Ainda que a verdade existisse, não poderia ser alcançada. (3) Subjetivismo e relativismo: a verdade tem validade limitada. Não há verdade universalmente válida. (4) Pragmatismo: só é verdadeiro o que for útil, valioso, fomentador da vida. O homem é um ser prático dotado de vontade e inclinado para a ação. (5) Criticismo: a razão humana é confiável, porém, deve examinar todas as asserções e nada aceitar sem este cuidado prévio. Trata-se de um método de filosofar calcado na esperança de chegar à verdade. Consiste em investigar: (I) as fontes das próprias afirmações e objeções; (II) as razões em que as mesmas se assentam. Kant foi o fundador do criticismo.

Johannes também arrola as correntes do pensamento filosófico sobre a origem do conhecimento. (1) Racionalismo: corrente filosófica que vê no pensamento a fonte principal do conhecimento. A inteligência dispensa a experiência para formular juízos evidentes tais como: “o todo é maior do que a parte”, “todos os corpos são extensos”. O pensamento verdadeiro é logicamente necessário e universalmente válido. Johannes cita Platão. (2) Empirismo: corrente filosófica que vê na experiência a única fonte do conhecimento. Inexiste patrimônio da razão “a priori”. Enquanto os racionalistas procedem da matemática {prioridade da dedução} os empiristas procedem da ciência natural {prioridade da indução}. (3) Sensualismo: modalidade do empirismo que só admite a percepção dos sentidos (experiência externa) como fonte do conhecimento. O sensualismo exclui a percepção de si próprio (experiência interna) como fonte do conhecimento. Johannes cita Condillac. Há empiristas que combinam a experiência externa (sensação) com a experiência interna (reflexão), admitindo ambas como fontes válidas do conhecimento. Johannes cita Locke e Hume. (4) Intelectualismo: corrente filosófica que concilia racionalismo e empirismo. Afirma que a fonte do conhecimento tanto é o pensamento como a experiência. Há juízos logicamente necessários e universalmente válidos, porém, não são “a priori”, pois derivam da experiência. Nihil est intellectu quod prius non fuerit in sensu (nada está no intelecto sem que antes não estivesse no sentido). Johannes cita Aristóteles. (5) Apriorismo: é outra tentativa para conciliar racionalismo e empirismo. Pensamento e experiência são admitidos como fontes do conhecimento, porém, há elementos “a priori” independentes da experiência. Os conceitos “a priori” são de natureza formal, não são conteúdos e sim formas do conhecimento. Johannes cita Kant. (6) Fenomenalismo: corrente epistemológica conciliadora do realismo e do empirismo. Essa teoria afirma que não conhecemos as coisas como são em si mesmas e sim como elas se nos apresentam. Há coisas reais, mas não podemos conhecer a sua essência. Espaço e tempo são unicamente formas da nossa intuição. A “coisa em si” é incognoscível. O nosso conhecimento permanece limitado ao mundo fenomênico. Tal mundo surge em nossa consciência porque ordenamos e elaboramos o material sensível em relação às formas “a priori” da intuição e do entendimento.

Tomando posição própria, Johannes distingue inicialmente o problema psicológico do problema lógico. Do ponto de vista psicológico, o conhecimento resulta do cruzamento de conteúdos de consciência intuitivos e não intuitivos. Do ponto de vista lógico, cumpre distinguir o que é próprio das ciências ideais do que é próprio das ciências reais. Tratando-se de ciência ideal, o racionalismo está certo. A base de validade do conhecimento está na razão. As proposições da lógica e da matemática independem da experiência. Tratando-se de ciência real, o empirismo está certo. Nesse campo, a base de validade do juízo é a experiência. O conhecimento próprio da ciência real também apresenta categorias “a priori”. O princípio da causalidade serve de exemplo. Na ciência real, seria impossível estabelecer leis gerais sem supor que na natureza reinam a regularidade, a ordem e a conexão. Todo processo natural tem uma causa.

O verdadeiro problema do conhecimento localiza-se na relação entre o sujeito e o objeto. O conhecimento apresenta-se à consciência natural como uma determinação do sujeito pelo objeto. Segundo a corrente objetivista, o sujeito se rege pelo objeto, ou seja, o objeto determina o sujeito; este reproduz as propriedades do objeto. Segundo a corrente subjetivista, o centro de gravidade do conhecimento reside no sujeito; deste depende a verdade do conhecimento. O realismo é a posição epistemológica segundo a qual há coisas reais independentes da consciência. O objeto existe ainda que não o percebamos. O idealismo é a antítese do realismo: não há coisas reais independentes da consciência. O objeto do conhecimento é algo ideal, nada real. Para o idealismo psicológico toda a realidade está encerrada na consciência do sujeito. Para o idealismo lógico a realidade vem expressa no conjunto de juízos como no processo científico: a realidade se reduz ao lógico.

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