sábado, 21 de março de 2015

IMPEACHMENT



Essa palavra inglesa, que significa impedimento, entrou para o vocabulário político e jurídico de nações européias e americanas para designar o conjunto de procedimentos a serem obedecidos para destituir do cargo público o respectivo titular. Esse instituto surgiu e vigorou na Inglaterra do século XIV ao século XIX como norma consuetudinária. Aplicava-se aos ministros acusados de má conduta ou da prática de crime. O julgamento cabia à Câmara dos Lordes. O rei estava excluído da incidência dessa norma (irresponsabilidade real). Com o advento da moção de desconfiança, o impeachment caiu em desuso naquele país.  

Os legisladores constituintes dos Estados Unidos da América do Norte, caudatários da cultura inglesa, inseriram o impeachment na Constituição (1787). O instituto americano destina-se a apurar a responsabilidade dos funcionários civis graduados, inclusive o presidente da república, acusados de má conduta, suborno, traição ou crime grave. A pena prevista tem caráter exclusivamente administrativo. A responsabilidade desses funcionários por infrações à lei civil e à lei penal é apurada no processo judicial comum Quanto ao especial processo de impeachment, começa com a denúncia apresentada à Câmara dos Representantes; se aprovada pela maioria dos deputados, a questão é encaminhada ao Senado para julgamento; se rejeitada pelos deputados ou se não alcançar o quorum, é arquivada. A condenação exige o voto de 2/3 dos senadores, caso contrário, o acusado é absolvido. Isto ocorreu no processo do presidente Andrew Johnson, absolvido por insuficiência de quorum (1868). No período de 1797 a 1936, responderam ao impeachment: o citado presidente, um senador, um secretário de estado e quatro juízes. Houve o caso de renúncia do presidente Richard Nixon antes da conclusão do processo (1974).

No Brasil, apura-se a responsabilidade política, administrativa, civil e penal dos servidores públicos mediante uma série ordenada de procedimentos que integram o devido processo legal. O Presidente da República e outros agentes políticos dispõem de foro privilegiado estabelecido na Constituição Federal. Nos crimes comuns, o Presidente da República será processado perante o Supremo Tribunal Federal. Nos crimes de responsabilidade, será processado perante o Senado Federal, mediante prévia autorização de 2/3 dos votos da Câmara dos Deputados. A condenação exige 2/3 dos votos do Senado Federal. A pena limita-se à perda do cargo com inabilitação por 8 anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das ações judiciais cabíveis. Instaurado o processo por crime comum ou por crime de responsabilidade, o presidente será afastado das funções pelo prazo máximo de 180 dias. Decorrido o prazo sem findar o processo, o presidente reassume as funções do seu cargo.

Crime de responsabilidade, no direito brasileiro, é ato do funcionário público civil que atenta contra a Constituição. Lei especial define esse tipo de crime e estabelece as normas do respectivo processo (lei 1.079 de 1950, recepcionada pela Constituição da República de 1988, embora necessitando de atualização). Nos termos da Constituição, ficam sob controle político os atos de gestão administrativa do Presidente da República, do Vice-Presidente da República, dos ministros de Estado, dos juízes do Supremo Tribunal Federal, do Procurador-Geral da República e do Advogado-Geral da União, que possam tipificar crime de responsabilidade.

O Congresso Nacional tem competência para criar Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a fim de investigar fato determinado. Tanto a Câmara dos Deputados como o Senado Federal também podem, isoladamente, criar CPI com essa finalidade. A condenação ou absolvição dos investigados está fora das atribuições da CPI. Compete-lhe, apenas, investigar a autoria e a materialidade do fato central e ramificações, visando a municiar o Congresso Nacional para o desempenho das suas funções, entre as quais, a de instaurar processo parlamentar de impeachment. O que for apurado no inquérito poderá ser encaminhado ao Ministério Público. O relatório da CPI e a resolução que o aprovou serão encaminhados também às autoridades com poder de decisão para atos de suas respectivas competências. Nada impede que as conclusões da CPI sejam encaminhadas a outros órgãos internos do Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas.

Na atual conjuntura brasileira não há lugar para o impeachment da Presidente da República. Parcela do eleitorado brasileiro que votou na senhora Dilma Rousseff saiu às ruas em 13/03/2015 para: (1) reclamar contra: a) corrupção no governo (legislativo + executivo + judiciário); b) edição de duas medidas provisórias; (2) defender o mandato presidencial obtido de forma legal e legítima pela atual governante; (3) assegurar a vigência do regime democrático.

Parcela do eleitorado brasileiro que perdeu as eleições saiu em passeata no dia 15/03/2015 com o objetivo claramente definido de: (1) provocar o impeachment da Presidente da República; (2) defender golpe de estado com intervenção do exército, substituindo o voto pela força; (3) retornar ao neoliberalismo e às privatizações, inclusive da Petrobrás; (4) negar representatividade aos políticos; (5) aniquilar os partidos da esquerda; (6) extinguir o Supremo Tribunal Federal.  

As duas manifestações não eram do “povo brasileiro” e sim de distintas parcelas desse povo. No que concerne à segunda manifestação, realizada em São Paulo, reuniu a parcela branca, remediada e rica da sociedade, derrotada nas eleições presidenciais.

As manifestações mostram-se insuficientes para instaurar procedimento da envergadura política do impeachment cujos efeitos na vida social do país são nefastos. A destituição de um titular de cargo público eletivo significa tornar sem efeito a vontade do eleitor e cassar o mandato outorgado pelo corpo eleitoral. Abrem-se chagas nas instituições democráticas. Quando se trata do Chefe de Estado e de Governo, então, estremecem-se os pilares da democracia. Daí, esse instituto ser utilizado com parcimônia e moderação nos países republicanos e democráticos.  

A “voz das ruas”, abstraída a sonoridade poética e sedutora, emana tanto de gargantas sadias como de gargantas inflamadas. A quantificação de gente nessas manifestações é problemática. A polícia tucana estimou em um milhão o número de pessoas reunidas na Avenida Paulista, enquanto instituição independente estimou em 210 mil. Os manifestantes paulistas imitaram as “caras pintadas” da última década do século XX. Imitação artificiosa, anacrônica, ridícula, sem nobreza moral e sem justa causa.

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