Essa palavra inglesa, que
significa impedimento, entrou para o
vocabulário político e jurídico de nações européias e americanas para designar o
conjunto de procedimentos a serem obedecidos para destituir do cargo público o
respectivo titular. Esse instituto surgiu e vigorou na Inglaterra do século XIV
ao século XIX como norma consuetudinária. Aplicava-se aos ministros acusados de
má conduta ou da prática de crime. O julgamento cabia à Câmara dos Lordes. O
rei estava excluído da incidência dessa norma (irresponsabilidade real). Com o
advento da moção de desconfiança, o
impeachment caiu em desuso naquele país.
Os legisladores constituintes dos
Estados Unidos da América do Norte, caudatários da cultura inglesa, inseriram o
impeachment na Constituição (1787). O
instituto americano destina-se a apurar a responsabilidade dos funcionários
civis graduados, inclusive o presidente da república, acusados de má conduta,
suborno, traição ou crime grave. A pena prevista tem caráter exclusivamente
administrativo. A responsabilidade desses funcionários por infrações à lei
civil e à lei penal é apurada no processo judicial comum Quanto ao especial processo
de impeachment, começa com a denúncia
apresentada à Câmara dos Representantes; se aprovada pela maioria dos
deputados, a questão é encaminhada ao Senado para julgamento; se rejeitada pelos
deputados ou se não alcançar o quorum, é arquivada. A condenação exige o voto
de 2/3 dos senadores, caso contrário, o acusado é absolvido. Isto ocorreu no processo do presidente Andrew Johnson, absolvido por insuficiência de quorum (1868).
No período de 1797 a
1936, responderam ao impeachment: o citado presidente, um senador, um
secretário de estado e quatro juízes. Houve o caso de renúncia do presidente
Richard Nixon antes da conclusão do processo (1974).
No Brasil, apura-se a responsabilidade
política, administrativa, civil e penal dos servidores públicos mediante uma
série ordenada de procedimentos que integram o devido processo legal. O Presidente
da República e outros agentes políticos dispõem de foro privilegiado
estabelecido na Constituição Federal. Nos crimes
comuns, o Presidente da República será processado perante o Supremo
Tribunal Federal. Nos crimes de
responsabilidade, será processado perante o Senado Federal, mediante prévia
autorização de 2/3 dos votos da Câmara dos Deputados. A
condenação exige 2/3 dos votos do Senado Federal. A pena
limita-se à perda do cargo com inabilitação por 8 anos para o exercício de
função pública, sem prejuízo das ações judiciais cabíveis. Instaurado o
processo por crime comum ou por crime de responsabilidade, o presidente será
afastado das funções pelo prazo máximo de 180 dias. Decorrido o prazo sem
findar o processo, o presidente reassume as funções do seu cargo.
Crime de responsabilidade, no direito brasileiro, é ato do funcionário
público civil que atenta contra a Constituição. Lei especial define esse tipo
de crime e estabelece as normas do respectivo processo (lei 1.079 de 1950,
recepcionada pela Constituição da República de 1988, embora necessitando de
atualização). Nos termos da Constituição, ficam sob controle político os atos
de gestão administrativa do Presidente da República, do Vice-Presidente da
República, dos ministros de Estado, dos juízes do Supremo Tribunal Federal, do
Procurador-Geral da República e do Advogado-Geral da União, que possam
tipificar crime de responsabilidade.
O
Congresso Nacional tem competência para criar Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) a fim de investigar fato determinado. Tanto a Câmara dos Deputados como o
Senado Federal também podem, isoladamente, criar CPI com essa finalidade. A
condenação ou absolvição dos investigados está fora das atribuições da CPI.
Compete-lhe, apenas, investigar a autoria e a materialidade do fato central e
ramificações, visando a municiar o Congresso Nacional para o desempenho das
suas funções, entre as quais, a de instaurar processo parlamentar de impeachment. O que for apurado no
inquérito poderá ser encaminhado ao Ministério Público. O relatório da CPI e a
resolução que o aprovou serão encaminhados também às autoridades com poder de
decisão para atos de suas respectivas competências. Nada impede que as
conclusões da CPI sejam encaminhadas a outros órgãos internos do Poder
Legislativo e ao Tribunal de Contas.
Na
atual conjuntura brasileira não há lugar para o impeachment da Presidente da
República. Parcela do eleitorado brasileiro que votou na senhora Dilma Rousseff
saiu às ruas em 13/03/2015 para: (1) reclamar contra: a) corrupção no
governo (legislativo + executivo + judiciário); b) edição de duas
medidas provisórias; (2) defender o mandato presidencial obtido de forma legal
e legítima pela atual governante; (3) assegurar a vigência do regime
democrático.
Parcela
do eleitorado brasileiro que perdeu as eleições saiu em passeata no dia 15/03/2015
com o objetivo claramente definido de: (1) provocar o impeachment da Presidente
da República; (2) defender golpe de estado com intervenção do exército,
substituindo o voto pela força; (3) retornar ao neoliberalismo e às
privatizações, inclusive da Petrobrás; (4) negar representatividade aos
políticos; (5) aniquilar os partidos da esquerda; (6) extinguir o Supremo
Tribunal Federal.
As
duas manifestações não eram do “povo brasileiro” e sim de distintas parcelas
desse povo. No que concerne à segunda manifestação, realizada em São Paulo, reuniu a parcela
branca, remediada e rica da sociedade, derrotada nas eleições presidenciais.
As
manifestações mostram-se insuficientes para instaurar procedimento da
envergadura política do impeachment cujos efeitos na vida social do país são nefastos.
A destituição de um titular de cargo público eletivo significa tornar sem
efeito a vontade do eleitor e cassar o mandato outorgado pelo corpo eleitoral.
Abrem-se chagas nas instituições democráticas. Quando se trata do Chefe de
Estado e de Governo, então, estremecem-se os pilares da democracia. Daí, esse
instituto ser utilizado com parcimônia e moderação nos países republicanos e
democráticos.
A “voz das ruas”, abstraída a sonoridade poética e
sedutora, emana tanto de gargantas sadias como de gargantas inflamadas. A
quantificação de gente nessas manifestações é problemática. A polícia tucana estimou
em um milhão o número de pessoas reunidas na Avenida Paulista, enquanto instituição
independente estimou em 210 mil. Os manifestantes paulistas imitaram as “caras
pintadas” da última década do século XX. Imitação artificiosa, anacrônica,
ridícula, sem nobreza moral e sem justa causa.
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