EUROPA (1900 a
2014). Continuação.
Gaston Bachelard adverte sobre a
necessidade de serem revistas, no ambiente microfísico, as ideias mais simples,
como a de choque, reação, reflexão material ou luminosa, derivadas das nossas
intuições comuns. As permutas de energia e de luz se estabelecem segundo um
duplo jogo de escrita regulado por conveniências numéricas complicadas. O azul
celeste é tão instrutivo para o novo espírito científico como o foi há alguns
séculos o mundo estrelado por cima das nossas cabeças. Quando se examina o
fenômeno luminoso resistindo ao esquematismo e à primeira intuição, provocando
razões de pluralismo experimental, é que se chega a pensamentos que retificam
pensamentos e a experiências que retificam observações.
Há uma supremacia do número em
relação à coisa e uma supremacia do provável sobre o número. A substância
química não é mais do que a sombra de um número. Temos tanto a aprender dos
fluídos como dos sólidos; devemos pensar os sólidos a partir da experiência
primitiva dos fluídos e, assim, contrabalançar o tradicional movimento
epistemológico inverso. A propósito do dualismo ondas e corpúsculos, das
noções físicas da teoria ondulatória e da teoria corpuscular, pode-se concluir
ser a onda um quadro de jogos e o corpúsculo uma hipótese e que o problema do
realismo das ondas e dos corpúsculos confundir-se-á, pouco a pouco, com o
problema do determinismo e da probabilidade. O determinismo desceu do
céu a terra. Há uma filosofia do céu estrelado: ensina ao homem a lei física
nos seus caracteres de objetividade e de determinismo absolutos. Os fenômenos
astronômicos representam, de algum modo, a forma mais objetiva e mais
estritamente determinada dos fenômenos físicos. O princípio de causalidade se subordina ao que o pensamento objetivo
exige. Assimilar o provável ao irreal é um equívoco. Probabilidade e ignorância
são conceitos distintos; pode haver leis estatísticas sem convergência causal (princípio da incerteza de Heisenberg).
Na microfísica há interferência essencial do método e do objeto; o realismo
elementar é um erro. Gaston cita Carrera: “Não estamos em condições de saber se
a mecânica quântica criada para interpretar a radiação dos átomos isolados
basta para esclarecer o problema muito complicado da dinâmica da molécula”.
Georg Lukács (1885 a 1971) filósofo
húngaro, militante comunista, filiou-se ao partido em 1918 e prestou serviços
ao exército vermelho. A sua reflexão filosófica parte da análise crítica do
pensamento de Aristóteles, Kant e Hegel e se posiciona ao lado das teorias de
Marx, Engels e Lênin, nas quais assenta sua base filosófica conforme consta do
livro “História e Consciência de Classe” (1923). Com a ascensão do nazismo,
Georg muda-se de Berlim para Moscou (1933). Regressa à Hungria no final da
segunda guerra mundial e se torna membro da Academia de Ciências. Combateu
autores e obras colidentes com a ética e a ideologia do partido comunista.
Preferia ver o triunfo da cultura socialista na pacífica e livre competição
cultural. Georg participou da revolução húngara e defendeu a organização do
partido comunista em novas bases a fim de conquistar o apoio do povo húngaro. A
liderança social do partido devia ser conquistada pela persuasão e não pela
força. Exilado na Romênia, Georg volta a Budapeste (Hungria, 1957) onde
permaneceu até morrer.
Georg criticou o partido
comunista da União Soviética e iniciou a corrente denominada marxismo ocidental. Tratou da relação
entre sociologia, política e filosofia sob o enfoque marxista e abordou
conceitos como “alienação”, “ideologia” e “consciência de classe”. Ele também
se dedicou à teoria literária e estética. Escreveu substanciosa “Introdução a
uma Estética Marxista”, livro publicado em 1957, na certeza de a particularidade ser um dos problemas
centrais da Estética. Na opinião dele, essa questão foi negligenciada tanto do
ponto de vista lógico como do ponto de vista estético. Na obra retromencionada,
Georg analisa a particularidade como
categoria da Estética, a gênese filosófica do princípio estético, o particular à luz do materialismo
dialético, o particular como
categoria central da Estética, a concretização da particularidade como categoria estética em problemas singulares
{característica geral da forma artística, conteúdo e forma da obra artística
(tipicidade), a arte como autoconsciência do desenvolvimento da humanidade}.
Ele procede à análise dos escritos de Aristóteles, Kant, Schelling e Goethe,
relativos à questão lógica do particular
e seu liame estético.
Na base do seu estudo, está a
ideia geral de que o conhecimento científico e a expressão estética refletem a
mesma realidade objetiva. Entre a doutrina das categorias científicas e a
doutrina das categorias estéticas há identidades e diversidades. Será
impossível uma práxis e nos orientarmos na realidade sem delimitarmos as
recíprocas relações entre universalidade,
particularidade e singularidade, problema do pensamento
posto desde a Idade Antiga. A relação entre a particularidade e a
universalidade é um eterno processo de superação. Necessário se faz adquirir
conhecimento da mútua superação de uma categoria na outra (dialética entre o
universal e o particular). Georg cita Engels: “Todo conhecimento efetivo,
completo, consiste apenas no seguinte: com o pensamento nós elevamos o singular da singularidade à particularidade
e desta à universalidade”. Engels cita a sequência das descobertas históricas
separadas por longos anos, uma da outra, como exemplo do movimento do juízo: “O atrito é uma fonte de calor” = juízo do ser (etapa da singularidade). “Todo
movimento mecânico pode se transformar em calor por meio do atrito” = juízo de
reflexão (etapa da particularidade). “Toda forma de movimento revela-se apta e
obrigada a se transformar em qualquer outra forma de movimento” = juízo do
conceito (etapa da universalidade).
O interesse particular de uma
classe, como a burguesia, é posto como sendo o interesse universal de toda a
sociedade. Na visão marxista, o interesse particular do proletariado há de
coincidir com o interesse universal de toda a sociedade. Georg cita Marx: “Toda classe que aspira a dominação mesmo
quando – como no caso do proletariado – sua dominação implique na superação de
toda velha forma da sociedade e da dominação em geral, deve, antes de tudo,
conquistar o poder político a fim de representar, por sua vez, o seu interesse
como universal, a isto estando obrigada em primeiro momento”.
O conhecimento humano deve
percorrer dois caminhos: (1) da realidade concreta dos fenômenos singulares às
mais altas abstrações; (2) destas abstrações à realidade concreta a qual – com
ajuda daquelas – pode agora ser compreendida de um modo mais exato. A arte –
tal qual a ciência e o pensamento ligado à vida cotidiana – é um reflexo da
realidade objetiva e não o reflexo das ideias como quer o neoplatonismo. Essência e aparência, no reflexo estético, formam uma unidade real e
inseparável; no reflexo científico, estão separadas. Georg cita Lênin: “A
aparência é uma das determinações da essência em um dos seus aspectos, em um
dos seus momentos”.
Ao estabelecer a prioridade da realidade
objetiva comum, o materialismo cria
um fator diferencial em relação à filosofia idealista. O idealismo cria mundos isolados um do outro. No sistema de
categorias do reflexo estético a particularidade
tem uma função diversa da função que desempenha no sistema científico. O fenômeno típico é encarnação
concretamente artística da particularidade,
embora a arte não se limite a constatá-lo. Como todos os elementos do conteúdo
artístico, o típico é uma categoria
da vida. Nas ciências sociais, que tem por objeto as ações e relações humanas,
o típico pode desempenhar função
autônoma ao lado das leis universais. [Traços típicos de pessoas (físicos,biométricos), da cultura de um povo ou de uma época (ideias, crenças, costumes,
modismos, folclore, músicas regionais, cancioneiro)].
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