terça-feira, 17 de março de 2015

FILOSOFIA XV - 30



EUROPA (1900 a 2014). Continuação.

Gaston Bachelard adverte sobre a necessidade de serem revistas, no ambiente microfísico, as ideias mais simples, como a de choque, reação, reflexão material ou luminosa, derivadas das nossas intuições comuns. As permutas de energia e de luz se estabelecem segundo um duplo jogo de escrita regulado por conveniências numéricas complicadas. O azul celeste é tão instrutivo para o novo espírito científico como o foi há alguns séculos o mundo estrelado por cima das nossas cabeças. Quando se examina o fenômeno luminoso resistindo ao esquematismo e à primeira intuição, provocando razões de pluralismo experimental, é que se chega a pensamentos que retificam pensamentos e a experiências que retificam observações.

Há uma supremacia do número em relação à coisa e uma supremacia do provável sobre o número. A substância química não é mais do que a sombra de um número. Temos tanto a aprender dos fluídos como dos sólidos; devemos pensar os sólidos a partir da experiência primitiva dos fluídos e, assim, contrabalançar o tradicional movimento epistemológico inverso. A propósito do dualismo ondas e corpúsculos, das noções físicas da teoria ondulatória e da teoria corpuscular, pode-se concluir ser a onda um quadro de jogos e o corpúsculo uma hipótese e que o problema do realismo das ondas e dos corpúsculos confundir-se-á, pouco a pouco, com o problema do determinismo e da probabilidade. O determinismo desceu do céu a terra. Há uma filosofia do céu estrelado: ensina ao homem a lei física nos seus caracteres de objetividade e de determinismo absolutos. Os fenômenos astronômicos representam, de algum modo, a forma mais objetiva e mais estritamente determinada dos fenômenos físicos. O princípio de causalidade se subordina ao que o pensamento objetivo exige. Assimilar o provável ao irreal é um equívoco. Probabilidade e ignorância são conceitos distintos; pode haver leis estatísticas sem convergência causal (princípio da incerteza de Heisenberg). Na microfísica há interferência essencial do método e do objeto; o realismo elementar é um erro. Gaston cita Carrera: “Não estamos em condições de saber se a mecânica quântica criada para interpretar a radiação dos átomos isolados basta para esclarecer o problema muito complicado da dinâmica da molécula”.        

Georg Lukács (1885 a 1971) filósofo húngaro, militante comunista, filiou-se ao partido em 1918 e prestou serviços ao exército vermelho. A sua reflexão filosófica parte da análise crítica do pensamento de Aristóteles, Kant e Hegel e se posiciona ao lado das teorias de Marx, Engels e Lênin, nas quais assenta sua base filosófica conforme consta do livro “História e Consciência de Classe” (1923). Com a ascensão do nazismo, Georg muda-se de Berlim para Moscou (1933). Regressa à Hungria no final da segunda guerra mundial e se torna membro da Academia de Ciências. Combateu autores e obras colidentes com a ética e a ideologia do partido comunista. Preferia ver o triunfo da cultura socialista na pacífica e livre competição cultural. Georg participou da revolução húngara e defendeu a organização do partido comunista em novas bases a fim de conquistar o apoio do povo húngaro. A liderança social do partido devia ser conquistada pela persuasão e não pela força. Exilado na Romênia, Georg volta a Budapeste (Hungria, 1957) onde permaneceu até morrer.

Georg criticou o partido comunista da União Soviética e iniciou a corrente denominada marxismo ocidental. Tratou da relação entre sociologia, política e filosofia sob o enfoque marxista e abordou conceitos como “alienação”, “ideologia” e “consciência de classe”. Ele também se dedicou à teoria literária e estética. Escreveu substanciosa “Introdução a uma Estética Marxista”, livro publicado em 1957, na certeza de a particularidade ser um dos problemas centrais da Estética. Na opinião dele, essa questão foi negligenciada tanto do ponto de vista lógico como do ponto de vista estético. Na obra retromencionada, Georg analisa a particularidade como categoria da Estética, a gênese filosófica do princípio estético, o particular à luz do materialismo dialético, o particular como categoria central da Estética, a concretização da particularidade como categoria estética em problemas singulares {característica geral da forma artística, conteúdo e forma da obra artística (tipicidade), a arte como autoconsciência do desenvolvimento da humanidade}. Ele procede à análise dos escritos de Aristóteles, Kant, Schelling e Goethe, relativos à questão lógica do particular e seu liame estético.

Na base do seu estudo, está a ideia geral de que o conhecimento científico e a expressão estética refletem a mesma realidade objetiva. Entre a doutrina das categorias científicas e a doutrina das categorias estéticas há identidades e diversidades. Será impossível uma práxis e nos orientarmos na realidade sem delimitarmos as recíprocas relações entre universalidade, particularidade e singularidade, problema do pensamento posto desde a Idade Antiga. A relação entre a particularidade e a universalidade é um eterno processo de superação. Necessário se faz adquirir conhecimento da mútua superação de uma categoria na outra (dialética entre o universal e o particular). Georg cita Engels: “Todo conhecimento efetivo, completo, consiste apenas no seguinte: com o pensamento nós elevamos o singular da singularidade à particularidade e desta à universalidade”. Engels cita a sequência das descobertas históricas separadas por longos anos, uma da outra, como exemplo do movimento do juízo: “O atrito é uma fonte de calor” = juízo do ser (etapa da singularidade). “Todo movimento mecânico pode se transformar em calor por meio do atrito” = juízo de reflexão (etapa da particularidade). “Toda forma de movimento revela-se apta e obrigada a se transformar em qualquer outra forma de movimento” = juízo do conceito (etapa da universalidade).

O interesse particular de uma classe, como a burguesia, é posto como sendo o interesse universal de toda a sociedade. Na visão marxista, o interesse particular do proletariado há de coincidir com o interesse universal de toda a sociedade. Georg cita Marx: “Toda classe que aspira a dominação mesmo quando – como no caso do proletariado – sua dominação implique na superação de toda velha forma da sociedade e da dominação em geral, deve, antes de tudo, conquistar o poder político a fim de representar, por sua vez, o seu interesse como universal, a isto estando obrigada em primeiro momento”.

O conhecimento humano deve percorrer dois caminhos: (1) da realidade concreta dos fenômenos singulares às mais altas abstrações; (2) destas abstrações à realidade concreta a qual – com ajuda daquelas – pode agora ser compreendida de um modo mais exato. A arte – tal qual a ciência e o pensamento ligado à vida cotidiana – é um reflexo da realidade objetiva e não o reflexo das ideias como quer o neoplatonismo. Essência e aparência, no reflexo estético, formam uma unidade real e inseparável; no reflexo científico, estão separadas. Georg cita Lênin: “A aparência é uma das determinações da essência em um dos seus aspectos, em um dos seus momentos”.

Ao estabelecer a prioridade da realidade objetiva comum, o materialismo cria um fator diferencial em relação à filosofia idealista. O idealismo cria mundos isolados um do outro. No sistema de categorias do reflexo estético a particularidade tem uma função diversa da função que desempenha no sistema científico. O fenômeno típico é encarnação concretamente artística da particularidade, embora a arte não se limite a constatá-lo. Como todos os elementos do conteúdo artístico, o típico é uma categoria da vida. Nas ciências sociais, que tem por objeto as ações e relações humanas, o típico pode desempenhar função autônoma ao lado das leis universais. [Traços típicos de pessoas (físicos,biométricos), da cultura de um povo ou de uma época (ideias, crenças, costumes, modismos, folclore, músicas regionais, cancioneiro)].

Nenhum comentário: