O governo Silva lançou os programas: Bolsa-Família (reunião de programas
sociais anteriores); Luz Para Todos (energia elétrica para regiões
carentes); PAC (aceleração da economia); Territórios da Cidadania
(auxílio financeiro a jovens eleitores e carentes de 16 a 18 anos) e Minha Casa, Minha Vida (programa
habitacional que permite o financiamento de imóvel próprio à população de baixa
renda). Na outra ponta, banqueiros recebem fortunas através das altas taxas de
juro e da liberação das tarifas com a cumplicidade do Banco Central. Cada um
dos dois maiores bancos brasileiros lucrou mais de oito bilhões de reais em
2007, cifra que chegou a 13 bilhões em 2012. O governo Silva livrou o Brasil da
dependência do FMI e administrou bem os efeitos da crise mundial de 2008. O
turismo oficial, a prática quadrilheira e a corrupção do governo Cardoso
prosseguiram a todo vapor no governo Silva. Ministérios foram criados a fim de
acomodar correligionários ansiosos por mordomias e rapinagem. Diárias,
locomoções, passagens e auxílio-alimentação consumiram 03 bilhões e 180 milhões
de reais de 2003 a
2007. Milhares de servidores nomeados sem concurso público. As vísceras
putrefatas do organismo político brasileiro foram expostas nos inquéritos
parlamentares: correios e mensalão (peculato, corrupção ativa e passiva,
lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e evasão de divisas), vampiro e
sanguessuga (negociatas com plasma e ambulâncias), dólar na cueca e cartões
corporativos (dinheiro de origem ilícita para compra de relatórios, distribuição
de 11 mil cartões corporativos para saques em dinheiro e pagamento de despesas
particulares do presidente, familiares e servidores).
O governo Rousseff fechou – ao que parece – o ciclo da
corrupção desenfreada que vinha desde o governo Sarney. A presidente não
avalizou o lamaçal. Apesar desta atitude ética e positiva, o vírus encalacrado
na cultura nacional não foi removido. O problema não se localiza exclusivamente
na área política. Enquanto parcela significativa da população cultivar o jeitinho safado e a esperteza malandra a conduta dos políticos vibrará no mesmo
diapasão. Pela primeira vez na república, o Brasil é governado por mulher. No
império, ocuparam o governo como regentes a imperatriz Leopoldina (na ausência
temporária de Pedro I) e a princesa Isabel (na ausência temporária de Pedro
II). O princípio feminino deu nova cor à administração pública. Há mulheres
ocupando cargos de ministro. Os programas sociais do antecessor tiveram
continuidade (como disse a presidente: Lula
não voltará, porque ele nunca saiu). Incentivou-se a interiorização do
atendimento médico. Medida provisória permite a contratação de médicos
estrangeiros com atraente piso salarial para clinicar nas cidades do interior
do país. A máfia do jaleco branco alega deficiência qualitativa dos médicos
estrangeiros antes mesmo de existir candidato inscrito. Médicos brasileiros
mandaram às favas o juramento de Hipócrates e cruzaram os braços em protesto;
colocaram o interesse pessoal e corporativo acima da vida e da saúde da
população; reivindicam carreira de Estado semelhante à do magistério, da
magistratura e outras. Como se lhes faltassem ciência, inteligência e talento,
os médicos alegam que no interior do país há falta de equipamentos, de
instalações, de recursos e de pessoal auxiliar, o que os faz preferir as
capitais.
Em São Paulo, moças e moços protestaram nos logradouros públicos sem
líderes aparentes, sem ideologia, sem cores partidárias, num movimento
instintivo, aberto e político no seu mais elevado sentido (junho, 2013). As
tentativas de exibir bandeiras foram rechaçadas. A massa estava desiludida com
os políticos profissionais, rejeitava os partidos políticos e atuava por conta
própria. Houve contágio através da rede de computadores e do noticiário de
rádio e televisão. O movimento ganhou as ruas e praças de várias cidades das
diversas regiões do país. A massa popular mostrou insatisfação com o estado de
coisas vigente na esfera pública. A má conduta de senadores, deputados,
presidentes, ministros, magistrados, governadores, secretários, prefeitos,
vereadores, leva o povo a invadir e depredar prédios públicos e privados. A
usura e os lucros acintosos dos bancos, o abuso nos preços e nas tarifas e o atendimento
precário (empregados despedidos para empregador lucrar mais) causam revolta e induzem
o povo a agredir estabelecimentos bancários e comerciais, ônibus, trens, estações
de pedágio. A interferência estrangeira direta e indireta nos assuntos internos
do país e nos meios de comunicação induz o povo a atacar consulados, embaixadas,
editoras, emissoras e a empastelar jornais. A história atesta e ensina: se não
houver violência popular o governo se acomoda e se fecha na torre de marfim.
O governo defende a ordem vigente. A massa popular descontente
promove a desordem para implantar nova ordem. Neste jogo político que a
história registra, o povo danifica o que lhe pertence (patrimônio público) e o
que pertence aos particulares (patrimônio privado). Trata-se de fúria popular
legítima. Para reprimi-la o governo brasileiro serviu-se de pelotões de
soldados, cassetete, gás lacrimogêneo, espingarda com balas de borracha, tanque
provido de canhão de água. A massa invadia e depredava prédios, atirava pedras
e coquetéis molotov, fazia barricadas de fogo, utilizava paus, canos e tudo que
servisse de arma na batalha campal travada nas ruas e praças. Houve correria, luta
corpo a corpo e prisões. A Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro prestou
assistência imediata aos presos. Emissoras de TV faziam ampla cobertura e
apoiavam a qualificação de “vândalos” dada pelo governo aos manifestantes. O
vandalismo é inerente aos movimentos de protesto e reivindicação coletivos como
atestam episódios na África, América, Ásia e Europa. Da filmagem exibida na
rede de computadores constata-se que havia policiais disfarçados promovendo
atos de vandalismo no Rio de Janeiro. Nesta capital, a residência do governador
e o palácio do governo foram alvos da indignação dos manifestantes. Provada a
corrupção de que é acusado, o governador poderá perder o cargo após o devido
processo constitucional (impeachment).
Os
jovens querem um mundo melhor como também queria a presidente Dilma em sua
juventude quando lutou contra a ditadura. A juventude atual protestou e mostrou
insatisfação com o status quo.
Inicialmente, a massa foi contra o aumento e reivindicava redução no preço das
passagens dos ônibus e trens urbanos na cidade de São Paulo. Depois, o
movimento tomou conta do país e o pleito se diversificou: serviços públicos
eficientes e de boa qualidade (educação, saúde, transporte, segurança); tarifas
baixas e passe livre para estudantes; fim da impunidade e da corrupção; menor
carga tributária e melhor aplicação das verbas públicas (crítica aos gastos com
a copa mundial de futebol). Na opinião da presidente da república, o
atendimento às reivindicações da massa popular exige reforma política.
Solicitou ao Congresso Nacional a convocação de um plebiscito. A mensagem
presidencial provocou divergências. Sem consenso, o Legislativo entrou em
recesso (julho, 2013).
Diante da voz do povo ouvida nas ruas em movimento
social legítimo e oportuno, o plebiscito cabível seria exclusivamente para o
povo decidir se quer uma nova Constituição ou se quer manter a atual. Esse tipo
de plebiscito independe de autorização do Congresso Nacional, porque a consulta
mira um processo constituinte e não o processo legislativo; bastam decreto
presidencial, coragem e vontade política. Se a resposta oriunda do plebiscito for
positiva, a presidente da república convoca assembléia constituinte composta
por pessoas filiadas ou não a partido político, eleitas pelo povo exclusivamente
para elaborar a nova Constituição; encerrados os trabalhos, o mandato especial
não se converteria em mandato ordinário, cautela recomendável em face da
tentação de legislar em causa própria. Caso seja negativa a decisão resultante
do plebiscito, ficará mantida a vigente Constituição, na qual serão lançadas as
reivindicações do povo através de emenda. Neste caso, se novamente o povo for
consultado, agora sobre quais reivindicações pretende ver lançadas no
ordenamento jurídico em vigor, o plebiscito dependerá de autorização do
Congresso Nacional, porque a consulta nesse caso mira o processo legislativo e não
um processo constituinte. No Congresso, alvitrou-se o referendo: os
parlamentares lançariam as reivindicações em um projeto que seria submetido à
apreciação do povo. Enquanto isto, tudo permanece como está.
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