quarta-feira, 31 de julho de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO XXI



O governo Silva lançou os programas: Bolsa-Família (reunião de programas sociais anteriores); Luz Para Todos (energia elétrica para regiões carentes); PAC (aceleração da economia); Territórios da Cidadania (auxílio financeiro a jovens eleitores e carentes de 16 a 18 anos) e Minha Casa, Minha Vida (programa habitacional que permite o financiamento de imóvel próprio à população de baixa renda). Na outra ponta, banqueiros recebem fortunas através das altas taxas de juro e da liberação das tarifas com a cumplicidade do Banco Central. Cada um dos dois maiores bancos brasileiros lucrou mais de oito bilhões de reais em 2007, cifra que chegou a 13 bilhões em 2012. O governo Silva livrou o Brasil da dependência do FMI e administrou bem os efeitos da crise mundial de 2008. O turismo oficial, a prática quadrilheira e a corrupção do governo Cardoso prosseguiram a todo vapor no governo Silva. Ministérios foram criados a fim de acomodar correligionários ansiosos por mordomias e rapinagem. Diárias, locomoções, passagens e auxílio-alimentação consumiram 03 bilhões e 180 milhões de reais de 2003 a 2007. Milhares de servidores nomeados sem concurso público. As vísceras putrefatas do organismo político brasileiro foram expostas nos inquéritos parlamentares: correios e mensalão (peculato, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e evasão de divisas), vampiro e sanguessuga (negociatas com plasma e ambulâncias), dólar na cueca e cartões corporativos (dinheiro de origem ilícita para compra de relatórios, distribuição de 11 mil cartões corporativos para saques em dinheiro e pagamento de despesas particulares do presidente, familiares e servidores).
O governo Rousseff fechou – ao que parece – o ciclo da corrupção desenfreada que vinha desde o governo Sarney. A presidente não avalizou o lamaçal. Apesar desta atitude ética e positiva, o vírus encalacrado na cultura nacional não foi removido. O problema não se localiza exclusivamente na área política. Enquanto parcela significativa da população cultivar o jeitinho safado e a esperteza malandra a conduta dos políticos vibrará no mesmo diapasão. Pela primeira vez na república, o Brasil é governado por mulher. No império, ocuparam o governo como regentes a imperatriz Leopoldina (na ausência temporária de Pedro I) e a princesa Isabel (na ausência temporária de Pedro II). O princípio feminino deu nova cor à administração pública. Há mulheres ocupando cargos de ministro. Os programas sociais do antecessor tiveram continuidade (como disse a presidente: Lula não voltará, porque ele nunca saiu). Incentivou-se a interiorização do atendimento médico. Medida provisória permite a contratação de médicos estrangeiros com atraente piso salarial para clinicar nas cidades do interior do país. A máfia do jaleco branco alega deficiência qualitativa dos médicos estrangeiros antes mesmo de existir candidato inscrito. Médicos brasileiros mandaram às favas o juramento de Hipócrates e cruzaram os braços em protesto; colocaram o interesse pessoal e corporativo acima da vida e da saúde da população; reivindicam carreira de Estado semelhante à do magistério, da magistratura e outras. Como se lhes faltassem ciência, inteligência e talento, os médicos alegam que no interior do país há falta de equipamentos, de instalações, de recursos e de pessoal auxiliar, o que os faz preferir as capitais.
Em São Paulo, moças e moços protestaram nos logradouros públicos sem líderes aparentes, sem ideologia, sem cores partidárias, num movimento instintivo, aberto e político no seu mais elevado sentido (junho, 2013). As tentativas de exibir bandeiras foram rechaçadas. A massa estava desiludida com os políticos profissionais, rejeitava os partidos políticos e atuava por conta própria. Houve contágio através da rede de computadores e do noticiário de rádio e televisão. O movimento ganhou as ruas e praças de várias cidades das diversas regiões do país. A massa popular mostrou insatisfação com o estado de coisas vigente na esfera pública. A má conduta de senadores, deputados, presidentes, ministros, magistrados, governadores, secretários, prefeitos, vereadores, leva o povo a invadir e depredar prédios públicos e privados. A usura e os lucros acintosos dos bancos, o abuso nos preços e nas tarifas e o atendimento precário (empregados despedidos para empregador lucrar mais) causam revolta e induzem o povo a agredir estabelecimentos bancários e comerciais, ônibus, trens, estações de pedágio. A interferência estrangeira direta e indireta nos assuntos internos do país e nos meios de comunicação induz o povo a atacar consulados, embaixadas, editoras, emissoras e a empastelar jornais. A história atesta e ensina: se não houver violência popular o governo se acomoda e se fecha na torre de marfim.
O governo defende a ordem vigente. A massa popular descontente promove a desordem para implantar nova ordem. Neste jogo político que a história registra, o povo danifica o que lhe pertence (patrimônio público) e o que pertence aos particulares (patrimônio privado). Trata-se de fúria popular legítima. Para reprimi-la o governo brasileiro serviu-se de pelotões de soldados, cassetete, gás lacrimogêneo, espingarda com balas de borracha, tanque provido de canhão de água. A massa invadia e depredava prédios, atirava pedras e coquetéis molotov, fazia barricadas de fogo, utilizava paus, canos e tudo que servisse de arma na batalha campal travada nas ruas e praças. Houve correria, luta corpo a corpo e prisões. A Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro prestou assistência imediata aos presos. Emissoras de TV faziam ampla cobertura e apoiavam a qualificação de “vândalos” dada pelo governo aos manifestantes. O vandalismo é inerente aos movimentos de protesto e reivindicação coletivos como atestam episódios na África, América, Ásia e Europa. Da filmagem exibida na rede de computadores constata-se que havia policiais disfarçados promovendo atos de vandalismo no Rio de Janeiro. Nesta capital, a residência do governador e o palácio do governo foram alvos da indignação dos manifestantes. Provada a corrupção de que é acusado, o governador poderá perder o cargo após o devido processo constitucional (impeachment).
Os jovens querem um mundo melhor como também queria a presidente Dilma em sua juventude quando lutou contra a ditadura. A juventude atual protestou e mostrou insatisfação com o status quo. Inicialmente, a massa foi contra o aumento e reivindicava redução no preço das passagens dos ônibus e trens urbanos na cidade de São Paulo. Depois, o movimento tomou conta do país e o pleito se diversificou: serviços públicos eficientes e de boa qualidade (educação, saúde, transporte, segurança); tarifas baixas e passe livre para estudantes; fim da impunidade e da corrupção; menor carga tributária e melhor aplicação das verbas públicas (crítica aos gastos com a copa mundial de futebol). Na opinião da presidente da república, o atendimento às reivindicações da massa popular exige reforma política. Solicitou ao Congresso Nacional a convocação de um plebiscito. A mensagem presidencial provocou divergências. Sem consenso, o Legislativo entrou em recesso (julho, 2013).
Diante da voz do povo ouvida nas ruas em movimento social legítimo e oportuno, o plebiscito cabível seria exclusivamente para o povo decidir se quer uma nova Constituição ou se quer manter a atual. Esse tipo de plebiscito independe de autorização do Congresso Nacional, porque a consulta mira um processo constituinte e não o processo legislativo; bastam decreto presidencial, coragem e vontade política. Se a resposta oriunda do plebiscito for positiva, a presidente da república convoca assembléia constituinte composta por pessoas filiadas ou não a partido político, eleitas pelo povo exclusivamente para elaborar a nova Constituição; encerrados os trabalhos, o mandato especial não se converteria em mandato ordinário, cautela recomendável em face da tentação de legislar em causa própria. Caso seja negativa a decisão resultante do plebiscito, ficará mantida a vigente Constituição, na qual serão lançadas as reivindicações do povo através de emenda. Neste caso, se novamente o povo for consultado, agora sobre quais reivindicações pretende ver lançadas no ordenamento jurídico em vigor, o plebiscito dependerá de autorização do Congresso Nacional, porque a consulta nesse caso mira o processo legislativo e não um processo constituinte. No Congresso, alvitrou-se o referendo: os parlamentares lançariam as reivindicações em um projeto que seria submetido à apreciação do povo. Enquanto isto, tudo permanece como está.

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