domingo, 14 de julho de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO XIII



Os golpistas tentaram impedir a posse de Juscelino Kubitschek (JK) na presidência da república. Alegavam nulidade dos votos comunistas por estar o partido na ilegalidade e não ter sido alcançada a maioria absoluta dos votos. O presidente Café Filho afastou-se do cargo por suposta doença. Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados, assumiu o governo e demitiu o Ministro da Guerra. O general Henrique Lott reagiu com força militar, cercou bases aéreas e navais envolvidas na conspiração, ocupou prédios, jornais, emissoras de rádio, destituiu Carlos Luz e indicou Nereu Ramos para assumir a presidência na ordem de sucessão estabelecida na Constituição (12/11/1955). Carlos Luz, Carlos Lacerda e outros golpistas se homiziaram no cruzador Tamandaré (ancorado na Baía da Guanabara). O Congresso Nacional decretou estado de sítio e o impedimento de Café Filho para reassumir a presidência. Nereu Ramos governou por dois meses e deu posse ao eleito (31/01/1956).
JK médico, político, empreendedor, otimista, cumpriu o mandato até o fim (1956 a 1960). O plano de metas do seu governo dava prioridade à base material da nação: energia, aço e transportes. A melhoria da educação e da saúde seria conseqüência. Os opositores defendiam o inverso: prioridade à educação, saúde e cultura; o progresso material seria conseqüência. JK optou pelo crescimento econômico com inflação. A dívida pública aumentou. JK incrementou a indústria automobilística e construiu centrais elétricas (Furnas e Três Marias), siderúrgicas (Cosipa e Usiminas), refinaria (Duque de Caxias) e a nova capital (Brasília). Deu prioridade às rodovias com destaque para as que ligavam Brasília ao norte e nordeste do país. A malha ferroviária foi negligenciada. A política econômica priorizava a indústria de bens de capital e de bens duráveis, criticada por ser concentradora de renda. 
Jânio Quadros (JQ) foi eleito para o período seguinte (1961 a 1965). Homem culto, professor, moralista, carismático, apreciador de bebida alcoólica (gosto comum a estadistas como Winston Churchill e a governantes medíocres como George W. Bush), traçou como diretrizes do seu governo: (1) combate à corrupção e à especulação; (2) austeridade econômica; (3) mecanismos contra a inflação; (4) independência e pluralismo nas relações com outros países. A aproximação do Brasil com Estados socialistas (URSS, China, Cuba) desagradou ao governo dos EUA. A temperatura subiu quando JQ condecorou o Ministro da Indústria e Comércio de Cuba, o médico argentino Ernesto “Che” Guevara. A política de austeridade econômica e de combate à corrupção desagradou à aristocracia urbana. Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara, em cumplicidade com o governo dos EUA na oposição ao governo brasileiro, afirma ter sido convidado a participar de um golpe de Estado que seria desferido por JQ. O presidente se declara vítima de forças que o intrigavam e difamavam e renuncia ao cargo (25/08/1961). {Antes disto, quando renunciara à candidatura ao pleito presidencial em 1959 para depois recuar, prenunciara este desfecho na carta que enviara ao governador de São Paulo: Não desejo, Governador, nem por um instante, chegar à chefia da Nação, se não puder exercer essa chefia com toda plenitude de suas prerrogativas (...) É preferível um cidadão livre, de que um Presidente prisioneiro}. Fator objetivo da renúncia: o Legislativo resistia às propostas do Executivo; JQ pretendia governar com amplos poderes, amparado na enorme votação que recebera. Fator subjetivo da renúncia: acostumado à metrópole paulista, JQ não se dava bem com a solidão de Brasília (que ainda lembrava um canteiro de obras). Fator trivial da renúncia: JQ estava de porre. O Legislativo aceitou prontamente a renúncia. Sem esperar retratação, o presidente da Câmara dos Deputados imediatamente declarou vago o cargo de presidente da república. O povo reagiu. Ferroviários entraram em greve, estudantes protestaram, a embaixada dos EUA foi atacada.
João Goulart (JG) vice-presidente da República (em visita à China) devia assumir o governo ao vagar a presidência, nos termos da Constituição. Apesar do seu status de latifundiário gaúcho, rico, educado e cordial, herdeiro do capital político de Vargas, JG era considerado homem de esquerda pelas forças armadas. Submissos ao governo dos EUA em tempo de guerra fria, os militares resistiam à posse de JG na presidência da república. Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná se uniram em favor da legalidade. O movimento ganhou força em todo o país. No intuito de apaziguar os ânimos e evitar confronto armado, o Congresso Nacional implantou o parlamentarismo (EC 4/61). A chefia de Estado coube a JG e a chefia de Governo ao Conselho de Ministros responsável pela direção da política nacional e da administração federal. O parlamentarismo durou dois anos e três gabinetes (Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima). A consulta à população na modalidade plebiscito sobre o sistema de governo deveria ocorrer em maio de 1965. Por vontade de JG e com apoio da maioria parlamentar a data foi antecipada (a ambiciosa esperteza aniquilaria de vez a agônica democracia). O Congresso Nacional submeteu a EC 4/61 (parlamentarista) à consulta popular na modalidade referendo (LC 2/62). O povo não a referendou. O Congresso então promulga a EC 6/63 que revoga a EC 4/61. Restabelece-se o presidencialismo. (Emenda revogar emenda é impropriedade técnica; emenda modifica o texto constitucional; emenda subseqüente pode substituir ou suprimir o dispositivo do texto constitucional alterado pela emenda anterior).
JG assume as chefias de Estado e de Governo. A sociedade estava inquieta desde a renúncia de JQ. Os trabalhadores rurais, organizados em ligas camponesas distribuídas por 20 Estados, enfrentaram a força pública oficial e a força particular dos fazendeiros. Pleiteavam reforma agrária e lei trabalhista própria com direito a livre organização. Desse pleito coletivo resultou o Estatuto do Trabalhador Rural, que incluía o direito de organizar sindicatos rurais (1963). Em Brasília, sargentos da Aeronáutica prendem oficiais, interditam o aeroporto e sabotam aviões porque a eleição de um sargento para deputado estadual no Rio Grande do Sul fora anulada pelo Judiciário (1963). O Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social elaborado sob a direção de Celso Furtado visando ao crescimento da economia com decréscimo da inflação foi rejeitado pelo Congresso Nacional. Diante disto, JG aproxima-se das organizações de esquerda que exigiam nova Constituição. As medidas nacionalistas tomadas pelo presidente, como a restrição à remessa de lucros para o exterior, nacionalização das empresas de comunicação social, revisão das concessões para exploração de minas, desagradam ao governo dos EUA e à direita tupiniquim. O Instituto Brasileiro de Ação Democrática, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais e os governos de São Paulo, Minas Gerais e Guanabara recebem ajuda dos EUA para derrubar JG. Os EUA recusam-se a negociar com o governo JG o que repercutiu negativamente na balança comercial brasileira e no custo de vida. A dívida pública e a inflação cresceram (1963).
A sociedade foi arregimentada pelos oposicionistas para manifestação de rua contra o comunismo apelidada Marcha da Família com Deus pela Liberdade, amplamente apoiada pela Igreja Católica, pela imprensa, pelo PSD e pela UDN (1964). Os organizadores da espetacular passeata de centenas de milhares de pessoas associaram o comunismo ao governo de JG. Acusaram-no de pretender instituir uma república nos moldes cubanos. O comunismo foi utilizado como argumento para justificar o golpe de Estado. Em defesa do governo constitucional de JG, dissidentes do PSD e da UDN uniram-se aos parlamentares do PTB e do PSB e formaram a Frente Parlamentar Nacionalista com apoio da União Nacional dos Estudantes e da Confederação Geral dos Trabalhadores. Em comício que reuniu centenas de milhares de pessoas no Rio de Janeiro, JG lançou o programa das reformas de base: rural, urbana, encampação de refinarias, direito de voto aos analfabetos, delegação legislativa (13/03/64). A Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais promoveu reunião para comemorar a data da sua fundação e se solidarizar com o seu presidente, cabo José Anselmo, ameaçado de prisão pelo comando militar (como se descobriu mais tarde, o “cabo Anselmo” era agente dos golpistas infiltrado no órgão de representação dos marinheiros). O destacamento de fuzileiros enviado para impedir a reunião confraternizou-se com os participantes (26/03/64). JG demitiu o Ministro da Marinha. O caldo entornou.  

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