O
processo de abertura lenta e gradual para a democracia continuou no governo do
general João Figueiredo (1980
a 1985). Na linha do ideário militar foram editadas leis
sobre: segurança nacional, imprensa, eleições (bipartidarismo: ARENA x MDB),
manifestação do pensamento, abuso de autoridade, representação por
inconstitucionalidade, responsabilidade de prefeitos e vereadores, ação
popular, sistema tributário nacional, reforma administrativa, situação do
estrangeiro no Brasil, prevenção e repressão ao tráfico ilícito de
entorpecentes, execução penal e processo civil. Milhares de inquéritos
militares foram instaurados pela Comissão Geral de Investigação. O governo
militar criou o Serviço Nacional de Informações para devassar a vida das
pessoas (invasão da privacidade, espionagem). O combate à subversão teve
primazia; o combate à corrupção foi negligenciado.
A
ordem econômica e social tinha por fim realizar a justiça social e por base: (1) liberdade de iniciativa; (2) valorização do trabalho como
condição da dignidade humana; (3)
função social da propriedade; (4)
harmonia e solidariedade entre os fatores de produção (capital + trabalho); (5) desenvolvimento econômico; (6) repressão ao abuso do poder
econômico caracterizado pelo domínio dos mercados, pela eliminação da
concorrência e pelo aumento arbitrário dos lucros. Por motivo de segurança
nacional ou para organizar setor que não pudesse se desenvolver com eficiência
no regime de competição e de liberdade de iniciativa facultava-se a intervenção
do Estado no domínio econômico e o monopólio de indústria ou atividade,
assegurados os direitos individuais. Ao proprietário do solo era garantida a
participação no resultado da lavra. A pesquisa e a lavra de petróleo em
território nacional constituíam monopólio da União. As atividades econômicas
seriam organizadas e exploradas pelas empresas privadas com o estímulo e apoio
do Estado.
Leis
disciplinaram o mercado de capitais, o condomínio em edificações e as
incorporações imobiliárias. A correção monetária foi introduzida no sistema
econômico mediante lei federal que criou o Banco Nacional de Habitação e
autorizou a intervenção do governo federal no setor habitacional (lei
4.380/64). Adotou-se modelo econômico favorecedor da concentração de renda e do
achatamento salarial com o propósito de atrair investidores estrangeiros. O
sistema tributário nacional foi reformulado (EC 18/65). Com o propósito de
atrair empresas multinacionais para o Brasil, concedeu-se incentivo fiscal e
facilitou-se o crédito, a remessa de lucros e a aquisição de terras.
Americanos, europeus e asiáticos investiram nos setores: químico, eletrônico,
mecânico, farmacêutico, automobilístico. Houve expansão da indústria naval, aeronáutica,
de material bélico e de bens de consumo duráveis. Energia, siderurgia,
telecomunicações e transportes ficaram sob controle do governo.
O
divórcio entre Ética e Poder que pavimentou a guerra fria entre as duas grandes
potências mundiais do século XX (URSS x EUA) influiu na política brasileira. O
florescimento da cultura técnica foi notável. A tecnologia sombreou o
humanismo. Instituiu-se o planejamento nos negócios de governo (tecnocracia). Multiplicaram-se
as empresas estatais. Foram construídas as usinas nucleares de Angra dos Reis,
a hidrelétrica de Itaipu (com o sacrifício da beleza natural das Sete Quedas de
Guaira, no Paraná) a rodovia Transamazônica e a ponte Rio-Niterói (símbolo
geopolítico da fusão dos antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro). A
decisão do governo brasileiro de ampliar o mar territorial de 12 para 200 milhas provocou
reação do governo dos EUA e retardou a prorrogação do Acordo Internacional do
Café (1971). Com a expansão do crédito aos consumidores, aumentou o consumo de
bens duráveis. O crédito agrícola também foi facilitado. A exportação de
manufaturados e produtos agrícolas foi incrementada. A produção rural foi
modernizada, surgiram novas empresas agropecuárias e prevaleceu lavoura de
exportação (soja e trigo); caiu a produção de café. O chamado milagre
econômico se desfaz a partir da crise mundial do petróleo (1973). A
inflação chega a 94,7%, a dívida externa à casa dos 50 bilhões de dólares e o
déficit na balança comercial à casa dos 500 milhões de dólares (1978 a 1980).
A
camada mal nutrida da sociedade vivia sem moradia decente, aluguel abusivo,
ensino precário, meios de transportes insuficientes e caros, difícil acesso a
médicos, hospitais e remédios. O salário mínimo perdeu valor aquisitivo. As
chances de emprego retrocederam. Cresceu a economia informal. Foi proibida greve nos serviços públicos e
nas atividades essenciais definidas em lei. Os direitos trabalhistas eram os mesmos dos
diplomas anteriores com algumas novidades, tais como: (1) participação do trabalhador na gestão da empresa; (2) fundo de garantia de tempo de
serviço como alternativa à estabilidade do trabalhador no emprego; (3) colônia de férias e clínicas
mantidas pela União (repouso, recuperação, convalescença); (4) voto obrigatório nas eleições
sindicais. As disposições sobre família, educação e cultura apresentam algumas
modificações em relação às leis magnas anteriores, a saber: (1) sistema federal de ensino de caráter
supletivo; (2) supressão do
número mínimo de trabalhadores ao exigir que as empresas comerciais,
industriais e agrícolas mantivessem ensino primário gratuito em favor dos
empregados e filhos; (3)
divórcio na família (EC 9/77). Receberam disciplina legal: a ação de alimentos,
a ação de dissolução da sociedade conjugal e o seguro obrigatório de danos
pessoais decorrentes de acidentes de veículos automotores.
A
década 1961 a
1970 foi marcante na América e na Europa. A URSS lançou ao espaço sideral o
primeiro satélite (Sputnik) e o primeiro homem (Yuri Gagarin). Os EUA colocaram
homens na Lua (1969). A disputa entre o Estado socialista e o Estado capitalista
pela hegemonia no mundo foi apelidada de guerra fria pelo comentarista
político estadunidense Walter Lippmann. A competição entre as duas grandes
potências estremeceu o espírito de conciliação e colaboração internacional que
presidira a fundação das Nações Unidas (ONU). No entender de U-Than,
Secretário-Geral da ONU em 1963, tal competição envenenou as relações
internacionais do pós-guerra. Cada país do mundo suportou, em diferentes graus,
os efeitos do veneno. A rebeldia dos jovens motivada pela guerra no Vietnã,
pela mentalidade beligerante na política, pelo autoritarismo na família, na
sociedade e no Estado, contagiou toda aquela geração (hoje sexagenária e
setuagenária). Sob a díade paz e amor os hippies celebrizaram-se por: (1) adotar o pacifismo de Jesus e
Gandhi, protestar contra a guerra e entoar o mantra faça amor, não faça
guerra; (2) recusar o
serviço militar obrigatório; (3)
rejeitar os valores vigentes na sociedade ocidental; (4) nudez emblemática, liberação sexual e amor à natureza; (5)
buscar iluminação espiritual com auxílio de gurus indianos ou mediante uso de
drogas (LSD), vegetais psicotrópicos (maconha) e beberagens.
Logo
após o assassinato de Martin Luther King, ícone da luta pelos direitos civis
nos EUA, o presidente Lyndon Johnson promulga a lei dos direitos civis (1968).
O movimento de afirmação das minorias (mulheres, negros, indígenas, mestiços,
homossexuais) espraiou-se pelos continentes. Na França, o movimento estudantil
contra o personalizado governo de Charles de Gaulle ganhou força revolucionária
(maio, 1968), estremeceu a hierarquia na família, na escola e na sociedade,
mudou comportamentos e revelou fatos sociais tendentes a durar (casamento
aberto, juventude valorizada, palavrão consentido, queda de tabus). Além do
mimetismo facilitado pelos meios de comunicação, o comportamento dos jovens no
bojo de um processo simpático e sem fronteira resultava de anseios, sentimentos
e idéias comuns, questionadores do status quo.
Signatário do Tratado Interamericano de Assistência
Recíproca de 1947, o Brasil alinhou-se com os EUA e os países do Cone Sul (Argentina, Chile, Paraguai,
Uruguai) no combate ao comunismo e à influência soviética na América (1964 a 1985). Governos de
esquerda foram substituídos por ditaduras de direita até que os ventos mudassem
de direção. A política divorciou-se da ética e do direito nos negócios
internacionais e enveredou para a espionagem, o seqüestro, a tortura, o
assassinato, o genocídio, a derrubada de governos constitucionais. A potência
hegemônica colocava a sua cultura acima da cultura dos povos periféricos.
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