sexta-feira, 19 de julho de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO XV



O processo de abertura lenta e gradual para a democracia continuou no governo do general João Figueiredo (1980 a 1985). Na linha do ideário militar foram editadas leis sobre: segurança nacional, imprensa, eleições (bipartidarismo: ARENA x MDB), manifestação do pensamento, abuso de autoridade, representação por inconstitucionalidade, responsabilidade de prefeitos e vereadores, ação popular, sistema tributário nacional, reforma administrativa, situação do estrangeiro no Brasil, prevenção e repressão ao tráfico ilícito de entorpecentes, execução penal e processo civil. Milhares de inquéritos militares foram instaurados pela Comissão Geral de Investigação. O governo militar criou o Serviço Nacional de Informações para devassar a vida das pessoas (invasão da privacidade, espionagem). O combate à subversão teve primazia; o combate à corrupção foi negligenciado.
A ordem econômica e social tinha por fim realizar a justiça social e por base: (1) liberdade de iniciativa; (2) valorização do trabalho como condição da dignidade humana; (3) função social da propriedade; (4) harmonia e solidariedade entre os fatores de produção (capital + trabalho); (5) desenvolvimento econômico; (6) repressão ao abuso do poder econômico caracterizado pelo domínio dos mercados, pela eliminação da concorrência e pelo aumento arbitrário dos lucros. Por motivo de segurança nacional ou para organizar setor que não pudesse se desenvolver com eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa facultava-se a intervenção do Estado no domínio econômico e o monopólio de indústria ou atividade, assegurados os direitos individuais. Ao proprietário do solo era garantida a participação no resultado da lavra. A pesquisa e a lavra de petróleo em território nacional constituíam monopólio da União. As atividades econômicas seriam organizadas e exploradas pelas empresas privadas com o estímulo e apoio do Estado.
Leis disciplinaram o mercado de capitais, o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias. A correção monetária foi introduzida no sistema econômico mediante lei federal que criou o Banco Nacional de Habitação e autorizou a intervenção do governo federal no setor habitacional (lei 4.380/64). Adotou-se modelo econômico favorecedor da concentração de renda e do achatamento salarial com o propósito de atrair investidores estrangeiros. O sistema tributário nacional foi reformulado (EC 18/65). Com o propósito de atrair empresas multinacionais para o Brasil, concedeu-se incentivo fiscal e facilitou-se o crédito, a remessa de lucros e a aquisição de terras. Americanos, europeus e asiáticos investiram nos setores: químico, eletrônico, mecânico, farmacêutico, automobilístico. Houve expansão da indústria naval, aeronáutica, de material bélico e de bens de consumo duráveis. Energia, siderurgia, telecomunicações e transportes ficaram sob controle do governo.
O divórcio entre Ética e Poder que pavimentou a guerra fria entre as duas grandes potências mundiais do século XX (URSS x EUA) influiu na política brasileira. O florescimento da cultura técnica foi notável. A tecnologia sombreou o humanismo. Instituiu-se o planejamento nos negócios de governo (tecnocracia). Multiplicaram-se as empresas estatais. Foram construídas as usinas nucleares de Angra dos Reis, a hidrelétrica de Itaipu (com o sacrifício da beleza natural das Sete Quedas de Guaira, no Paraná) a rodovia Transamazônica e a ponte Rio-Niterói (símbolo geopolítico da fusão dos antigos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro). A decisão do governo brasileiro de ampliar o mar territorial de 12 para 200 milhas provocou reação do governo dos EUA e retardou a prorrogação do Acordo Internacional do Café (1971). Com a expansão do crédito aos consumidores, aumentou o consumo de bens duráveis. O crédito agrícola também foi facilitado. A exportação de manufaturados e produtos agrícolas foi incrementada. A produção rural foi modernizada, surgiram novas empresas agropecuárias e prevaleceu lavoura de exportação (soja e trigo); caiu a produção de café. O chamado milagre econômico se desfaz a partir da crise mundial do petróleo (1973). A inflação chega a 94,7%, a dívida externa à casa dos 50 bilhões de dólares e o déficit na balança comercial à casa dos 500 milhões de dólares (1978 a 1980).
A camada mal nutrida da sociedade vivia sem moradia decente, aluguel abusivo, ensino precário, meios de transportes insuficientes e caros, difícil acesso a médicos, hospitais e remédios. O salário mínimo perdeu valor aquisitivo. As chances de emprego retrocederam. Cresceu a economia informal. Foi proibida greve nos serviços públicos e nas atividades essenciais definidas em lei. Os direitos trabalhistas eram os mesmos dos diplomas anteriores com algumas novidades, tais como: (1) participação do trabalhador na gestão da empresa; (2) fundo de garantia de tempo de serviço como alternativa à estabilidade do trabalhador no emprego; (3) colônia de férias e clínicas mantidas pela União (repouso, recuperação, convalescença); (4) voto obrigatório nas eleições sindicais. As disposições sobre família, educação e cultura apresentam algumas modificações em relação às leis magnas anteriores, a saber: (1) sistema federal de ensino de caráter supletivo; (2) supressão do número mínimo de trabalhadores ao exigir que as empresas comerciais, industriais e agrícolas mantivessem ensino primário gratuito em favor dos empregados e filhos; (3) divórcio na família (EC 9/77). Receberam disciplina legal: a ação de alimentos, a ação de dissolução da sociedade conjugal e o seguro obrigatório de danos pessoais decorrentes de acidentes de veículos automotores.
A década 1961 a 1970 foi marcante na América e na Europa. A URSS lançou ao espaço sideral o primeiro satélite (Sputnik) e o primeiro homem (Yuri Gagarin). Os EUA colocaram homens na Lua (1969). A disputa entre o Estado socialista e o Estado capitalista pela hegemonia no mundo foi apelidada de guerra fria pelo comentarista político estadunidense Walter Lippmann. A competição entre as duas grandes potências estremeceu o espírito de conciliação e colaboração internacional que presidira a fundação das Nações Unidas (ONU). No entender de U-Than, Secretário-Geral da ONU em 1963, tal competição envenenou as relações internacionais do pós-guerra. Cada país do mundo suportou, em diferentes graus, os efeitos do veneno. A rebeldia dos jovens motivada pela guerra no Vietnã, pela mentalidade beligerante na política, pelo autoritarismo na família, na sociedade e no Estado, contagiou toda aquela geração (hoje sexagenária e setuagenária). Sob a díade paz e amor os hippies celebrizaram-se por: (1) adotar o pacifismo de Jesus e Gandhi, protestar contra a guerra e entoar o mantra faça amor, não faça guerra; (2) recusar o serviço militar obrigatório; (3) rejeitar os valores vigentes na sociedade ocidental; (4) nudez emblemática, liberação sexual e amor à natureza; (5) buscar iluminação espiritual com auxílio de gurus indianos ou mediante uso de drogas (LSD), vegetais psicotrópicos (maconha) e beberagens.
Logo após o assassinato de Martin Luther King, ícone da luta pelos direitos civis nos EUA, o presidente Lyndon Johnson promulga a lei dos direitos civis (1968). O movimento de afirmação das minorias (mulheres, negros, indígenas, mestiços, homossexuais) espraiou-se pelos continentes. Na França, o movimento estudantil contra o personalizado governo de Charles de Gaulle ganhou força revolucionária (maio, 1968), estremeceu a hierarquia na família, na escola e na sociedade, mudou comportamentos e revelou fatos sociais tendentes a durar (casamento aberto, juventude valorizada, palavrão consentido, queda de tabus). Além do mimetismo facilitado pelos meios de comunicação, o comportamento dos jovens no bojo de um processo simpático e sem fronteira resultava de anseios, sentimentos e idéias comuns, questionadores do status quo.
Signatário do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca de 1947, o Brasil alinhou-se com os EUA e os países do Cone Sul (Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai) no combate ao comunismo e à influência soviética na América (1964 a 1985). Governos de esquerda foram substituídos por ditaduras de direita até que os ventos mudassem de direção. A política divorciou-se da ética e do direito nos negócios internacionais e enveredou para a espionagem, o seqüestro, a tortura, o assassinato, o genocídio, a derrubada de governos constitucionais. A potência hegemônica colocava a sua cultura acima da cultura dos povos periféricos.

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