quinta-feira, 4 de julho de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO VIII


A ordem econômica e social na Constituição de 1934 tinha por base a justiça e as necessidades da vida social de modo a possibilitar existência digna a todos. Dentro desses parâmetros, a Constituição garantia a liberdade econômica, autorizava o monopólio estatal de indústria e de atividade econômica por exigência do interesse público e nacionalizava os bancos de depósito, as empresas de seguro, as minas, as jazidas e as fontes de energia hidráulica. Cabia à lei promover essa nacionalização, o fomento da economia popular, aperfeiçoar e expandir o crédito. Era reconhecida a liberdade sindical. Nos termos da lei, promover-se-ia amparo à produção e estabelecer-se-iam condições de trabalho na cidade e no campo orientadas à proteção social do trabalhador e aos interesses econômicos do país. Inúmeros preceitos serviam de baliza à legislação trabalhista ordinária, tais como:
(1) proibir diferença de salário para o mesmo trabalho, por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil;
(2) estabelecer salário mínimo capaz de satisfazer às necessidades normais do trabalhador conforme as condições regionais, jornada de trabalho que não excedesse 8 horas, repouso hebdomadário (preferencialmente aos domingos), férias anuais remuneradas, indenização por dispensa do trabalho sem justa causa;
(3) proibir trabalho a menores de 14 anos, trabalho noturno a menores de 16 anos e, em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e às mulheres;
(4) regulamentar o exercício das profissões e reconhecer as convenções coletivas de trabalho;
(5) organizar assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego;
(6) instituir previdência mediante contribuições do empregado, do empregador e da União Federal para os casos de velhice, invalidez, maternidade, acidentes do trabalho e morte.

O legislador constituinte afastou a distinção entre o trabalho manual, técnico e intelectual e estabeleceu a igualdade de direitos entre os respectivos profissionais; determinou a educação rural, preferência do trabalhador nacional na colonização e no aproveitamento das terras públicas, organização de colônias agrícolas destinadas aos habitantes de zonas empobrecidas e aos sem trabalho; disciplinou a entrada e a permanência de imigrantes no território nacional; criou a Justiça do Trabalho com poder jurisdicional vinculada ao Ministério do Trabalho, constituída de tribunais e comissões de conciliação para dirimir questões entre empregados e empregadores regidas pela legislação social; concedeu usucapião especial a todo brasileiro que não sendo proprietário rural ou urbano ocupasse por 10 anos contínuos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, um trecho de terra até 10 hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele a sua morada; reduziu o imposto sobre imóvel rural de até 50 hectares; instituiu imposto progressivo sobre a transmissão de bens por herança ou legado; assegurou respeito à posse das terras pelos silvícolas; proibiu que estrangeiros e sociedades anônimas por ações ao portador fossem proprietários de empresas jornalísticas políticas ou noticiosas e assegurou estabilidade no emprego, férias e aposentadoria aos respectivos redatores e empregados; reservou aos brasileiros natos na proporção de 2/3, a propriedade, a armação, o comando e a tripulação dos navios nacionais; estabeleceu porcentagem de brasileiros nos serviços públicos dados em concessão e nos estabelecimentos de determinados ramos de comércio e indústria; remeteu à lei medidas de controle tarifário dos serviços concedidos ou delegados para que, no interesse coletivo, os lucros dos concessionários ou delegados não excedessem a justa retribuição do capital necessário à respectiva expansão.

A Constituição de 1934 teve curta duração em decorrência da instabilidade institucional gerada principalmente pelo antagonismo entre os integralistas e os comunistas. Greves se sucediam. Luiz Carlos Prestes aderiu ao comunismo, fundou a Liga de Ação Revolucionária, lançou um manifesto à nação afirmando limitado o propósito da Aliança Liberal (sustentáculo político de Vargas) de mudar pessoas no poder. Dizia que: (1) eram vãs as promessas de moeda estável, voto secreto, liberdade política e respeito à Constituição; (2) sem a participação popular, qualquer revolução reveste o caráter de disputa entre oligarquias, as quais, compostas de proprietários dos latifúndios e dos meios de produção, apoiadas nos imperialismos estrangeiros, exploram e dividem o povo brasileiro; (3) essa minoria dominante só seria vencida por uma insurreição geral da massa urbana e rural.
O fascismo italiano e o nazismo alemão das décadas de 20 e 30 inspiraram as idéias de Plínio Salgado, bem recebidas no círculo militar e na camada média da sociedade brasileira. Reunidas em programa, essas idéias serviram de base à fundação da Ação Integralista Brasileira em 1932. Esse grupo era nacionalista e anticomunista; seu lema era Deus, Pátria e Família; seu objetivo era organizar um Estado forte e extinguir as associações representativas de classes. À elite cabia governar; à massa cabia obedecer. O governo seria autoritário a fim de garantir o novo regime e impedir a volta da desordem democrática. O novo Estado devia pacificar a sociedade mediante mecanismos de conciliação entre as classes, intervir nos negócios privados segundo o interesse público e promover o progresso dentro da ordem.

Anarquistas, socialistas, comunistas e furta-cores organizaram a Aliança Nacional Libertadora (ANL) em 1935; escolheram Luiz Carlos Prestes como presidente de honra (regressava da Rússia para revolucionar o Brasil); entre os seus objetivos estavam os de: (1) suspender o pagamento da dívida externa; (2) nacionalizar empresas de países imperialistas; (3) proteger os pequenos e médios proprietários de terras; (4) entregar aos trabalhadores rurais as terras dos latifundiários; (5) ampliar as liberdades cívicas e instalar governo popular.

Apoiado pelos integralistas e na lei de segurança nacional, o governo central reprimiu a ANL e fechou todos os seus núcleos no país. Sob a direção de Prestes, os comunistas agiram a partir de Natal, RN (1935). O movimento (conhecido como intentona comunista) se estendeu para Olinda, Recife e Rio de Janeiro. Os confrontos armados foram vencidos pelo governo e os insurretos presos (inclusive Prestes e sua companheira Olga Benário). O governo alemão (parceiro comercial do Brasil) pede a extradição de Olga (alemã, judia, militante comunista, grávida, 28 anos de idade). A Corte Suprema do Brasil defere o pedido e Olga é extraditada (1936). Na Alemanha, ela pariu na prisão, foi enviada a campos de concentração até ser executada na câmara de gás (Bernburg, 1942).
 
A repressão aos comunistas abriu válvula ao potencial autocrático de Vargas. O declínio do liberalismo político no continente europeu e a ascensão de ditaduras de direita (Europa ocidental) e de esquerda (Europa oriental) serviam de amparo ideológico a propósitos autocráticos no Brasil (e na América Latina). Sintomáticas eram as relações do governo brasileiro com o governo alemão. Nas trocas internacionais, a Alemanha nazista foi a principal e maior parceira do Brasil (1936). Para as eleições de 1938 havia três candidatos à presidência da república: Armando Salles de Oliveira, José Américo de Almeida e Plínio Salgado. Temendo o restabelecimento da primeira república pelo futuro vencedor do pleito (temor mais fictício do que real) o grupo civil e militar de apoio a Vargas tramou o golpe; forjou um documento com tintura comunista denominado Plano Cohen, divulgou-o como verdadeiro e provocou a decretação do estado de guerra (inventado pelos governistas ad terrorem, pois a Constituição previa o estado de sítio na iminência de agressão estrangeira ou na emergência de insurreição armada). Francisco Campos redigiu projeto de uma nova Constituição que foi aprovado pelo grupo conspirador composto, entre outros, por Plínio Salgado, Eurico Gaspar Dutra, Góes Monteiro, Filinto Müller. Em 10 de novembro de 1937 o projeto foi outorgado à nação pelo Presidente da República como nova lei fundamental do Estado.

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