As
mortes do jornalista Wladimir Herzog (1975) e do metalúrgico Manoel Fiel Filho
(1976) nas dependências do DOI-CODI (Departamento de Operações e Informações e
Centro de Operações de Defesa Interna) aumentaram a indisposição popular contra
a autocracia militar. O general comandante da região de São Paulo foi
substituído e o AI-5, revogado (janeiro/79). A atenuação do regime veio
acompanhada da anistia geral e da extinção do bipartidarismo. Sucederam-se
greves. Os operários paulistas faziam manifestações em estádios de futebol e defronte
a portões de fábricas; organizaram-se e fundaram o Partido dos Trabalhadores com
apoio da Igreja Católica e de intelectuais (1980). As autocracias no continente
americano perderam serventia para o governo dos EUA. Apesar disto, a extrema
direita no Brasil reagia à distensão política que seria concluída no governo
Figueiredo (1980 a
1985). Instituições defensoras da democracia como a Ordem dos Advogados do
Brasil (RJ), Associação Brasileira de Imprensa (RJ) e Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento (SP) sofreram atentados à bomba. No Riocentro (espaço da
Zona Oeste do Rio de Janeiro) multidão assistia a espetáculo artístico quando bomba
explode no interior de automóvel ocupado por terroristas do Exército. O
acidente frustrou o plano dos extremistas que pretendiam culpar os opositores pela
explosão e endurecer novamente o regime político (1982).
O
movimento denominado Diretas Já que pleiteava eleições diretas para a
presidência da república obteve apoio da população urbana e realizou passeata e
comício de centenas de milhares de pessoas no Rio de Janeiro (1984). O
Congresso Nacional rejeitou esse pleito, mas aprovou emenda à Constituição que
atribuía poder constituinte aos parlamentares eleitos em 1986 (EC 26/85). Era o
crepúsculo da quarta república (1964
a 1985). O candidato da oposição, Tancredo Neves, vence
a eleição indireta à presidência da república para o mandato de 1986 a 1991. Dissidentes da
base governista aliados à oposição indicam José Sarney para vice-presidente.
Tancredo morre antes da posse (1985). Sarney assume a presidência e convoca
assembléia constituinte. Era o alvorecer da quinta república brasileira.
A
Assembléia Nacional Constituinte (ANC) reuniu-se em 11/02/1987 e encerrou seus
trabalhos em 05/10/1988, com todas as correntes políticas representadas, da
extrema direita à extrema esquerda; funcionou com duas comissões genéricas
(sistematização e redação) e várias comissões temáticas. Depois de aprovado, o
texto foi modificado por alguns deputados em eclesial gabinete e promulgado sem
que retornasse ao plenário da ANC para debate e votação dos pares (confissão do
deputado constituinte Nelson Jobim quando ministro do Supremo Tribunal Federal).
O texto obedece à técnica de elaboração legislativa. O conteúdo vem assim distribuído:
preâmbulo, princípios, objetivos, declaração de direitos, regras de organização
e disposições gerais. A matéria é dividida em títulos, capítulos, seções,
subseções, artigos, parágrafos, incisos e alíneas. Alguns dos 250 artigos foram
desdobrados com acréscimos de letras. A censura ao tipo analítico da
Constituição brasileira e o elogio ao tipo sintético da Constituição dos EUA merecem
tempero. Os artigos desta última correspondem
a capítulos da brasileira. Os sete
artigos da Constituição estadunidense equivalem a sete capítulos
da Constituição brasileira. Incluídas as emendas de 1789, o texto da
Constituição estadunidense seria de 77 artigos se adotada a técnica legislativa
brasileira.
No
preâmbulo, o legislador
constituinte expôs os valores
essenciais da civilização brasileira que devem orientar a interpretação
e aplicação das normas jurídicas. No título
primeiro, o legislador lançou os princípios
e objetivos fundamentais do Estado brasileiro, pilares da vida política,
econômica e social da nação, que informam o ordenamento jurídico e condicionam
a atividade legislativa, administrativa e judiciária. O título segundo garante a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade. Tais direitos são desdobrados
em 78 incisos. Na história constitucional do Brasil, esta foi a primeira vez
que a declaração de direitos antecedeu a organização do Estado, a indicar
precedência da liberdade em face da autoridade, reflexo do espírito de
reconstrução democrática que animava a ANC.
Nos
títulos terceiro e quarto desenha-se
o modelo federativo de Estado, traça-se a organização dos poderes e se reconhece
como essenciais à Justiça: o ministério público, a defensoria pública, advocacia pública (consultora e
assessora do Poder Executivo), advocacia privada e a inviolabilidade do
advogado no exercício da profissão. Nos títulos
quinto e sexto vêm disciplinados: (1) estado de defesa, para preservar ou restabelecer a
ordem pública ou a paz social; (2) estado de sítio, para atender os
casos de comoção grave, de declaração de guerra ou resposta a agressão armada
estrangeira; (3) forças armadas, destinadas à defesa da pátria, da lei e
da ordem e a garantir os poderes constitucionais; (4) segurança pública,
organizada para preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do
patrimônio; (5) sistema tributário
nacional, finanças públicas, plano plurianual, diretrizes orçamentárias,
orçamento anual e competência exclusiva do Banco Central para emitir moeda.
Nos
títulos sétimo e oitavo o
legislador constituinte articulou: (1)
a ordem econômica e financeira,
lançando os princípios gerais da atividade econômica, da política urbana e
rural e do sistema financeiro nacional; (2) a ordem social estruturada em princípios e regras sobre meio
ambiente, comunicação, ciência, tecnologia, seguridade, educação, cultura,
desporto, família, criança, adolescente, idoso e índio. O título nono foi reservado às disposições gerais sobre: (1) criação de novos Estados; (2) serviços notariais e de registro; (3) fiscalização e controle do
comércio exterior; (4) venda e revenda de combustíveis; (5) expropriação de
glebas por cultivo de plantas psicotrópicas; (6) adequação aos deficientes: dos
logradouros públicos, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte
coletivo; (7) assistência aos herdeiros e dependentes carentes das vítimas de
crime doloso; (8) PIS, PASEP.
Em apenso à Constituição, o legislador constituinte
promulgou o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) com as
seguintes decisões: (1) anistiou
os atingidos por atos de exceção no regime anterior, restabeleceu os
respectivos direitos com efeito retroativo, reconheceu direito à reparação econômica aos cidadãos que foram
impedidos de exercer na vida civil atividade profissional específica; (2) assegurou direitos aos ex-combatentes que participaram de operações bélicas
durante a segunda guerra mundial, aos seringueiros e às comunidades dos
quilombos; (3) assinou prazo para: (I) Estados e municípios votarem suas
Constituições e leis orgânicas, adequando-se à Constituição Federal; (II)
entrada em vigor do novo sistema tributário; (III) elaboração do código de
defesa do consumidor; (IV) demarcação das terras indígenas; (4) criou o Estado do Tocantins e o integrou à Região Norte, transformou em Estados federados os
territórios de Roraima e Amapá e reintegrou
o território federal de Fernando de Noronha ao Estado de Pernambuco; (5) permitiu o parcelamento e a
cessão dos créditos de precatórios judiciais, orientou a regulamentação dos fundos de participação, das alíquotas de tributos e da
distribuição da arrecadação; limitou
os gastos com pessoal; manteve
as concessões de serviços públicos de telecomunicações e a Zona Franca de
Manaus; (6) criou os fundos: (I)
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério; (II) Social de Emergência (a vigorar de 1994 a 1999, para sanear
finanças e estabilizar a economia); (III) de Combate e Erradicação da Pobreza (a
vigorar até 2010); (7) estabeleceu
normas sobre: (I) Poder Judiciário e Ministério Público; (II) lavra de
minerais, jazidas; (III) irrigação e política agrícola; (IV) doações, vendas e
concessões de terras públicas com área superior a três mil hectares; (V)
serviço nacional de aprendizagem rural; (VI) previdência social; (VII) contribuição
relativa às operações financeiras.
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