terça-feira, 23 de julho de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO XVII



As mortes do jornalista Wladimir Herzog (1975) e do metalúrgico Manoel Fiel Filho (1976) nas dependências do DOI-CODI (Departamento de Operações e Informações e Centro de Operações de Defesa Interna) aumentaram a indisposição popular contra a autocracia militar. O general comandante da região de São Paulo foi substituído e o AI-5, revogado (janeiro/79). A atenuação do regime veio acompanhada da anistia geral e da extinção do bipartidarismo. Sucederam-se greves. Os operários paulistas faziam manifestações em estádios de futebol e defronte a portões de fábricas; organizaram-se e fundaram o Partido dos Trabalhadores com apoio da Igreja Católica e de intelectuais (1980). As autocracias no continente americano perderam serventia para o governo dos EUA. Apesar disto, a extrema direita no Brasil reagia à distensão política que seria concluída no governo Figueiredo (1980 a 1985). Instituições defensoras da democracia como a Ordem dos Advogados do Brasil (RJ), Associação Brasileira de Imprensa (RJ) e Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (SP) sofreram atentados à bomba. No Riocentro (espaço da Zona Oeste do Rio de Janeiro) multidão assistia a espetáculo artístico quando bomba explode no interior de automóvel ocupado por terroristas do Exército. O acidente frustrou o plano dos extremistas que pretendiam culpar os opositores pela explosão e endurecer novamente o regime político (1982).
O movimento denominado Diretas Já que pleiteava eleições diretas para a presidência da república obteve apoio da população urbana e realizou passeata e comício de centenas de milhares de pessoas no Rio de Janeiro (1984). O Congresso Nacional rejeitou esse pleito, mas aprovou emenda à Constituição que atribuía poder constituinte aos parlamentares eleitos em 1986 (EC 26/85). Era o crepúsculo da quarta república (1964 a 1985). O candidato da oposição, Tancredo Neves, vence a eleição indireta à presidência da república para o mandato de 1986 a 1991. Dissidentes da base governista aliados à oposição indicam José Sarney para vice-presidente. Tancredo morre antes da posse (1985). Sarney assume a presidência e convoca assembléia constituinte. Era o alvorecer da quinta república brasileira.
A Assembléia Nacional Constituinte (ANC) reuniu-se em 11/02/1987 e encerrou seus trabalhos em 05/10/1988, com todas as correntes políticas representadas, da extrema direita à extrema esquerda; funcionou com duas comissões genéricas (sistematização e redação) e várias comissões temáticas. Depois de aprovado, o texto foi modificado por alguns deputados em eclesial gabinete e promulgado sem que retornasse ao plenário da ANC para debate e votação dos pares (confissão do deputado constituinte Nelson Jobim quando ministro do Supremo Tribunal Federal). O texto obedece à técnica de elaboração legislativa. O conteúdo vem assim distribuído: preâmbulo, princípios, objetivos, declaração de direitos, regras de organização e disposições gerais. A matéria é dividida em títulos, capítulos, seções, subseções, artigos, parágrafos, incisos e alíneas. Alguns dos 250 artigos foram desdobrados com acréscimos de letras. A censura ao tipo analítico da Constituição brasileira e o elogio ao tipo sintético da Constituição dos EUA merecem tempero. Os artigos desta última correspondem a capítulos da brasileira. Os sete artigos da Constituição estadunidense equivalem a sete capítulos da Constituição brasileira. Incluídas as emendas de 1789, o texto da Constituição estadunidense seria de 77 artigos se adotada a técnica legislativa brasileira.
No preâmbulo, o legislador constituinte expôs os valores essenciais da civilização brasileira que devem orientar a interpretação e aplicação das normas jurídicas. No título primeiro, o legislador lançou os princípios e objetivos fundamentais do Estado brasileiro, pilares da vida política, econômica e social da nação, que informam o ordenamento jurídico e condicionam a atividade legislativa, administrativa e judiciária. O título segundo garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade. Tais direitos são desdobrados em 78 incisos. Na história constitucional do Brasil, esta foi a primeira vez que a declaração de direitos antecedeu a organização do Estado, a indicar precedência da liberdade em face da autoridade, reflexo do espírito de reconstrução democrática que animava a ANC.
Nos títulos terceiro e quarto desenha-se o modelo federativo de Estado, traça-se a organização dos poderes e se reconhece como essenciais à Justiça: o ministério público, a defensoria pública, advocacia pública (consultora e assessora do Poder Executivo), advocacia privada e a inviolabilidade do advogado no exercício da profissão. Nos títulos quinto e sexto vêm disciplinados: (1) estado de defesa, para preservar ou restabelecer a ordem pública ou a paz social; (2) estado de sítio, para atender os casos de comoção grave, de declaração de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira; (3) forças armadas, destinadas à defesa da pátria, da lei e da ordem e a garantir os poderes constitucionais; (4) segurança pública, organizada para preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio; (5) sistema tributário nacional, finanças públicas, plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual e competência exclusiva do Banco Central para emitir moeda.
Nos títulos sétimo e oitavo o legislador constituinte articulou: (1) a ordem econômica e financeira, lançando os princípios gerais da atividade econômica, da política urbana e rural e do sistema financeiro nacional; (2) a ordem social estruturada em princípios e regras sobre meio ambiente, comunicação, ciência, tecnologia, seguridade, educação, cultura, desporto, família, criança, adolescente, idoso e índio. O título nono foi reservado às disposições gerais sobre: (1) criação de novos Estados; (2) serviços notariais e de registro; (3) fiscalização e controle do comércio exterior; (4) venda e revenda de combustíveis; (5) expropriação de glebas por cultivo de plantas psicotrópicas; (6) adequação aos deficientes: dos logradouros públicos, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo; (7) assistência aos herdeiros e dependentes carentes das vítimas de crime doloso; (8) PIS, PASEP.
Em apenso à Constituição, o legislador constituinte promulgou o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) com as seguintes decisões: (1) anistiou os atingidos por atos de exceção no regime anterior, restabeleceu os respectivos direitos com efeito retroativo, reconheceu direito à reparação econômica aos cidadãos que foram impedidos de exercer na vida civil atividade profissional específica; (2) assegurou direitos aos ex-combatentes que participaram de operações bélicas durante a segunda guerra mundial, aos seringueiros e às comunidades dos quilombos; (3) assinou prazo para: (I) Estados e municípios votarem suas Constituições e leis orgânicas, adequando-se à Constituição Federal; (II) entrada em vigor do novo sistema tributário; (III) elaboração do código de defesa do consumidor; (IV) demarcação das terras indígenas; (4) criou o Estado do Tocantins e o integrou à Região Norte, transformou em Estados federados os territórios de Roraima e Amapá e reintegrou o território federal de Fernando de Noronha ao Estado de Pernambuco; (5) permitiu o parcelamento e a cessão dos créditos de precatórios judiciais, orientou a regulamentação dos fundos de participação, das alíquotas de tributos e da distribuição da arrecadação; limitou os gastos com pessoal; manteve as concessões de serviços públicos de telecomunicações e a Zona Franca de Manaus; (6) criou os fundos: (I) de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério; (II) Social de Emergência (a vigorar de 1994 a 1999, para sanear finanças e estabilizar a economia); (III) de Combate e Erradicação da Pobreza (a vigorar até 2010); (7) estabeleceu normas sobre: (I) Poder Judiciário e Ministério Público; (II) lavra de minerais, jazidas; (III) irrigação e política agrícola; (IV) doações, vendas e concessões de terras públicas com área superior a três mil hectares; (V) serviço nacional de aprendizagem rural; (VI) previdência social; (VII) contribuição relativa às operações financeiras.

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