sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO XXII


Sofismas são utilizados para escapar às decisões do povo tomadas em plebiscito, referendo ou iniciativa de lei. Os argumentos falaciosos mais freqüentes são: (i) as consultas (plebiscito e referendo) e os projetos de lei vindos do povo servem apenas para orientar os governantes, não criam obrigação alguma; (ii) o Congresso Nacional exerce a soberania constituída, por isto é livre para dispor como bem lhe parecer, inclusive contra o resultado das consultas populares. Estes argumentos afrontam a essência da democracia: todo poder emana do povo. A soberania é do povo e não dos seus representantes. Parlamentares, chefes de governo e magistrados exercem a soberania em nome do povo. O resultado da consulta é uma decisão do povo e não mera opinião ou sugestão que o representante pode aceitar ou rejeitar ao seu talante. Tal decisão advém do exercício direto da soberania popular, por isso mesmo, obriga governantes e governados enquanto vigorar o regime democrático. O voto é o veículo da decisão. No plebiscito e no referendo o povo escolhe a solução que lhe parece melhor; não opina, nem sugere; vota. Nas ruas, praças e bairros das cidades brasileiras nos meses de junho e julho de 2013 o povo clamava por mudança nos costumes políticos, na mentalidade e na atuação geral dos órgãos públicos e em especial dos governantes lato sensu (parlamentares, presidentes, magistrados). A mensagem indicava impaciência com os paliativos, as safadezas, o engodo. A massa popular estava a exigir providências sem delongas e sem disfarces e uma efetiva e autêntica representação política. Sem assembléia constituinte ou sem renovar o Congresso Nacional através de eleições e candidaturas avulsas de gente bem qualificada do ponto de vista moral e intelectual, as mudanças serão ilusórias.
Nesse clima conturbado e de expectativas sociais e políticas, o Papa visita o Brasil (julho, 2013). Multidões o aclamam. Jovens de vários países se confraternizam sob um lacrimejante céu carioca. O cenário foi composto pela praia de Copacabana, “princesinha do mar”, obra da natureza e pela estátua do Cristo Redentor, obra humana. O mundo assiste a um espetáculo de fé religiosa do povo e de sagacidade política da Igreja de Roma. O Vaticano tenta limpar a nódoa dos crimes financeiros e sexuais praticados pelo clero e que agravam a dificuldade de inculcar nas novas gerações as falsidades contidas na Bíblia e as mentiras da catequese. Se esse livro falacioso fosse a “palavra de Deus” como se apregoa maliciosa e cinicamente, então Deus seria um baita enganador à imagem e semelhança dos autores que redigiram o texto bíblico a partir de 398 a.C. A igreja não consegue ocultar o propósito de iludir e dominar as massas, de manter a riqueza e o poder. Traça, então, nova estratégia para não perder adeptos e conquistar novas cabeças e aumentar o rebanho e o tesouro. Essa estratégia inclui: (i) trocar um papa de aparência nazista por um papa de aparência franciscana; (ii) adotar discurso em favor dos pobres; (iii) seduzir os jovens (a igreja dispõe de peritos e cantores).      
Nações se alarmam com a espionagem dos EUA denunciada por indivíduo que prestava serviço no setor de segurança nacional (julho, 2013). A presidente Dilma pede explicações ao governo estadunidense. Aos seus auxiliares, ela solicita estudos visando a reduzir os riscos de invasão à privacidade dos usuários públicos e particulares da rede de computadores no Brasil. Ouviram-se veementes protestos no Congresso Nacional. O teatral esbravejar dos parlamentares brasileiros é manifestação de hipocrisia. Eles fizeram pior do que o governo estadunidense: permitiram que pessoa jurídica (integrada por brasileiros e estrangeiros) fosse proprietária de empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens; permitiram entrada de capital estrangeiro nessas empresas. Parcela da população sem juízo crítico, segue o padrão transmitido por rádio, televisão e rede de computadores, arquitetado por estrangeiros donos dos meios de comunicação. A fim de salvaguardar a soberania, os valores e a cultura da nação brasileira, as constituições republicanas proibiam aos estrangeiros a propriedade dessas empresas e a participação de pessoa jurídica no capital social. Moedas romperam essa tradição em 2002 (EC 36 + lei 10.610). Daí, a colonização cultural; daí, o filtro do noticiário sempre favorável ao governo dos EUA e de Israel e desfavorável aos seus adversários ou inimigos; daí, a exibição maciça de filmes enaltecendo esses governos e lembrando o holocausto dos judeus para eternizar a falsa imagem de únicas vítimas e justificar o genocídio que praticam contra os palestinos; daí, entrevistas, reportagens e documentários tendenciosos; daí, a alusão pejorativa aos governos que não gozam da simpatia dos EUA e Israel (Bolívia, Coréia do Norte, Cuba, Irã, Venezuela); daí, a falta de isenção e de honestidade nas transmissões, a deturpação na linguagem de comentaristas e apresentadores (quem era tratado de “presidente” quando satisfazia interesses dos EUA e de Israel, passa a ser tratado de “ditador” quando não mais os satisfaz; defensor dos interesses contrários aos dos EUA e de Israel é “terrorista”, e assim por diante).
O legislador constituinte dotou o Poder Judiciário de autonomia administrativa e financeira, estruturou-o com tribunais e juízes federais, estaduais, eleitorais, trabalhistas e militares e manteve as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade dos subsídios dos magistrados. Aos juízes e tribunais compete o controle da constitucionalidade e da legalidade dos atos do poder público, conhecer e solucionar controvérsias à luz do direito. Aos tribunais cabe administrar a sua economia interna e tomar a iniciativa das leis nos casos especificados na Constituição. O supremo tribunal pode elaborar súmula de efeito vinculante sobre matéria objeto de reiteradas decisões. Na hipótese de violação grave dos direitos humanos, a competência da Justiça Estadual poderá ser deslocada para a Justiça Federal a pedido do Procurador-Geral da República. Aos juizados especiais compete processar causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo. Mediante emenda à Constituição, o legislador ordinário instituiu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), antes rejeitado pelo legislador constituinte. Compete ao CNJ o controle da atuação administrativa e financeira dos tribunais e a fiscalização da conduta funcional dos magistrados (juízes, desembargadores, ministros). Cogita-se a extinção do privilégio de foro. A Constituição exige: (1) do Poder Judiciário: julgamentos públicos, decisões fundamentadas, atividade ininterrupta, imediata distribuição dos processos, número de juízes proporcional à demanda e à população da unidade jurisdicional; (2) do juiz: produtividade, aperfeiçoamento, residência na comarca, abstenção política partidária, dedicação exclusiva à função judicante, quarentena antes de retornar à advocacia junto ao juízo ou tribunal do qual se afastou.
Em 24 anos de vigência (1988 a 2012) a Constituição recebeu 77 emendas (6 de revisão e 71 de reforma). Idéias e pretensões vencidas na assembléia constituinte foram posteriormente incorporadas ao ordenamento jurídico quando os seus defensores ocuparam o Legislativo e o Executivo. Amoldaram a Constituição ao neoliberalismo. As emendas alteraram: (I) os sistemas previdenciário, tributário, financeiro, do ensino e da administração pública; (II) as regras atinentes aos juros, medidas provisórias, contribuições de intervenção no domínio econômico, reunião do Congresso Nacional e contratação de agentes comunitários de saúde e combate às endemias; autorizaram: (I) instauração de ação penal contra parlamentar sem prévia licença da Casa; (II) reeleição do chefe de governo; (III) participação de pessoas jurídicas no capital social de empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens; (IV) admissão de professores, técnicos e cientistas estrangeiros nas universidades; criaram: (I) o Ministério da Defesa; (II) o Plano Nacional de Cultura; (III) juizados especiais na Justiça Federal; reformaram o Poder Judiciário; favoreceram as pequenas empresas, concederam autonomia às instituições de pesquisa científica, estabeleceram limites às despesas de câmara municipal, criaram contribuição para custeio do serviço municipal de iluminação, elevaram o quantitativo de recursos a ser entregue pela União ao Fundo de Participação dos Municípios, desvincularam as candidaturas e outorgaram aos partidos liberdade de escolha das coligações, garantiram o registro nos consulados de brasileiros nascidos no exterior. Inúmeras emendas regulam a si próprias quando tal regulamentação é matéria de lei complementar e exige participação do presidente da república (sanção, promulgação, publicação). Ao subtraírem da sanção presidencial os preceitos reguladores, os parlamentares abusaram do seu poder e desvirtuaram o processo de emenda.

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