sexta-feira, 12 de julho de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO XII


O legislador constituinte de 1946 listou como direitos fundamentais a vida, a liberdade, a segurança individual e a propriedade. A discriminação desses direitos seguiu o modelo liberal, com restrições à propriedade. No estado de sítio, as garantias seriam suspensas. Além do tradicional habeas corpus, foi incluído, com nova redação, o mandado de segurança que constava do item 33, do artigo 113, da Constituição de 1934. Do corpo eleitoral estavam excluídos os menores de 18 anos, os soldados, cabos e sargentos, os analfabetos, os que não soubessem exprimir-se na língua nacional e os que estivessem privados dos direitos políticos. A Constituição silenciou sobre os mendigos, estabeleceu o sufrágio universal, o voto masculino e feminino direto, secreto e obrigatório, e vedou a organização de partido político ou associação cujo programa ou ação contrariasse o regime democrático baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos. Esta vedação serviu de esteio à decisão do Tribunal Superior Eleitoral que cassou o registro do Partido Comunista Brasileiro em 1947.
Ao disciplinar a ordem econômica e social essa Constituição atribuiu função social à propriedade. Além da necessidade e da utilidade pública, incluiu o interesse social como razão suficiente à desapropriação pelo poder público. Condicionou o uso da propriedade ao bem-estar social. A lei poderia promover a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos. Inspiradora da redução das desigualdades artificiais, conciliadora entre a liberdade de iniciativa e a valorização do trabalho humano, a justiça social foi erigida em princípio fundamental da ordem econômica. O trabalho era obrigação social. A lei das contravenções penais tipificou como vadiagem a ociosidade sem renda de subsistência de quem é apto para o trabalho (rico ocioso é capitalista; pobre ocioso é vadio). Assegurava-se a todos o que possibilitasse existência digna na esfera do lícito. A política estatizante do regime anterior foi refreada. Permitia-se a intervenção do Estado no domínio econômico por interesse público e no limite dos direitos assegurados na Constituição. Salvo necessidade pública, a navegação de cabotagem para transporte de mercadorias era privativa dos navios nacionais. A lei devia reprimir o abuso do poder econômico, inclusive uniões e agrupamentos de empresas individuais ou sociais (qualquer que fosse a sua natureza) que tivessem por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar excessivamente os lucros. O legislador constituinte remeteu ao legislador ordinário a disciplina jurídica: (1) dos bancos de depósito; (2) das empresas de seguros, capitalização e fins análogos; (3) das empresas concessionárias de serviços públicos. O amparo à lavoura e à pecuária dar-se-ia mediante crédito específico. A fixação do homem no campo obedeceria aos planos de colonização e de aproveitamento das terras públicas. Dar-se-ia preferência à aquisição de até 100 hectares aos posseiros de terras devolutas que nelas tivessem a sua morada habitual.
Os preceitos sobre trabalho e previdência social traziam algumas novidades, tais como: (1) inclusão da greve entre os direitos dos trabalhadores; (2) o salário mínimo devia suprir as necessidades normais da família ao invés das necessidades do trabalhador individualmente considerado; (3) participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa; (4) higiene e segurança do trabalho; (5) assistência aos desempregados; (6) seguro por conta do empregador a fim de proteger o trabalhador em caso de acidente no trabalho; (7) existência prévia de fonte de custeio como conditio sine qua non para criação, majoração ou extensão de serviço assistencial ou de benefício compreendido na previdência social. Os preceitos sobre família, educação e cultura assemelham-se aos do regime anterior: (1) vínculo indissolúvel do casamento e efeitos civis do casamento religioso; (2) assistência obrigatória à maternidade, à infância, à adolescência e amparo às famílias de prole numerosa; (3) vocação para suceder em bens de estrangeiro existentes no Brasil, tutelada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou de filhos brasileiros, sempre que lhes não fosse mais favorável lei nacional do morto. A educação seria dada no lar e na escola inspirada no princípio da liberdade e no ideal de solidariedade humana. O ensino era livre à iniciativa particular. O ensino oficial ulterior ao nível primário seria gratuito a todos que provassem insuficiência de recursos. As empresas industriais, comerciais e agrícolas com mais de 100 pessoas eram obrigadas a manter ensino primário gratuito para empregados e filhos. As empresas industriais e comerciais eram obrigadas a ministrar aprendizagem aos seus trabalhadores menores de idade, respeitados os direitos dos professores. O provimento das cátedras no ensino oficial secundário e superior dar-se-ia após aprovação em concurso de provas e títulos; os cargos assim preenchidos seriam vitalícios. Cada sistema de ensino teria serviços de assistência educacional que assegurassem aos alunos necessitados condições de eficiência escolar. O amparo à cultura era dever do Estado. Ciências, artes e letras eram livres. A lei criaria institutos de pesquisa junto aos estabelecimentos de ensino superior preferencialmente.
O processo de industrialização continuou como decorrência da substituição das importações; diversificou-se a partir de 1950. A classe empresarial aderiu ao capital estrangeiro e à política desenvolvimentista que mantinha a dependência tecnológica e financeira do Brasil em relação aos EUA. A falta de emprego e de boas condições de vida nas regiões de origem provocou a migração de trabalhadores nortistas e nordestinos para a região sudeste. O fluxo excedeu a capacidade de absorção da economia urbana; formaram-se favelas e cortiços; agravaram-se os problemas urbanos de São Paulo e Rio de Janeiro. Pleito por aumento salarial e pela redução do custo de vida motivou inúmeras greves de operários (em São Paulo, 1953, uma delas durou quase um mês, com centenas de milhares de operários de braços cruzados). O governo Dutra fundou a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, construiu a usina de Paulo Afonso e as refinarias de Cubatão e Mataripe e organizou a Frota Nacional de Petroleiros. Para evitar inflação, Dutra discordava de qualquer aumento salarial. Eleito para o qüinqüênio 1951 a 1955, Getúlio Vargas aumentou em 100% o salário mínimo; baixou normas sobre economia popular, comissão parlamentar de inquérito e corrupção de menores; fundou a Petrobrás, a Eletrobrás e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico; investiu em setores básicos da economia (energia, siderurgia, construção naval). Com pertinácia, buscou a emancipação nacional e a ascensão dos trabalhadores. A queda no preço do café diminuiu a receita oriunda do exterior (1953). Vargas liberou as importações, a entrada e saída de capitais, facilitou o crédito à indústria mediante baixas taxas de juro; a dívida externa chegou à casa dos 600 milhões de dólares.
A imprensa oposicionista (Tribuna da Imprensa, Estado de São Paulo, Globo) denunciava corrupção em negócios do governo e alardeava suposto golpe de Estado. Gregório Fortunato, chefe da segurança pessoal do presidente, toma as dores de Getúlio e planeja o assassinato de Carlos Lacerda, dono do jornal Tribuna da Imprensa. O pistoleiro contratado erra o alvo e acerta Rubens Vaz, major da Aeronáutica que acompanhava o jornalista. Os militares reagiram vigorosamente e instauraram inquérito. Os oposicionistas não perderam a chance: exigiram a renúncia de Getúlio. O presidente lavrou depoimento em que denunciava as forças adversas aos interesses do povo, a campanha subterrânea de grupos internacionais aliados a grupos nacionais contrários às garantias do trabalho, à lei dos lucros extraordinários e às empresas públicas como Petrobrás e Eletrobrás. Getúlio Vargas encerra a carta testamento dizendo que saía da vida para entrar na História (24/08/1953). O suicídio de Vargas comoveu o povo e provocou greves, invasão da embaixada dos EUA, empastelamento do jornal O Globo e retração dos oposicionistas. O vice-presidente Café Filho assumiu a presidência como permitia a Constituição. (Em reportagem de emissora de TV em 2013, a vedete Virginia Lane afirma ter presenciado o assassinato do presidente, de quem fora amante; contesta a versão do suicídio e a autenticidade da carta testamento).

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