quarta-feira, 17 de julho de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO XIV



Civis e militares instruídos e financiados pelo governo dos EUA conspiravam há algum tempo para expulsar João Goulart (JG) do governo. Na Associação dos Sargentos da Polícia Militar do Rio de Janeiro, JG faz um veemente discurso criticando os conspiradores e estimulando a quebra da hierarquia nas forças armadas (30/03/64). A reação foi imediata. De Juiz de Fora (MG) o general Olímpio Mourão Filho se dirige ao Rio de Janeiro com suas tropas para restabelecer a hierarquia e prender o presidente. JG viaja do Rio a Brasília e de lá para Porto Alegre (RS), discorda de qualquer resistência armada e cruza a fronteira com o Uruguai. As rédeas do governo passam às mãos dos militares com o aplauso de uma parcela do povo e a perplexidade da outra (1º/04/64). O presidente da Câmara dos Deputados assume o governo sob a tutela do Comando Supremo da Revolução. A terceira república chegava ao fim (1946 a 1964). A Constituição havia recebido seis emendas em 17 anos de existência (1946 a 1963) quando começa a ser retalhada: quinze emendas, quatro atos institucionais e trinta atos complementares em apenas dois anos (1964 a 1966). Dores do parto da quarta república. Os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica alteram a Constituição de 1946 mediante Ato Institucional (AI 1/64) e ampliam os poderes do presidente da república. Passa a vigorar a doutrina da segurança nacional importada da Escola das Américas do governo estadunidense. Segundo essa doutrina, encampada pela Escola Superior de Guerra, a defesa da pátria inclui o combate aos inimigos internos (cidadãos opositores ao regime qualificados de subversivos). Além da esfera militar, essa doutrina se difunde no meio civil (empresariado, lideranças políticas, instituições como o ministério público e a magistratura). A autocracia militar tinha por lema segurança e desenvolvimento à semelhança do lema positivista da bandeira nacional (ordem e progresso). Os militares exerceram o poder constituinte de modo permanente. Montaram um Estado que provocou sérias dificuldades aos políticos e intelectuais de esquerda e ao exercício dos direitos à vida, à liberdade e à segurança individual. Civis, militares e religiosos contrários ao novo regime perderam direitos, foram presos, torturados, exilados ou mortos. A energia da nação destinava-se a nutrir e fortalecer o poder nacional cujo exercício cabia ao círculo militar. O governo autocrático ditava as regras e a elas se sobrepunha. A obediência cabia aos súditos e não aos governantes.
O Congresso Nacional endossou os nomes do general Humberto de Alencar Castello Branco e do deputado José Maria Alckmin para os cargos de presidente e vice-presidente da república (11/04/64). O general apresentou projeto de lei magna que institucionalizava os princípios e propósitos da autocracia militar. Convocado pelo AI 4/66, o Congresso Nacional, embora sem poder constituinte e sem liberdade, aprovou e promulgou aquele projeto como nova lei fundamental do Estado (24/01/67). No plano formal, a Carta de 1967 manteve o princípio da separação de poderes e a declaração de direitos. Do posto de vista substancial, a primazia era da segurança nacional sobre todos os interesses públicos e privados. Toda pessoa natural ou jurídica era responsável pela segurança nacional o que estimulava a delação e ensejava enquadramento de qualquer pessoa na lei marcial. Os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução foram aprovados pela Carta e excluídos da apreciação judicial. O presidente da república era eleito por um colégio eleitoral para mandato de cinco anos. Esse colégio era composto pelo Congresso Nacional e por delegados das assembléias legislativas. O colégio para escolha de governador de Estado era composto pela Assembléia Legislativa e por delegados das câmaras municipais. Cabia ao legislador ordinário regular a organização, o funcionamento e a extinção dos partidos políticos, respeitada a democracia representativa (da democracia direta não se cogitou, pois os golpistas menosprezavam o povo e reprimiam a “baderna”). A pluralidade de partidos políticos e a garantia dos direitos fundamentais do homem e do cidadão eram anunciadas como base da nova organização política. Permitia-se apenas partido de âmbito nacional sujeito à fiscalização financeira e à disciplina partidária, proibida a coligação. O partido adquiria: (1) personalidade jurídica ao registrar seus estatutos; (2) legitimidade ao atuar dentro do programa aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral, sem vinculação com ação de governos, entidades ou partidos estrangeiros.
Na organização do Poder Judiciário entraram os tribunais e juízes federais. A Justiça Estadual foi incluída no Poder Judiciário da União como órgão da Justiça Nacional. A homogeneidade política e ideológica imposta à nação por governo ditatorial avesso ao pluralismo responde por esse caráter nacional imprimido à magistratura e ao judiciário estadual. Os magistrados estaduais ficaram submetidos ao governo central através da criação de um Conselho da Magistratura Nacional. O governo militar fez do Brasil um Estado unitário; democracia e federação eram fachadas. Os civis estavam sujeitos à jurisdição militar. Os juizes eram removíveis no interesse público e perdiam o cargo por sentença judicial ou por aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade. Nacionalidade, direitos políticos, partidos políticos, direitos individuais e estado de sítio integravam a declaração de direitos. A ordem econômica e social era disciplinada em título específico. Na lista dos direitos e garantias (para inglês ver) constavam os direitos à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. A autoridade devia ser comunicada previamente de qualquer reunião; espetáculos e diversões públicas sujeitos à censura; propaganda de guerra, subversão da ordem e preconceito de raça ou classe não eram tolerados. No estado de guerra admitia-se pena de morte, prisão perpétua, banimento e confisco. As autoridades deviam respeitar a integridade física e moral do preso (isto não impediu torturas e assassinatos nas prisões). Vedada a prisão civil por dívida, salvo os casos do inadimplente de pensão alimentícia e do depositário infiel (a figura da alienação fiduciária transformava o comprador em depositário do bem adquirido e o sujeitava à prisão).
A Carta de 1967 vedou a propriedade e administração de empresas jornalísticas (emissoras de rádio e televisão inclusive) a estrangeiros, a sociedades por ações ao portador e a sociedades que tivessem estrangeiros ou pessoas jurídicas como acionistas ou sócios. Aos brasileiros natos cabia exclusivamente a responsabilidade pela orientação intelectual e administrativa dessas empresas. O estado de sítio suspendia a vigência dos direitos e garantias. O presidente da república podia expedir decretos-leis sobre segurança nacional e finanças públicas, tomar medidas legais a fim de preservar a integridade e a independência do país e o livre funcionamento dos poderes da república e das instituições quando ameaçados pela subversão ou corrupção. O AI-5 de 13 de dezembro de 1968, resposta do governo ao movimento estudantil e aos distúrbios contra o regime, atribuiu poderes ao presidente da república para suspender direitos e garantias individuais, para confiscar bens, decretar o recesso das casas legislativas, o estado de sítio e a intervenção nos Estados e municípios.
Deputado ocupa a tribuna da Câmara e sugere às esposas e companheiras dos militares que se neguem a manter relações sexuais enquanto eles defenderem a ditadura. As forças armadas consideraram isto um insulto. A Câmara dos Deputados negou licença para que o orador fosse processado judicialmente. A borrasca veio sem tardança. O presidente da república fechou o Congresso Nacional e endureceu a repressão. A organização denominada Comando de Caça aos Comunistas aterrorizou o país. Até outubro de 1969 foram baixados 12 atos institucionais e 21 atos complementares. O presidente Arthur da Costa e Silva adoeceu e ficou inabilitado para o cargo. Pedro Aleixo foi impedido de assumir, apesar de vice-presidente (o aparelho militar recusava civil na presidência). Os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica formaram uma junta governativa composta por eles próprios (AI-12/69); expediram o AI-16/69 declarando vagos os cargos de presidente e vice-presidente da república; promulgaram uma nova Carta (EC 1/69); escolheram o general Emílio Garrastazu Médici para presidir a república no período de 1970 a 1974. Auge da repressão. No qüinqüênio seguinte (1975 a 1979) o general Ernesto Geisel decretou o recesso do Congresso Nacional, aumentou para seis anos o mandato presidencial, criou a figura do senador biônico (apelido alusivo a um herói de filme de TV) e reformou o Poder Judiciário.

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