Civis
e militares instruídos e financiados pelo governo dos EUA conspiravam há algum
tempo para expulsar João Goulart (JG) do governo. Na Associação dos Sargentos
da Polícia Militar do Rio de Janeiro, JG faz um veemente discurso criticando os
conspiradores e estimulando a quebra da hierarquia nas forças armadas
(30/03/64). A reação foi imediata. De Juiz de Fora (MG) o general Olímpio
Mourão Filho se dirige ao Rio de Janeiro com suas tropas para restabelecer a
hierarquia e prender o presidente. JG viaja do Rio a Brasília e de lá para
Porto Alegre (RS), discorda de qualquer resistência armada e cruza a fronteira
com o Uruguai. As rédeas do governo passam às mãos dos militares com o aplauso
de uma parcela do povo e a perplexidade da outra (1º/04/64). O presidente da
Câmara dos Deputados assume o governo sob a tutela do Comando Supremo da
Revolução. A terceira república chegava ao fim (1946 a 1964). A Constituição
havia recebido seis emendas em 17 anos de existência (1946 a 1963) quando começa a
ser retalhada: quinze emendas, quatro atos institucionais e trinta atos
complementares em apenas dois anos (1964 a 1966). Dores do parto da quarta
república. Os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica alteram a
Constituição de 1946 mediante Ato Institucional (AI 1/64) e ampliam os poderes
do presidente da república. Passa a vigorar a doutrina da segurança nacional
importada da Escola das Américas do governo estadunidense. Segundo essa
doutrina, encampada pela Escola Superior de Guerra, a defesa da pátria inclui o
combate aos inimigos internos (cidadãos opositores ao regime qualificados de subversivos). Além da esfera militar,
essa doutrina se difunde no meio civil (empresariado, lideranças políticas,
instituições como o ministério público e a magistratura). A autocracia militar
tinha por lema segurança e desenvolvimento à semelhança do lema
positivista da bandeira nacional (ordem e progresso). Os militares exerceram o poder
constituinte de modo permanente. Montaram um Estado que provocou sérias
dificuldades aos políticos e intelectuais de esquerda e ao exercício dos
direitos à vida, à liberdade e à segurança individual. Civis, militares e
religiosos contrários ao novo regime perderam direitos, foram presos,
torturados, exilados ou mortos. A energia da nação destinava-se a nutrir e
fortalecer o poder nacional cujo exercício cabia ao círculo militar. O
governo autocrático ditava as regras e a elas se sobrepunha. A obediência cabia
aos súditos e não aos governantes.
O Congresso
Nacional endossou os nomes do general Humberto de Alencar Castello Branco e do
deputado José Maria Alckmin para os cargos de presidente e vice-presidente da república
(11/04/64). O general apresentou projeto de lei magna que institucionalizava os
princípios e propósitos da autocracia militar. Convocado pelo AI 4/66, o
Congresso Nacional, embora sem poder constituinte e sem liberdade, aprovou e
promulgou aquele projeto como nova lei fundamental do Estado (24/01/67). No
plano formal, a Carta de 1967 manteve o princípio da separação de poderes e a declaração
de direitos. Do posto de vista substancial, a primazia era da segurança
nacional sobre todos os interesses públicos e privados. Toda pessoa natural ou
jurídica era responsável pela segurança nacional o que estimulava a delação e
ensejava enquadramento de qualquer pessoa na lei marcial. Os atos praticados
pelo Comando Supremo da Revolução foram aprovados pela Carta e excluídos da
apreciação judicial. O presidente da república era eleito por um colégio
eleitoral para mandato de cinco anos. Esse colégio era composto pelo Congresso
Nacional e por delegados das assembléias legislativas. O colégio para escolha
de governador de Estado era composto pela Assembléia Legislativa e por
delegados das câmaras municipais. Cabia ao legislador ordinário regular a organização,
o funcionamento e a extinção dos partidos políticos, respeitada a democracia
representativa (da democracia direta não se cogitou, pois os golpistas
menosprezavam o povo e reprimiam a “baderna”). A pluralidade de partidos
políticos e a garantia dos direitos fundamentais do homem e do cidadão eram
anunciadas como base da nova organização política. Permitia-se apenas partido
de âmbito nacional sujeito à fiscalização financeira e à disciplina partidária,
proibida a coligação. O partido adquiria: (1) personalidade jurídica ao
registrar seus estatutos; (2) legitimidade ao atuar dentro do programa aprovado
pelo Tribunal Superior Eleitoral, sem vinculação com ação de governos,
entidades ou partidos estrangeiros.
Na
organização do Poder Judiciário entraram os tribunais e juízes federais. A
Justiça Estadual foi incluída no Poder Judiciário da União como órgão da Justiça
Nacional. A homogeneidade política e ideológica imposta à nação por governo
ditatorial avesso ao pluralismo responde por esse caráter nacional
imprimido à magistratura e ao judiciário estadual. Os magistrados estaduais
ficaram submetidos ao governo central através da criação de um Conselho da
Magistratura Nacional. O governo militar fez do Brasil um Estado unitário; democracia
e federação eram fachadas. Os civis estavam sujeitos à jurisdição
militar. Os juizes eram removíveis no interesse público e perdiam o cargo por
sentença judicial ou por aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade.
Nacionalidade, direitos políticos, partidos políticos, direitos individuais e
estado de sítio integravam a declaração de direitos. A ordem econômica e social
era disciplinada em título específico. Na lista dos direitos e garantias (para inglês ver) constavam os direitos à
vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. A autoridade devia ser
comunicada previamente de qualquer reunião; espetáculos e diversões públicas
sujeitos à censura; propaganda de guerra, subversão da ordem e preconceito de
raça ou classe não eram tolerados. No estado de guerra admitia-se pena
de morte, prisão perpétua, banimento e confisco. As autoridades deviam
respeitar a integridade física e moral do preso (isto não impediu torturas e
assassinatos nas prisões). Vedada a prisão civil por dívida, salvo os casos do
inadimplente de pensão alimentícia e do depositário infiel (a figura da alienação
fiduciária transformava o comprador em depositário do bem adquirido e o
sujeitava à prisão).
A
Carta de 1967 vedou a propriedade e administração de empresas jornalísticas
(emissoras de rádio e televisão inclusive) a estrangeiros, a sociedades por
ações ao portador e a sociedades que tivessem estrangeiros ou pessoas jurídicas
como acionistas ou sócios. Aos brasileiros natos cabia exclusivamente a responsabilidade
pela orientação intelectual e administrativa dessas empresas. O estado de sítio
suspendia a vigência dos direitos e garantias. O presidente da república podia
expedir decretos-leis sobre segurança nacional e finanças públicas, tomar
medidas legais a fim de preservar a integridade e a independência do país e o
livre funcionamento dos poderes da república e das instituições quando
ameaçados pela subversão ou corrupção. O AI-5 de 13 de dezembro de 1968, resposta
do governo ao movimento estudantil e aos distúrbios contra o regime, atribuiu
poderes ao presidente da república para suspender direitos e garantias
individuais, para confiscar bens, decretar o recesso das casas legislativas, o
estado de sítio e a intervenção nos Estados e municípios.
Deputado ocupa a tribuna da Câmara e sugere às esposas
e companheiras dos militares que se neguem a manter relações sexuais enquanto
eles defenderem a ditadura. As forças armadas consideraram isto um insulto. A
Câmara dos Deputados negou licença para que o orador fosse processado
judicialmente. A borrasca veio sem tardança. O presidente da república fechou o
Congresso Nacional e endureceu a repressão. A organização denominada Comando
de Caça aos Comunistas aterrorizou o país. Até outubro de 1969 foram
baixados 12 atos institucionais e 21 atos complementares. O presidente Arthur
da Costa e Silva adoeceu e ficou inabilitado para o cargo. Pedro Aleixo foi
impedido de assumir, apesar de vice-presidente (o aparelho militar recusava
civil na presidência). Os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica
formaram uma junta governativa composta por eles próprios (AI-12/69); expediram
o AI-16/69 declarando vagos os cargos de presidente e vice-presidente da
república; promulgaram uma nova Carta (EC 1/69); escolheram o general Emílio
Garrastazu Médici para presidir a república no período de 1970 a 1974. Auge da repressão.
No qüinqüênio seguinte (1975
a 1979) o general Ernesto Geisel decretou o recesso do
Congresso Nacional, aumentou para seis anos o mandato presidencial, criou a
figura do senador biônico (apelido alusivo a um herói de filme de TV) e
reformou o Poder Judiciário.
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