A Carta de 1937 foi inspirada na lei
fundamental da Polônia de 1935.
Denomina-se “Carta” a lei fundamental de origem autocrática; documento
sem participação do destinatário (povo), como nas epístolas e nas cartas
régias. Denomina-se “Constituição” a lei fundamental de origem democrática;
documento do qual o destinatário participa direta ou indiretamente (através
de representantes eleitos). Quando vigora a
democracia, a Constituição é elaborada pelo próprio destinatário (povo). Getúlio
Vargas afirmou que a Carta era provisória e se destinava a propiciar uma
economia forte sem a qual nenhum país é livre. Almejava pacificar a política
interna e alcançar a união e a integração nacional. Pontos programáticos dos
integralistas constaram dessa Carta. Em relação ao regime anterior foram mantidos: a forma republicana federativa
de Estado, o sistema presidencialista de governo, a separação funcional dos poderes,
a declaração de direitos com restrições, as normas sobre família, educação,
cultura e economia, as leis compatíveis com o novo regime e os símbolos
nacionais; foram excluídos:
o Senado Federal, os órgãos de cooperação nas atividades governamentais, as
justiças federal e eleitoral e os símbolos estaduais e municipais; foram criados: o Parlamento Nacional (Câmara
dos Deputados + Conselho Federal) e o Conselho
de Economia Nacional (representantes da produção com paridade entre
empregados e empregadores designados pelos sindicatos e associações
profissionais).
O órgão de cúpula do Poder Judiciário (Corte Suprema) recebeu de volta o nome
antigo: Supremo Tribunal Federal. Juízes
e tribunais estavam proibidos de apreciar questões exclusivamente políticas. As
três garantias clássicas dos juízes constaram da Carta: vitaliciedade,
inamovibilidade e irredutibilidade dos vencimentos, reconhecidas como
indispensáveis à independência do julgador em relação aos poderes executivo e
legislativo; aposentadoria compulsória aos 68 anos de idade ou por invalidez; remoção
compulsória em virtude do interesse público por decisão de 2/3 dos juízes do
tribunal; vencimentos sujeitos aos impostos; controle da constitucionalidade e
legalidade dos atos do poder público.
Do corpo eleitoral foram excluídos os
analfabetos, os militares em serviço ativo, os mendigos e os que estivessem
privados dos direitos políticos. Foram assegurados os direitos à liberdade,
segurança individual e propriedade. O direito à subsistência foi tratado no
tópico sobre a família. Aos direitos de feição liberal havia restrições: (1) censura
prévia da imprensa, do teatro, do cinema e do rádio (ainda não havia
televisão); (2) proibição à circulação, difusão
e representação a critério da autoridade e no interesse da paz, da ordem e da
segurança pública; (3) pena de morte para delitos contra o Estado e para o
homicídio praticado por motivo fútil e com extremos de perversidade; (4)
exclusão da prisão disciplinar do âmbito do habeas corpus; (5) tribunal especial para o processo
e julgamento dos crimes contra o Estado e contra a economia popular; (6) exercício
dos direitos e garantias condicionado ao bem geral, à paz, à ordem e às
exigências de segurança da nação e do Estado.
Vargas defendia o Estado Novo
contra as investidas da parcela da aristocracia rural e urbana que pretendia (real
ou supostamente) restaurar as práticas da primeira
república. Os opositores sofriam perseguição implacável. No interesse do
serviço público ou por conveniência do regime, o presidente podia aposentar ou
reformar funcionários civis e militares (a seu exclusivo arbítrio, nos
60 dias após a promulgação da Carta). A camada
baixa da sociedade e os excluídos do corpo eleitoral pouco se importavam com as
restrições à liberdade política. Nas disposições transitórias e finais essa
Carta: (1) decretou o estado de emergência em todo o país; (2) previu plebiscito nacional para
confirmá-la, regulado mediante decreto do Presidente da República; (3) renovou o mandato do presidente em
exercício (Vargas) até a realização do plebiscito; (4) dissolveu os órgãos legislativos federais, estaduais e
municipais, cabendo ao Presidente da República marcar as eleições ao Parlamento
Nacional depois de realizado o plebiscito; (5) determinou que fosse constituído o Conselho da Economia
Nacional antes das eleições; (6)
autorizou o Presidente da República a expedir decretos-leis sobre matérias da
competência legislativa da União enquanto o Parlamento Nacional não se reunisse;
(8) recepcionou as leis compatíveis
com o novo regime.
O plebiscito nacional que submeteria a
Carta à apreciação do povo não se realizou {no jargão técnico, tratava-se
de referendo (consulta posterior ao
ato legislativo ou administrativo) e não de plebiscito
(consulta anterior ao ato legislativo ou administrativo)}. O Parlamento Nacional nunca se reuniu. O presidente
Vargas legislou durante o período em que se manteve no poder (1937 a 1945). O estado de emergência só acabou quando ele deixou
a presidência. A ordem econômica e social
reproduzia disposições da Constituição brasileira de 1934, da Carta do Trabalho
italiana e do programa da Ação Integralista Brasileira. Isto se nota dos
seguintes preceitos:
(1) a riqueza e a prosperidade nacional
fundam-se na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de
invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público;
(2) a intervenção do Estado no domínio
econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e
coordenar os fatores da produção de maneira a evitar ou resolver conflitos e
introduzir no jogo das competições individuais os interesses da nação que o
Estado representa (intervenção sob a forma de controle, de estímulo ou
de gestão direta);
(3) o trabalho é um dever social antes
de ser um direito individual; o trabalho honesto, como meio de subsistência do
indivíduo, é um direito de todos; o trabalho constitui um bem que cabe ao
Estado proteger; dos contratos coletivos de trabalho concluídos pelas
associações de empregadores, de trabalhadores e artistas, devem constar: a
remuneração, horário de trabalho, duração do vínculo e disciplina interna;
(4) a modalidade do salário deve ser a mais
apropriada às exigências do operário e da empresa; nas empresas de trabalho
contínuo, a mudança de proprietário não rescinde o contrato de trabalho; os
direitos do empregado em face do antigo proprietário são mantidos junto ao novo;
as associações de trabalhadores devem prestar aos associados assistência nas práticas
administrativas ou judiciais relativas aos seguros sociais e de acidente de
trabalho;
(5) o sindicato regularmente
reconhecido pelo Estado tem direito exclusivo de: (I) representar legalmente os
integrantes da respectiva categoria de produção; (II) defender os direitos dos
associados; (III) celebrar contratos coletivos de trabalho; (IV) estipular contribuições
aos associados; (V) exercer funções delegadas;
(6) a greve (paralisação do
trabalho) é nociva ao capital e o lockout (paralisação da empresa
por decisão do empresário) é nocivo ao trabalho;
ambos (greve e lockout) são incompatíveis com os interesses da produção
nacional; produção organizada em corporações representativas das forças do
trabalho nacional colocadas sob assistência e proteção do Estado; as
corporações são órgãos do Estado e exercem funções delegadas do poder público;
(7) usura punível, nacionalização da economia, terras
dos silvícolas inalienáveis, concessão de terras de área superior a dez mil
hectares só mediante autorização do Conselho Federal.
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