Durante
a guerra fria (1948 a
1991) as questões regionais, como a do sudeste asiático (Vietnã, Laos, Camboja,
Tailândia) e as locais, como a de Cuba, desassossegavam as nações ante a
probabilidade de um conflito generalizado e a expectativa do uso de artefatos
nucleares. As potências rivais (URSS x EUA) dispunham da bomba de hidrogênio e
de mísseis intercontinentais. O medo recíproco levou ao consenso de instalar
linha telefônica direta e exclusiva entre os gabinetes dos respectivos chefes
de governo. O propósito era evitar a hecatombe nuclear. Índia e Paquistão
produziram bomba atômica (1974). Na mesma época, Brasil e Argentina, com as
bênçãos do governo dos EUA, desistiram de fabricá-la.
Do ponto de vista secular, os laços da URSS afrouxaram a partir da Conferência sobre Segurança e Cooperação na
Europa, realizada em Helsinque em 1975, como parte da estratégia elaborada
por Washington e Moscou para congelar a guerra fria (détente). Leonid
Brejnev, na chefia da união soviética, insistira na realização dessa
conferência visando ao reconhecimento internacional das fronteiras entre os
países da Europa e colocar paradeiro nas intervenções armadas como as sofridas
pela Alemanha Oriental (1953), Hungria (1956) e Tchecoslováquia (1968). Brejnev
aceitou as cláusulas sobre direitos humanos que constaram da ata final da
reunião. Os dissidentes dos países da Europa Oriental se aproveitaram disto
para exigir do Kremlin coerência, unidade de princípios, liberdade e respeito
aos direitos humanos. Cresceu a pressão por autonomia até romper o vínculo
federativo. A má situação econômica da URSS contribuiu para tal desfecho (1981 a 1991).
Do ponto de vista espiritual, a derrocada da URSS tomou impulso com a visita do
Papa à Polônia em 1979. Brejnev tentou impedir a visita. O governo da Polônia
insistiu em receber o religioso, invocando o orgulho nacional: o Papa era
polonês! Brejnev lavou as mãos. Verdade o Papa não dispor de arsenal bélico, fato
que inspirou o motejo de Stalin nas conferências dos senhores do mundo em 1943
e 1945 (Teerã, Yalta e Potsdam). Todavia, há recursos mais poderosos do que
tanques e canhões (o próprio Stalin reconhecia isto na sua advertência
doutrinária de que as idéias são mais poderosas do que as armas). Karol
Wojtyla, polonês, ator, atleta, sacerdote, física, moral e espiritualmente
vigoroso, entra no território comunista, beija o solo e provoca um terremoto.
Multidões ouvem-no e cantam com entusiasmo em praça pública. João Paulo II coloca
Deus e Jesus acima de Marx e Lênin. A moralidade há de ser uma só nas esferas
individual, nacional e internacional, dizia o santo sacerdote em magistério
pontifical (santificado pela Igreja de Roma em 2013). O efeito mesmerizador de
palavras e gestos faz o povo sentir a presença divina e perder o medo. A onda
religiosa engolfa a Europa Oriental. No ano seguinte (1980) Lech Walesa,
polonês, católico, operário, em frente ao estaleiro Lênin, em Gdansk, anuncia a
fundação do primeiro sindicato livre em território comunista denominado Solidariedade
(Solidarnosc). No Brasil, naquele mesmo ano (1980), Luiz Inácio da
Silva, metalúrgico, lidera os operários e funda o Partido dos Trabalhadores com
apoio da Igreja Católica e dos intelectuais de esquerda. Ao contrário de
Walesa, Luiz Inácio esperaria 22 anos para chegar à presidência da república.
Contra
a ditadura instaurada no Brasil em 1964 pelos militares e apoiada por instituições
civis e religiosas, manifestaram-se estudantes, trabalhadores, intelectuais,
artistas, em passeatas, assembléias, missas, greves, produções artísticas de
protesto, distúrbio nas ruas, enfrentamento com a força policial. O governo reagia
prendendo pessoas, torturando, assassinando, cassando direitos,
invadindo domicílios, explodindo teatros, empastelando jornais. Veio a lume o
plano atribuído ao brigadeiro João Paulo Burnier (por ele negado), chefe de
gabinete do Ministro da Aeronáutica, para explodir o gasômetro do Rio de
Janeiro e a represa do Ribeirão das Lajes; lançar ao mar, desprovidos de
salva-vidas, líderes políticos e estudantis transportados de avião; matar civis
nos conflitos de rua.
A morte
de um estudante em março de 1968, no ataque da polícia militar ao Restaurante Calabouço, local de permanente
concentração estudantil contrária ao regime, emociona os cariocas e agita a
cidade. Informação de que os estudantes fariam passeata de protesto contra a
ditadura teria motivado o ataque. Pessoas comuns e pessoas representativas
compareceram ao velório do estudante na Assembléia Legislativa do Estado da
Guanabara, onde se ouviram inflamados discursos. Dezenas de milhares de pessoas
acompanharam o corpo do estudante pelas ruas até o cemitério. Os dias
posteriores ao sepultamento foram de arruaça e de luta com a polícia. Ao saírem
da matutina missa de 7º dia, na Igreja da Candelária, civis foram espancados
pela polícia. Seguiram-se batalhas campais no centro da cidade. Na Faculdade de
Economia da Praia Vermelha, em assembléia convocada pela UNE, estudantes extravasaram
descontentamento com o sistema de ensino. A polícia interveio. Nova peleja. Dois
meses depois, passeata de 100 mil pessoas aproximadamente, na Avenida Rio
Branco, no centro do Rio de Janeiro, autorizada pelo governador da Guanabara e
apoiada pela Igreja Católica, da qual participaram políticos, intelectuais,
artistas, estudantes e trabalhadores. Ao fim da passeata e para negociar com o
governo foi aclamada comissão de representantes composta de uma dona de casa,
um médico, um religioso e dois estudantes. A comissão reivindicou: (1) libertação
dos presos; (2) reabertura do Restaurante
Calabouço; (3) aumento das verbas e de vagas para o ensino superior público;
(4) reforma universitária com a participação dos estudantes. O Presidente da
República concordou desde que não houvesse mais passeatas. A comissão recusou a
proposta. Sem acordo, voltou-se à estaca zero.
Com
mandado judicial e sob a proteção de duas centenas de soldados da polícia
militar, agentes do DOPS (Departamento da Ordem Política e Social) invadiram a Universidade
de Brasília em agosto de 1968. Missão: prender cinco estudantes. Houve
resistência e bordoadas. Parlamentares que lá compareceram para apoiar os
estudantes foram espancados. Em
São Paulo, estudantes do Mackenzie (governistas) travaram
batalha contra estudantes da USP (oposicionistas) na Rua Maria Antônia. Houve
barricadas, tiros, bombas, rojões e coquetéis molotov (outubro, 1968). O
governo proibiu manifestações políticas no território nacional, limitou o
direito de reunião e a liberdade de comunicação e expressão, submeteu a
produção cultural à censura (músicas, peças de teatro, filmes, programas de
rádio e televisão, livros, jornais e revistas), reprimiu congresso da UNE em
Ibiúna, SP (outubro, 1968), prendeu centenas de estudantes e expediu o AI-5 (dezembro,
1968).
Alijado pelos militares, Carlos Lacerda buscou apoio
de Juscelino Kubitschek e João Goulart ao movimento em favor da democratização
do país denominado Frente Ampla integrado por políticos, estudantes e
trabalhadores. O Ministro da Justiça declarou ilegal o movimento. Grupos
armados promoveram guerrilha urbana, assaltaram bancos e seqüestraram pessoas
para trocar por presos políticos. Carlos Marighella (ex-deputado) comandava a
Aliança Libertadora Nacional (ALN) e Carlos Lamarca (ex-capitão do Exército)
comandava a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Em troca do embaixador dos
EUA seqüestrado pela ALN coadjuvada pelo Movimento Revolucionário “8 de Outubro”
(MR8) foram libertados 15 prisioneiros políticos e publicado um manifesto (setembro,
1969). A reação do governo foi imediata. Em São Paulo, Marighella
foi emboscado e morto (novembro, 1969). No Vale do Ribeira (sul do Estado de
São Paulo), forças do governo cercaram e atacaram guerrilheiros da VPR no campo
de treinamento ali instalado (maio, 1970). Alguns escaparam com vida, inclusive
Lamarca, que retornou à cidade de São Paulo e de lá viajou para o interior da
Bahia como integrante do MR8, ocasião em que foi morto pelo Exército (setembro,
1971). As Forças Guerrilheiras do Araguaia, localizadas no sul do Pará,
organizadas pelos comunistas, compostas de duas centenas de militantes
aproximadamente, enfrentaram as forças do Exército até serem vencidas (1972 a 1974).
Nenhum comentário:
Postar um comentário