domingo, 21 de julho de 2013

O BRASIL E A CONSTITUIÇÃO XVI



Durante a guerra fria (1948 a 1991) as questões regionais, como a do sudeste asiático (Vietnã, Laos, Camboja, Tailândia) e as locais, como a de Cuba, desassossegavam as nações ante a probabilidade de um conflito generalizado e a expectativa do uso de artefatos nucleares. As potências rivais (URSS x EUA) dispunham da bomba de hidrogênio e de mísseis intercontinentais. O medo recíproco levou ao consenso de instalar linha telefônica direta e exclusiva entre os gabinetes dos respectivos chefes de governo. O propósito era evitar a hecatombe nuclear. Índia e Paquistão produziram bomba atômica (1974). Na mesma época, Brasil e Argentina, com as bênçãos do governo dos EUA, desistiram de fabricá-la.
Do ponto de vista secular, os laços da URSS afrouxaram a partir da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, realizada em Helsinque em 1975, como parte da estratégia elaborada por Washington e Moscou para congelar a guerra fria (détente). Leonid Brejnev, na chefia da união soviética, insistira na realização dessa conferência visando ao reconhecimento internacional das fronteiras entre os países da Europa e colocar paradeiro nas intervenções armadas como as sofridas pela Alemanha Oriental (1953), Hungria (1956) e Tchecoslováquia (1968). Brejnev aceitou as cláusulas sobre direitos humanos que constaram da ata final da reunião. Os dissidentes dos países da Europa Oriental se aproveitaram disto para exigir do Kremlin coerência, unidade de princípios, liberdade e respeito aos direitos humanos. Cresceu a pressão por autonomia até romper o vínculo federativo. A má situação econômica da URSS contribuiu para tal desfecho (1981 a 1991).
Do ponto de vista espiritual, a derrocada da URSS tomou impulso com a visita do Papa à Polônia em 1979. Brejnev tentou impedir a visita. O governo da Polônia insistiu em receber o religioso, invocando o orgulho nacional: o Papa era polonês! Brejnev lavou as mãos. Verdade o Papa não dispor de arsenal bélico, fato que inspirou o motejo de Stalin nas conferências dos senhores do mundo em 1943 e 1945 (Teerã, Yalta e Potsdam). Todavia, há recursos mais poderosos do que tanques e canhões (o próprio Stalin reconhecia isto na sua advertência doutrinária de que as idéias são mais poderosas do que as armas). Karol Wojtyla, polonês, ator, atleta, sacerdote, física, moral e espiritualmente vigoroso, entra no território comunista, beija o solo e provoca um terremoto. Multidões ouvem-no e cantam com entusiasmo em praça pública. João Paulo II coloca Deus e Jesus acima de Marx e Lênin. A moralidade há de ser uma só nas esferas individual, nacional e internacional, dizia o santo sacerdote em magistério pontifical (santificado pela Igreja de Roma em 2013). O efeito mesmerizador de palavras e gestos faz o povo sentir a presença divina e perder o medo. A onda religiosa engolfa a Europa Oriental. No ano seguinte (1980) Lech Walesa, polonês, católico, operário, em frente ao estaleiro Lênin, em Gdansk, anuncia a fundação do primeiro sindicato livre em território comunista denominado Solidariedade (Solidarnosc). No Brasil, naquele mesmo ano (1980), Luiz Inácio da Silva, metalúrgico, lidera os operários e funda o Partido dos Trabalhadores com apoio da Igreja Católica e dos intelectuais de esquerda. Ao contrário de Walesa, Luiz Inácio esperaria 22 anos para chegar à presidência da república.
Contra a ditadura instaurada no Brasil em 1964 pelos militares e apoiada por instituições civis e religiosas, manifestaram-se estudantes, trabalhadores, intelectuais, artistas, em passeatas, assembléias, missas, greves, produções artísticas de protesto, distúrbio nas ruas, enfrentamento com a força policial. O governo reagia prendendo pessoas, torturando, assassinando, cassando direitos, invadindo domicílios, explodindo teatros, empastelando jornais. Veio a lume o plano atribuído ao brigadeiro João Paulo Burnier (por ele negado), chefe de gabinete do Ministro da Aeronáutica, para explodir o gasômetro do Rio de Janeiro e a represa do Ribeirão das Lajes; lançar ao mar, desprovidos de salva-vidas, líderes políticos e estudantis transportados de avião; matar civis nos conflitos de rua.
A morte de um estudante em março de 1968, no ataque da polícia militar ao Restaurante Calabouço, local de permanente concentração estudantil contrária ao regime, emociona os cariocas e agita a cidade. Informação de que os estudantes fariam passeata de protesto contra a ditadura teria motivado o ataque. Pessoas comuns e pessoas representativas compareceram ao velório do estudante na Assembléia Legislativa do Estado da Guanabara, onde se ouviram inflamados discursos. Dezenas de milhares de pessoas acompanharam o corpo do estudante pelas ruas até o cemitério. Os dias posteriores ao sepultamento foram de arruaça e de luta com a polícia. Ao saírem da matutina missa de 7º dia, na Igreja da Candelária, civis foram espancados pela polícia. Seguiram-se batalhas campais no centro da cidade. Na Faculdade de Economia da Praia Vermelha, em assembléia convocada pela UNE, estudantes extravasaram descontentamento com o sistema de ensino. A polícia interveio. Nova peleja. Dois meses depois, passeata de 100 mil pessoas aproximadamente, na Avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro, autorizada pelo governador da Guanabara e apoiada pela Igreja Católica, da qual participaram políticos, intelectuais, artistas, estudantes e trabalhadores. Ao fim da passeata e para negociar com o governo foi aclamada comissão de representantes composta de uma dona de casa, um médico, um religioso e dois estudantes. A comissão reivindicou: (1) libertação dos presos; (2) reabertura do Restaurante Calabouço; (3) aumento das verbas e de vagas para o ensino superior público; (4) reforma universitária com a participação dos estudantes. O Presidente da República concordou desde que não houvesse mais passeatas. A comissão recusou a proposta. Sem acordo, voltou-se à estaca zero.
Com mandado judicial e sob a proteção de duas centenas de soldados da polícia militar, agentes do DOPS (Departamento da Ordem Política e Social) invadiram a Universidade de Brasília em agosto de 1968. Missão: prender cinco estudantes. Houve resistência e bordoadas. Parlamentares que lá compareceram para apoiar os estudantes foram espancados. Em São Paulo, estudantes do Mackenzie (governistas) travaram batalha contra estudantes da USP (oposicionistas) na Rua Maria Antônia. Houve barricadas, tiros, bombas, rojões e coquetéis molotov (outubro, 1968). O governo proibiu manifestações políticas no território nacional, limitou o direito de reunião e a liberdade de comunicação e expressão, submeteu a produção cultural à censura (músicas, peças de teatro, filmes, programas de rádio e televisão, livros, jornais e revistas), reprimiu congresso da UNE em Ibiúna, SP (outubro, 1968), prendeu centenas de estudantes e expediu o AI-5 (dezembro, 1968).
Alijado pelos militares, Carlos Lacerda buscou apoio de Juscelino Kubitschek e João Goulart ao movimento em favor da democratização do país denominado Frente Ampla integrado por políticos, estudantes e trabalhadores. O Ministro da Justiça declarou ilegal o movimento. Grupos armados promoveram guerrilha urbana, assaltaram bancos e seqüestraram pessoas para trocar por presos políticos. Carlos Marighella (ex-deputado) comandava a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e Carlos Lamarca (ex-capitão do Exército) comandava a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Em troca do embaixador dos EUA seqüestrado pela ALN coadjuvada pelo Movimento Revolucionário “8 de Outubro” (MR8) foram libertados 15 prisioneiros políticos e publicado um manifesto (setembro, 1969). A reação do governo foi imediata. Em São Paulo, Marighella foi emboscado e morto (novembro, 1969). No Vale do Ribeira (sul do Estado de São Paulo), forças do governo cercaram e atacaram guerrilheiros da VPR no campo de treinamento ali instalado (maio, 1970). Alguns escaparam com vida, inclusive Lamarca, que retornou à cidade de São Paulo e de lá viajou para o interior da Bahia como integrante do MR8, ocasião em que foi morto pelo Exército (setembro, 1971). As Forças Guerrilheiras do Araguaia, localizadas no sul do Pará, organizadas pelos comunistas, compostas de duas centenas de militantes aproximadamente, enfrentaram as forças do Exército até serem vencidas (1972 a 1974).

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