quinta-feira, 1 de setembro de 2011

CONTO

Capítulo X.

Leopoldo levanta-se e caminha sobre o soalho de madeira envernizada, de cá para lá, de lá para cá, com gestos medidos ao mesmo tempo em que fala variando a tonalidade da voz. Ele não perdera a postura do tempo em que lecionava História. Desistira do magistério em face do mísero salário e se dedicara ao comércio no ramo da informática. Progrediu e atingiu bom padrão de vida. Dirige-se aos filhos e aponta para Grimaldi.

- Pelo que disse o avô de vocês, os juízes deviam ser pessoas vocacionadas e não aquelas que encaram a magistratura como simples emprego bem remunerado e se comportam como empregados e não como titulares do poder estatal. Há os que sonham ser juízes desde as salas de aula da faculdade, não só pelo poder ou pelo subsídio, mas também pela satisfação de distribuir justiça por amor ao direito. Prestam concurso sem recorrer a apadrinhamentos. Ingressam na carreira por vocação Há os que, frustrados por não obter sucesso na advocacia, buscam compensação psicológica. Ingressam na magistratura por apego ao poder e pela dupla satisfação: (1º) de se colocar acima dos demais operadores do direito e (2º) de receber mensal e regularmente subsídio assegurado na Constituição. Burocratas carreiristas, impacientes com as partes e testemunhas, levianos no estudo das demandas, desatentos e dorminhocos nas sessões dos tribunais, alguns participam da diretoria das associações de magistrados para usufruir regalias que essa atividade proporciona.

Grimaldi se arreda para o fundo da poltrona, coloca a mão esquerda sobre o colo, apóia o queixo com a direita e complementa as observações do genro.

– Além disso, Leopoldo, ao se comportarem como barnabés, sedentos de vantagens, tais juízes transformam a judicatura em mero serviço burocrático. Ao invés de atuarem como agentes políticos, no pleno exercício da soberania, fazem-no como agentes administrativos de subalterno escalão. Conseqüência: magistratura apequenada.

- O juiz como agente político? – Isolda estranhou a assertiva do avô.

- Sim, minha neta. O juiz exerce poder político na esfera jurisdicional, tal como o legislador na esfera normativa e o chefe de governo na esfera executiva. Não faça confusão com a política partidária, esta sim, vedada ao juiz. O poder do Estado é um só. Exercem-no órgãos distintos que se controlam reciprocamente: legislativo, executivo e judiciário. O juiz controla o legislador ao verificar se as leis estão em harmonia com a Constituição. Além disto, quando direitos e liberdades não podem ser exercidos porque o legislador não os regulamenta, o juiz, ao deferir mandado de injunção, estabelece a norma necessária a tal exercício, caso a caso, até que o legislador resolva elaborar a lei. O preenchimento das lacunas do ordenamento jurídico é tarefa do juiz, no devido processo, enquanto o legislador se mantiver omisso.

- No final das contas, juiz funciona como legislador – censura Leopoldo.

- Sim, meu estimado genro – Grimaldi fala atenciosamente para não ferir a suscetibilidade de Leopoldo. A separação das funções governamentais não significa exclusividade. Os tribunais também têm função normativa: iniciativa de leis, regras regimentais, súmulas vinculantes. A sentença judicial é lei do caso concreto.

- Súmulas vinculantes? Que eu saiba, súmula é resumo de um texto e não lei ou norma. O resumo informa o conteúdo de um assunto mais longo, sem vincular o leitor. Isolda fala e distribui olhar triunfal aos demais. Espera a admiração de todos por sua acuidade mental. Geromina adverte-a.

- Respeite o seu avô. Questione sem insinuar que o interlocutor é imbecil.

- A súmula resume o entendimento do tribunal superior sobre determinada questão jurídica objeto de ações judiciais. Juízes e tribunais seguem esse entendimento ao qual estão vinculados por determinação constitucional. Grimaldi explicou em seco.

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