quarta-feira, 7 de setembro de 2011

CONTO

Capítulo XIII.

- Parece malandragem essa coisa de sentido amplo e sentido estrito na interpretação do texto constitucional quando está claro o significado das palavras – Leopoldo expressa a sua opinião; mostra-se revoltado. Juízes servem-se desse artifício para dar cobertura a interesses escusos, proteção a bandidos do colarinho branco ou para atender pessoas a quem devem sua nomeação. Se a intenção do legislador constituinte fosse a de limitar a investigação à ficha criminal do candidato teria dito com todas as letras: “considerados os antecedentes criminais do candidato” ao invés de “considerada a vida pregressa do candidato”. Vida pregressa é vida pregressa, pôcha vida!

- Essa facção do supremo tribunal jogará a responsabilidade sobre as costas do eleitor – Geromina fala como se estivesse meditando. Os cínicos sustentarão que cabe ao eleitor eleger ou não eleger candidatos delinqüentes. Muita gente sabe que os partidos políticos acoitam essa caterva e lançam as respectivas candidaturas. Desencantado com a classe política, o eleitor vota em branco, em animais irracionais, em candidatos burlescos, ou exibe espírito prático: troca o voto por dinheiro e favores.

- Ficará pior com a tal lista que estão propondo na reforma política – acrescenta Dorotéia. Ao invés de votar no candidato, o eleitor votará no partido. A lista de candidatos será elaborada pelos caciques do partido. Dela constarão candidatos de todos os matizes. A lei da ficha limpa perderá a eficácia, revogada tacitamente pelo desuso.

- Talvez, não – Grimaldi procura tranqüilizar a família, medita e fala pausadamente. Nomes que constem da lista podem ser impugnados. Caso contrário, o tribunal perderia seu tempo examinando a constitucionalidade da lei. Baseada na moral e no direito, a suprema corte dirá se a lei da ficha limpa é ou não é inconstitucional. Nos termos da Constituição, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Essa regra beneficia o indivíduo, mas não retira dos demais cidadãos o direito de censurá-lo e de condená-lo por má conduta. Emitir juízos de valor a respeito da conduta humana não é privilégio dos juízes e tribunais. A opinião pública é livre para julgar. Às vezes, o faz com mais acerto do que os magistrados. A aplicação daquele preceito constitucional pode seguir linha curta ou longa. A linha curta limita-se à esfera criminal e se refere aos conceitos de culpado e inocente. O dito preceito tem seu lugar exclusivo no âmbito do processo penal. Não se aplica ao processo eleitoral. O exame da vida pregressa do candidato se faz sob o ângulo da moral e não do direito penal. Indiferente, pois, se a sentença penal condenatória transitou ou não transitou em julgado, desde que veementes indícios apontem falta de idoneidade moral do candidato. Destarte, a lei da ficha limpa que considera inelegível o candidato com ficha suja é constitucional. A linha longa estende-se às esferas cível e criminal, ao âmbito do direito público e do direito privado. Inclui, portanto, o processo eleitoral. A decisão penal condenatória sem trânsito em julgado não impede o cidadão de exercer os seus direitos políticos. As anotações na ficha criminal não impedem o cidadão de se candidatar a cargo eletivo. Destarte, a regra que considera inelegível candidato com ficha suja é inconstitucional. Essas diferentes linhas dividem internamente o supremo tribunal.

- Quer dizer que nada valem as provas da existência do crime e a responsabilidade penal do réu apuradas em primeira instância? Inquérito policial, acusação do promotor, interrogatório do réu, depoimentos das testemunhas, documentos, exames periciais, defesa do acusado, sentença do juiz, nada disso tem valor? Tempo perdido?

- Muita gente compartilha da tua indignação, Dorotéia – comenta Grimaldi. A sentença judicial é proferida no devido processo jurídico, onde o réu dispõe de todas as garantias constitucionais. A partir da sentença fincada em prova oral, documental e pericial, acaba a presunção de inocência. A sentença é certeza do direito no caso concreto, ainda que provisória. Certeza judicial é mais do que presunção. Nos trâmites ulteriores à sentença, se presunção houvesse, seria a de culpa e não mais a de inocência. Presunção de inocência é conjectura que não pode prevalecer diante do peso da verdade e da justiça materializadas na sentença judicial. O fato de a norma constitucional não considerar o réu culpado até o trânsito em julgado não afasta a certeza decorrente da sentença.

- Ao meu sentir – Leopoldo expõe a sua opinião – basta presunção de culpa estribada em sentença judicial para caracterizar falta de idoneidade do candidato, sem prejuízo dos demais elementos desabonadores provenientes de outras fontes públicas e privadas. O que não pode é meliante ditar leis a nação travestido de parlamentar!

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