terça-feira, 27 de setembro de 2011

CONTO

Capítulo XXIII

- Exceder-se na defesa produz efeitos censuráveis – Júnior retoma a linha da conversa. Como dizia meu professor de direito penal, o excesso na legítima defesa degenera em crime, o excesso em economizar degenera em avareza, o excesso na prudência degenera em pusilanimidade. Nos jogos, o sujeito prefere acreditar no sucesso da sua equipe, embora perceba a superioridade da adversária. Defende-se psicologicamente da frustração pela derrota que intimamente prevê. Na política, prefere acreditar na paz, embora os fatos indiquem a iminência da guerra. O sujeito se defende psicologicamente da indesejável desgraça.

- Isto aconteceu nos anos 30, do século XX – informa Leopoldo. Líderes europeus, ciosos do status quo dos seus países, recusaram admitir o que estava à vista de todos: a pretensão da Alemanha nazista à hegemonia na Europa, estribada em formidável poderio econômico e estratégico. Chamberlain e Daladier, ministros da Inglaterra e da França, respectivamente, preferiram acreditar que o espaço vital ambicionado por Hitler limitar-se-ia a poucos quilômetros além da fronteira alemã. Defendiam-se psicologicamente da desgraça que se avizinhava. Minimizar os fatos na esperança de resultados felizes, mas improváveis, faz parte do mecanismo de defesa psicológica que se opõe ao mecanismo lógico da inteligência.

Leopoldo cita antecedentes da guerra de 1939, que os ministros bem conheciam. A Alemanha saíra derrotada na guerra de 1914. As cláusulas do tratado de Versalhes, celebrado em 1919, declaravam a Alemanha culpada pela guerra e obrigavam-na ao pagamento de vultosa indenização em dinheiro, a entregar territórios, minas de carvão, navios mercantes e de guerra, a se abster da aviação bélica e a reduzir o efetivo do seu exército. Cláusulas leoninas que asfixiaram a nação alemã. A crise capitalista, a partir de 1929, agravou a situação. A reação alemã foi brilhante nos anos 30, trágica nos anos 40 e notável a partir dos anos 50.

Dorotéia comenta esse relato. Segundo ela, os vencedores não devem humilhar os vencidos, como a Inglaterra e a França humilharam a Alemanha, obrigando-a a aceitar as leoninas cláusulas do tratado de 1919. Do desespero das massas eclodiu a revolução nazista em 1933. Adolf Hitler surge como restaurador da dignidade nacional. Recebe amplos poderes do Reichstag, congresso nacional da Alemanha. A bandeira com a suástica torna-se o novo símbolo da pátria. O Führer manda às favas os tratados internacionais e restabelece o poderio econômico e militar da Alemanha. Apavora ingleses, franceses, belgas, poloneses, russos. Os brios feridos geraram a vingança dos alemães que se materializou na guerra iniciada em 1939 e encerrada em 1945, após morticínio e destruição. Desta vez, os vencedores agiram com mais inteligência. Ao invés de humilhar os vencidos, ajudaram-nos a reconstruir seus países. Cidades e economias restauradas, Alemanha, Itália e Japão se relacionam bem com as outras nações. O clima é de cooperação e paz. O caldeirão está fervendo na Ásia e na África.

Júnior explica os acontecimentos no mundo árabe como reflexo do ataque terrorista contra os EUA, em 11 de setembro de 2001. Como se fossem mísseis contra as torres gêmeas e o pentágono, os aviões derrubaram o orgulho do povo e a arrogância do governo daquele país. Perplexidade geral. Faltou ao povo e governo estadunidense a humildade de admitir: trata-se de represália à nossa prepotência, à nossa intromissão em problemas dos outros Estados, à nossa exploração econômica dos outros povos, à nossa pretensão de impor o nosso modo de vida e a nossa visão de mundo a outras nações, ao nosso desprezo por outras culturas, pela vida e pela integridade física e moral de pessoas de outros rincões do planeta.

- Essa falta de humildade – observa Dorotéia – impede o povo e o governo daquele país de perceber a incidência da lei do karma: compensação de ações e omissões em nível individual e coletivo. A vida do indivíduo, ou do grupo, segue a bissetriz resultante da geometria cósmica. Bem e mal se compensam na etérea balança de acordo com os créditos e débitos registrados na contabilidade do mundo espiritual. O saldo, positivo ou negativo, determinará a faixa vibratória individual, ou coletiva; o grau de felicidade ou infelicidade no mundo terreno.

- De imediato – emenda Júnior – aquela gente pensou em vingança: matar os terroristas; caçá-los nos países que os acolhiam; dar o grito de guerra contra o terrorismo; exibir o poderio do estado americano, a firmeza da sua posição hegemônica no mundo. O ódio mesclou-se com o oportunismo: incrementar o comércio do material bélico produzido pela indústria dos EUA; concomitantemente, dominar região rica em petróleo.

- Concordo com você, Júnior – Leopoldo aponta orgulhoso, o filho bacharel em direito. O oportunismo veio apoiado em versões mentirosas divulgadas pelo governo dos EUA para justificar a invasão de outros países. Em matéria de domínio militar, aquele governo já fracassara na Coréia e no Vietnã. Agora, fracassa no Afeganistão e no Iraque. Só vence nos filmes de Hollywood. A nação estadunidense alimentou a indústria bélica e cinematográfica, porém, aumentou substancialmente a sua dívida. Prendeu e torturou árabes em Abu Ghraib e Guantánamo. Praticou violência fora do devido processo jurídico e das normas internacionais. Para vingar a morte de duas mil pessoas, matou quase duzentas mil no Afeganistão e Iraque: crianças, adolescentes, adultos, homens e mulheres. O governo dos EUA mostrou, uma vez mais, a sua cara de genocida, terrorista e larápio.

- Note Leopoldo – ao falar, Dorotéia ergue o braço direito à altura da fronte, com o dedo indicador apontado para o alto – que o alvo da dita guerra ao terrorismo é a comunidade árabe e muçulmana. Os terroristas de outras cores, na Irlanda e na Espanha, por exemplo, não foram incomodados pelas forças internacionais. Há malícia nessa guerra, com tintas religiosas para alegrar judeus e cristãos, tintas políticas para apoiar Israel contra os palestinos e tintas econômicas para colocar as mãos no petróleo. Esse episódio exemplifica o excesso doloso no exercício do direito de defesa que mencionei anteriormente. O governo estadunidense invocou o direito à guerra preventiva, defesa prévia contra possíveis ataques de outros países. A avaliação dessa possibilidade fica por conta da imaginação de quem governa o país que se considera ameaçado. As invasões defensivas ficam ao arbítrio do invasor. A guerra preventiva supõe inimigo conhecido e identificado. O terrorismo não tem rosto, pátria, localização. Cuida-se de atividade inteligente e violenta, interna ou externa, desenvolvida por governos ou grupos clandestinos para, mediante o terror, atingir fins políticos, ideológicos, patrimoniais e produzir efeitos morais.

- A queda das torres gêmeas foi o marco da queda do império estadunidense, que durou 56 anos, de 1945 a 2001 – Leopoldo mostra o seu pendor para a História. O império romano durou 1.000 anos, de 600 a.C. a 476 d.C. Foi imitado pela igreja católica. Nações modernas também quiseram imitá-lo, inclusive adotando a águia como símbolo. A colonização na Ásia, na África, na Oceania, na América, promovida por países europeus, durou 500 anos e só findou no século XX. Os impérios contemporâneos duram pouco. O bolchevique durou 72 anos, de 1917 a 1989. O nazista, III Reich, durou 12 anos, de 1933 a 1945. A ilegal e violenta ocupação do território palestino pelos israelenses dura 60 anos, graças ao apoio dos EUA. A invasão do Afeganistão e do Iraque são estertores do imperialismo estadunidense na primeira década do século XXI. A intervenção na Líbia, em 2011, foi iniciativa de organismo internacional. Na Síria, também nesse mesmo ano, engolfada pelo vendaval de insurreições contra dinastias e ditaduras na África e na Ásia, a intervenção de organismo internacional complica-se diante do bloco formado por países árabes.

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