segunda-feira, 5 de setembro de 2011

CONTO

Capítulo XII.

Mas, agora, ali estavam reunidos os membros da família, espectadores mudos de um momento mágico, um daqueles momentos pelos quais vale a pena viver.

- Muito obrigado, Geromina.

O agradecimento visava a patentear o valor da atitude da esposa. Grimaldi preparava a sua própria resposta e não queria passar a impressão de pouco estimar a reação de Geromina. O clima na sala era de recolhimento. Todos se afetaram com a lealdade de Geromina e o vigor por ela utilizado em defesa do marido. Acostumado às dissensões durante a carreira jurídica, Grimaldi tolerava bem argumentações contrárias. Pensava de maneira construtiva, vendo nas divergências o caminho do aprendizado, da evolução e do progresso. Ele se apruma na poltrona e inicia a réplica.

- Aqui, da minha trincheira – falou com graça – não vejo absurdo algum nos casos citados. Os juizes são chamados a resolver controvérsias. No processo judicial verificam a legalidade dos atos de governantes e governados. A chamada judiciarização da politica nada mais é do que o controle jurisdicional previsto na Constituição. As determinações judiciais derivam dessa competência. A suprema corte, meus angustiados interlocutores, não abriu as portas do legislativo aos bandidos. Ao interpretar a lei da ficha limpa, metade do tribunal entendeu que a sua aplicação era imediata; a outra metade entendeu que era mediata. Os juizes defensores da imediata aplicação da lei colocaram a moral acima do direito. Os juizes da outra metade colocaram o direito acima da moral. A lei que altera o processo eleitoral só se aplica a eleição que ocorra após um ano do início da sua vigência. Na ocasião do julgamento esse prazo ainda não se esgotara. A metade dos juízes do tribunal entendeu que a lei da ficha limpa não altera o processo eleitoral; a outra metade entendeu que sim. O voto de Minerva, proferido pelo juiz que completara o número ímpar de membros do tribunal, alinhou-se com a metade que votou sim. Em conseqüência, candidatura de delinqüentes estava liberada na eleição daquele ano. A citada lei, talvez, nem seja aplicada nas eleições vindouras. A controvérsia continua sob o prisma da inconstitucionalidade. Dispositivo da referida lei considera inelegível candidato com antecedentes criminais, independente de sentença condenatória transitada em julgado. Antes que me perguntem, lá vai: transita em julgado a sentença da qual não caiba mais recurso.

Geromina, Dorotéia, Leopoldo, Júnior e Isolda se dizem perplexos. Se o objetivo da lei é proteger a moralidade para o exercício do mandato parlamentar, como permitir que pessoas com antecedentes criminais se candidatem à legislatura, ao cargo de legislador e exerçam uma das mais relevantes funções do estado? Com que autoridade moral esses indivíduos iriam ditar leis à nação? As pessoas de bem serão obrigadas a se submeter às normas ditadas por essa corja de salafrários? Pouco importa se há, ou não, sentença condenatória. Importantes são os indícios de desonestidade existentes no setor público ou no setor privado diante dos quais não se consegue aprovação em concurso público ou em exame de seleção para ingresso na empresa privada.

- Calma gente minha! – Grimaldi fala com pequenos movimentos dos braços para frente e para trás, à altura dos ombros, palmas das mãos voltadas para aquela singela confraria. O tribunal ainda discute o sentido da expressão: “vida pregressa do candidato”. Os juizes que colocam a moral acima do direito certamente dar-lhe-ão amplo sentido: vida pregressa é vida passada; vida passada começa ontem e termina no nascimento da pessoa; visando a candidatura a cargo eletivo, vida pregressa inclui especialmente: cumprimento dos deveres para com a família, a sociedade e o estado, boa conduta profissional no setor público ou privado, honestidade nos negócios. Os juízes que colocam o direito acima da moral dar-lhe-ão estrito sentido: vida pregressa é a que consta da ficha criminal; ainda que haja anotações, se não houver registro de sentença penal condenatória transitada em julgado o cidadão poderá se candidatar, receber o diploma de parlamentar e ditar leis à sociedade.

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