quinta-feira, 3 de março de 2011

TERAPEUTICA

Cura pela razão e pela fé – Capítulo final.

Vozes recriminadoras e moralizadoras pronunciam o discurso da degradação humana desde os primórdios da civilização. No Médio Império do Egito (2100/1800 a.C.) já se ouvia a censura: o país está mergulhado em um pântano de depravação, corrupção, desonestidade e cobiça. Na Palestina (875/405 a.C.) profetas vituperavam o povo hebreu e seus governantes. Invectivas pelos opróbrios foram lançadas contra pessoas e instituições nas idades Clássica (Grécia e Roma), Média (Europa) e Moderna (Europa e América). O ceticismo, a amargura, a desilusão, o fanatismo, motivam e provocam esse tipo de discurso. Quando saudosista, o discurso considera o passado melhor do que o presente.

Alguns avatares, como Aquenaton, Zaratustra, Sidarta, Lao Tse, Jesus, Maomé, Gandhi, ensinaram fórmulas para a cura dos males denunciados. A fórmula de Jesus alicerça-se no amor: (i) “Amarás o senhor teu deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo teu espírito.” (ii) “Amarás teu próximo como a ti mesmo”. (Mateus 22: 37,39 + Marcos 12: 30,31). Se a pessoa for incapaz desse amor a Deus e a si mesma, será incapaz de amar a natureza e o próximo. Conviverá lastreada exclusivamente nos apetites e no interesse privado, óbice à harmonização e à cura espiritual. Apesar dos milênios da civilização, permanece o dissenso a respeito da imagem e do conceito de Deus. A divergência gerou inimizades, conflitos, perseguições, torturas, prisões, mortes. Diante dessa realidade, cada qual cultuar Deus em seu coração afigura-se mais importante do que buscar um consenso inatingível. Pouco importa se a imagem e o conceito que José faz de Deus seja igual ao de Maria. Importa amar a Deus sincera e profundamente, orar com fervor e se manter vigilante todas as horas. Isto levará à comunhão com Deus. Disto resultará a vacina contra todos os males. Do amor sincero ao próximo pode resultar o saneamento dos distúrbios sociais e individuais. Ama ao próximo como tu mesmo e ambos serão unos em Deus.

Os indivíduos recorrem à medicina alopática e homeopática, psicanálise, fisioterapia, acupuntura, mediunidade espírita, magia indígena, receitas caseiras, na busca de cura para as moléstias físicas e psíquicas. Quanto a debelar as moléstias sociais, a disposição de animo parece menor. Os povos conservam as matrizes da dominação e da agressividade. Há forte resistência, mesmo na cultura tribal, à troca dessas matrizes por outras de espiritualidade lúcida e de convivência fraterna. A doutrina de Jesus, por exemplo, permaneceu no limbo. No solo religioso ocidental floresceu a doutrina de Paulo, gerada naquelas matrizes. Espantoso como um livro, a Bíblia Hebraica (ou Antigo Testamento, na terminologia da igreja “cristã”), que brotou da imaginação de um escritor judeu (Esdras) no século IV a.C (400/301) influiu na civilização ocidental tanto quanto a herança cultural transmitida pelos egípcios, caldeus, gregos e romanos!

A influência desse livro seria menor se Jesus não o tivesse citado, se não houvesse referência nas epístolas e nos evangelhos. O histórico fato indica a inclinação dos povos à fantasia. Diante das asperezas da vida, refugiam-se na ilusão. O medo, a ignorância, a tradição, o comodismo, a via do menor esforço, a preguiça mental, a ausência de crítica, são válvulas de fuga. Os véus do engodo substituem a crua realidade. Justificativa comum: “não gosto de política e religião não se discute”. Essa cômoda abstenção favorece aos profissionais da política e da religião que, assim, encontram o terreno lavrado para as sementes do autoritarismo e da exploração. Nesse contexto, o povo é nivelado a rebanho. Os brasileiros têm uma expressão jocosa para essa passiva disposição de espírito: “me engana que eu gosto”.

Parcela da humanidade mostra-se ora renitente, ora reticente, dominada pelos donos do poder espiritual (padres, pastores, missionários, rabinos, aiatolás, gurus) e pelos donos do poder secular (industriais, comerciantes, agropecuaristas, políticos) interessados em conservar as matrizes que os beneficiam. No Ocidente, outra parcela da humanidade reagiu nos anos 60 e seguintes do século XX: emancipação da mulher, do negro, dos indígenas e dos homossexuais; quebra de tabus, liberação sexual, consumo de drogas, rechaço aos costumes das gerações anteriores; arte popular valorizada (teatro, música, folclore); modelo consensual na família e na escola (alternativa ao modelo patriarcal e autocrático); recusa dos jovens de participar da guerra; pacifismo de Jesus e Gandhi (paz e amor nas relações humanas, solução pacífica das controvérsias nacionais e internacionais, fim da guerra fria); esforços conjuntos na conquista espacial em lugar da disputa por hegemonia; união dos países europeus historicamente inimigos; ecumenismo, cooperação entre os povos visando: (i) progresso da humanidade (ii) erradicar a fome (iii) socorrer flagelados (iv) reduzir desigualdades (v) defender o planeta contra a poluição (buscar fontes de energia limpa, executar medidas preservacionistas).

O que parecia utópico verificou-se factível: mudança de paradigma no mundo. Esse processo ainda enfrenta pesados entraves. A conferência mundial para defesa do clima no planeta realizada no Japão (Kyoto, 1997) colocou a descoberto o desinteresse de algumas nações pela cura das doenças coletivas. A redução das fontes de poluição não interessa aos países industrializados. A distribuição equitativa dos recursos naturais não interessa a algumas nações. A paz não interessa à indústria de material bélico. A cura pela raiz não interessa à indústria farmacêutica. Há governos interessados em provocar conflitos, invadir e controlar outros países. Há governantes empenhados em abarrotar de dinheiro os seus cofres particulares sem se importarem com a penúria do povo. Há padres, pastores, missionários, rabinos, aiatolás, gurus, que buscam o seu próprio enriquecimento e lesam a boa fé dos crentes com as falsidades da tradição, do milagre, das promessas de salvação e outras fraudes ensejadas pelas escrituras “sagradas”.

Abrir as portas do coração a Deus, sem intermediários, sem idéias vãs, sem crenças ilusórias, sem procedimentos coercitivos, possibilita entendimento e fraterna convivência quer entre pessoas, quer entre nações.

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