terça-feira, 29 de março de 2011

RELIGIÃO

ANTIGO TESTAMENTO - IX.

Esdras e Neemias.

Estes dois livros compõem uma unidade. Cuidam do mesmo período histórico: o retorno à Judéia, por consentimento de Ciro, rei da Pérsia, dos judeus deportados (538 a 400 a.C.). Ao retornarem do exílio, os judeus formaram uma pequena comunidade religiosa em Jerusalém, sem autonomia política. Esdras, nascido na Babilônia, escriba, sacerdote, era considerado o fiscal e depositário da lei. Governou Jerusalém até a chegada de Neemias. Restabeleceu o império da lei mosaica, regulamentou o culto à divindade, incentivou a prática religiosa, vedou o casamento de judeus com pessoas de outra religião, revitalizou a aliança com o deus Javé. A classe sacerdotal adquiriu poder crescente. O culto exterior e a rigorosa obediência à lei religiosa tomaram vulto e geraram um formalismo exacerbado. Os fariseus prendiam-se a esse formalismo; tinham-se na conta de homens justos e santos porque cumpriam os ritos e seguiam a letra da lei. Além de textos de arquivos e outros documentos, estes livros contêm recordações pessoais, orações e a narrativa da reconstrução do templo.

O livro de Esdras começa recapitulando o regresso dos judeus à Judéia, graças ao edito de Ciro, prossegue com a lista dos repatriados, servos e animais, a reunião do povo judeu em Jerusalém para a reconstrução do templo e a reorganização do culto. Narra a chegada de Esdras a Jerusalém e transcreve a carta do rei persa Artaxerxes: (i) autorizando Esdras a inspecionar Judá e Jerusalém e verificar se estavam sendo bem cumpridas as obrigações para com a divindade; (ii) isentando de tributos e encargos os sacerdotes, levitas, cantores, porteiros e servos da Casa do Senhor; (iii) concedendo poderes a Esdras para nomear juízes e magistrados. O livro narra a viagem de Esdras e a reforma que ele implantou obrigando os judeus a se separarem das suas esposas estrangeiras e filhos.

O livro de Neemias também tem outro título: Esdras II. Neemias apresenta-se como copeiro do rei da Pérsia, Artaxerxes, de quem obteve autorização, salvo-conduto e escolta para retornar a Jerusalém e reconstruir a cidade. Relata os lances da reconstrução das muralhas e das portas da cidade e o recenseamento: 42.360 pessoas, 7.337 servos, 245 cantores e cantoras, 736 cavalos, 245 burros, 435 camelos, 6.720 jumentos. Menciona, ainda, a leitura da lei em praça pública trazida pelo sacerdote e escriba Esdras; a oração dos levitas; a lista dos sacerdotes e dos levitas; as reformas religiosas.

Comentários. As escrituras do AT foram postas na forma em que hoje as conhecemos por Esdras, enquanto ele ainda morava na Babilônia. Esdras é referido, no livro que leva o seu nome, como o escriba e sacerdote que liderou um grupo de judeus saído da Babilônia com destino a Jerusalém. Thomas Hobbes, filósofo inglês, no seu livro Leviatã, escrito em 1651, disserta sobre o Estado Cristão e transcreve o capítulo 14 do livro de Esdras. A intenção de Hobbes ao escrever o citado livro era a de chamar a atenção dos governantes ingleses e estrangeiros para as suas teses, com o cuidado de não ofender a religião cristã, da qual era seguidor. Confessa-se obediente à Igreja da Inglaterra. Aceita os cânones selecionados.

A Bíblia em que Hobbes se baseou continha o livro de Esdras II com o capítulo 14, versículos 21 e seguintes e versículo 45, que ele assim transcreveu: palavra do próprio Esdras ao dirigir-se a Deus: Tua lei foi queimada, portanto, ninguém conhece as coisas que fizeste, nem as obras que estão para começar. Mas, se encontre graça perante ti, envia o Espírito Santo até mim e escreverei tudo que foi feito no mundo, desde o início, todas as coisas que foram escritas na lei, para que os homens possam encontrar teu caminho e para que possam viver aqueles que irão viver nos dias mais longínquos (...) e veio a acontecer que depois de cumpridos os 40 dias, o Altíssimo falou e disse: o primeiro que escreveste publica-o abertamente para que os dignos e os indignos possam lê-lo, mas guarda os últimos 70 para que possas entregá-los apenas a aqueles de entre o povo que sejam sábios.

Tais capítulo e versículos não se encontram nas atuais bíblias católica e protestante. Sumiram. Os versículos transcritos por Hobbes combinam com o que se conhece da história: o incêndio e a destruição de Jerusalém, incluindo o templo, o que significa queima dos papiros lá existentes. Provavelmente, Esdras se baseou na tradição oral para refazer as escrituras. Segundo o dicionário prático da luxuosa bíblia editada pela Barsa (1967), a tradição fala de Esdras como restaurador dos livros sagrados, sendo que livros escritos após a sua época também foram admitidos como canônicos. Ao concluir o seu trabalho, Esdras reuniu o povo judeu em Jerusalém e procedeu à leitura. Durante horas, desde manhã, leitores se revezavam e o público ouvia (certamente, pouco assimilando depois da primeira hora). Esdras apresentou o longo texto como sendo a lei divina para o povo de Israel. Os demais povos do planeta estavam excluídos.

Esdras recebeu tratamento cerimonioso na carta do rei Artaxerxes, o que soa falso, pois esse tratamento era reservado à diplomacia, de soberano a soberano. Provavelmente, o escritor bíblico deu uma ajuda na redação para valorizar o personagem. Além disto, judeus prestavam serviços na corte persa e com algumas moedas podiam contar com a colaboração do escriba real: Artaxerxes, rei dos reis, a Esdras, sacerdote doutor eruditíssimo na lei de Deus do céu, saúde. Há dúvida se o título de doutor era usado naquela época. O rei e seu povo tinham religião própria e de antiga origem, que incluía a vinda de um messias, a ressurreição dos mortos, o juízo final, o paraíso aos eleitos. Essa doutrina se espalhou pela Ásia ocidental e influiu na religião de outros povos, inclusive dos hebreus. Essa religião espiritual e ética, fundada por Zaratustra, entranhava-se na cultura persa. Duas divindades regiam o universo: Ahura-Mazda, deus da luz, da verdade e da retidão; Ahriman, deus traidor, maligno, que presidia o reino das trevas. Aquele prólogo da carta de Artaxerxes não se ajusta à tradição persa, principalmente no que se refere ao “deus do céu”. O poderoso rei persa não se curvaria à lei de Moisés nem ao deus dos hebreus.

Esdras devia fiscalizar e controlar a Judéia e Jerusalém segundo a lei do teu Deus que está na tua mão, diz a carta. Em momento algum o rei se referiu ao deus Javé como do seu culto. Certamente, ouviu a leitura e subscreveu a carta para atender a súplica do seu copeiro, o judeu Neemias, mais tarde nomeado governador da Judéia, região minúscula, decaída, população pequena, sem qualquer importância social, política ou econômica para a Pérsia e para o mundo antigo. O território da Palestina, pelo qual tanto brigam israelenses e árabes, não é maior do que o território do Estado de Alagoas (Brasil). A Judéia ocupava uma terça parte desse território e a sua população pode ser comparada, em números, à população do município de Itatiaia – RJ. Daí, que os pomposos termos da carta beiravam ao ridículo, desproporcionais à insignificância da terra e do povo judeu naquela quadra da história.

A denúncia de fraudes praticadas por sacerdotes e doutores nas “sagradas” escrituras é bem antiga. Os III e IV livros de Esdras, além de outros, foram extirpados da Bíblia. O mesmo ocorreu com o NT, quando alguns livros (Judas Tadeu, Tomé, Felipe, Madalena) foram expurgados pelos doutores da Igreja para garantir a versão mais conveniente aos interesses do clero. A crença sobrepõe-se à verdade histórica. As seleções e interpolações feitas nas escrituras desde o século IV (301/400) não eram de conhecimento público. Difundia-se a versão que interessava ao comando religioso. Os textos que discrepavam dessa versão eram afastados como apócrifos ou profanos. Disto resulta a cláusula de reserva aos sacerdotes e doutores da igreja no que tange ao conhecimento e interpretação das escrituras. Sob o pretexto de bem zelar pela vida espiritual dos devotos, a classe sacerdotal, na verdade, está a zelar pela manutenção do seu poder e da sua riqueza. A tutela da igreja sobre o povo ficou abalada a partir do iluminismo, da liberdade de pensamento e crença (século XVII). No mundo atual, o conhecimento se torna acessível ao público, graças aos meios de comunicação, divulgação e vulgarização, tais como: imprensa, telégrafo, telefone, rádio, televisão, fac-símile, rede mundial de computadores; graças, também, à multiplicação dos centros de formação (escolas, institutos, universidades) e do intercâmbio por osmose decorrente do convívio social.

Ageu.

Este livro foi redigido por algum discípulo do profeta Ageu. O ministério desse profeta aconteceu em Jerusalém, à época da reconstrução do templo (520 a.C.). Compõe-se de quatro oráculos. No primeiro, o profeta censura os judeus que moram em vivendas confortáveis enquanto o templo está em ruínas. O governador de Judá (Zorobabel) e o Sumo Sacerdote (Josué) ficaram sensibilizados com o oráculo, reuniram o povo e se puseram a trabalhar na construção da Casa do Senhor. O segundo oráculo incentiva essas autoridades e o povo a continuarem a obra e lhes promete esplendor e paz. No terceiro oráculo o deus Javé promete derramar bênçãos após o lançamento das pedras de fundação do templo. O quarto oráculo é sobre a eleição divina de Zorobabel precedida dessa promessa de Javé: Abalarei o céu e a terra, derrubarei o trono de todos os reis e aniquilarei o poder das nações, destruirei os carros e suas equipagens; cavalos e cavaleiros cairão e matar-se-ão a golpes de espada.

Zacarias.

Este profeta é contemporâneo de Ageu. Recebe os oráculos de um Anjo do Senhor. Exorta o povo a reconstruir o templo e prega uma reforma moral. Trata Zorobabel como o eleito do Senhor, o gérmen messiânico. Descreve o reino do messias, cheio de paz, a ruína dos inimigos de Judá e a conversão das nações. Fala das suas visões, incluindo a libertação de Sião e o retorno de Jerusalém como residência da divindade. Na segunda parte do livro há previsões airosas para os judeus e oráculo sobre o pastor e a libertação de Jerusalém.

Baruc.

O personagem principal, profeta judeu Baruc, é homônimo do secretário (Baruc) do profeta Jeremias. O livro foi escrito e lido para os judeus que permaneciam na Babilônia, sob o governo de Nabucodonosor II. Os ouvintes se comoveram com o precário estado de Jerusalém, juntaram dinheiro de acordo com as posses de cada um, e enviaram a ajuda ao sacerdote que pontificava na Judéia. O livro cita os pecados do povo desde que deixou o Egito e contém súplicas ao Senhor. Refere-se à sabedoria, de origem divina, como a única via que conduz à salvação. Há uma série de pronunciamentos do profeta com o objetivo de consolar os judeus. Conclui afirmando que é o próprio deus que conduz Israel, pleno de júbilo no esplendor de sua majestade, pela sua justiça e misericórdia.

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