sexta-feira, 11 de março de 2011

RELIGIÃO

MINHAS CONCLUSÕES

Na rede de computadores, lista do Grupo Reconstrução, exclusiva dos juízes do Estado do Rio de Janeiro, travou-se debate, no segundo semestre de 2009, sobre “Davi e sua vocação” e “Nem Jeová nem Javé”, comigo de um lado e três desembargadores de outro, todos mais novos do que eu na carreira. (Nota para quem não é da área: “desembargador” é o título que se dá ao juiz de direito que exerce a judicatura no tribunal de justiça). Dois desembargadores, um da ativa e outro aposentado, eram pastores protestantes e o terceiro, católico apostólico romano. Rememorar o episódio se me afigura interessante porque alguns leitores da série “Cura pela razão e pela fé”, publicada neste blog (fevereiro/2011) poderão fazer a mesma indagação com a qual fui interpelado. A certa altura daquele debate, o pastor desembargador aposentado interpelou-me: “de onde você tira as tuas conclusões?” De imediato, lembrei-me da interpelação feita a Jesus pelo grupo de sacerdotes, escribas e anciãos, no templo de Jerusalém: “Com que direito fazes isso? Quem te deu essa autoridade?” Os interpelantes menosprezavam ciência alheia. Colocavam-se como donos exclusivos da verdade e intérpretes fiéis das escrituras. Jesus contra-atacou formulando outra pergunta: “O batismo de João era do céu ou dos homens?” Aquelas autoridades responderam que não sabiam. Jesus replicou: “Nem eu vos direi com que direito faço estas coisas”. (Lucas 20: 2/8; Marcos 11: 28/33).
A hebraica, a cristã e a islâmica não são as únicas religiões do mundo, embora cada qual se considere a melhor. Além de religiões, há filosofias de vida como as de Lao Tse, Kong-fu-Tse e Sidarta, que orientam a conduta de povos. No seio da mesma comunidade, há povos com peculiaridades culturais. Exemplos: (i) com a implosão da União Soviética realçaram-se características culturais dos países que a compunham; (ii) a revolução na Tunísia produziu efeito dominó e colocou à mostra semelhanças e diferenças entre os povos do Oriente Médio e do Norte da África; concepções de mundo variam tanto em nível individual como em nível coletivo; (iii) cada região do Brasil apresenta aspectos culturais próprios. Concordei com o colega católico quando afirmou que as escrituras rotuladas de sagradas resultam do obrar humano e que os obreiros se dizem inspirados pela divindade. O deus do meu coração, justo e bondoso, não me nega inspiração, como o deus de Moisés não a negou aos obreiros judeus e o deus de Jesus não a negou aos apóstolos. Além da Bíblia e do Corão, outras escrituras qualificadas de sagradas existem no mundo. O ser humano é quem qualifica de sagrada às escrituras, segundo o seu pensamento, as suas crenças e os seus propósitos.
Respondi aos meus colegas que, além da fonte divina, eu tiro minhas conclusões das fontes naturais e humanas externas, no exercício da minha faculdade racional. Abasteço a minha mente com dados extraídos: (I) do estudo da Bíblia e de outros textos religiosos e místicos; (II) do estudo de História, Sociologia, Economia, Direito, Ciências Naturais, Filosofia, inclusive com título universitário; (III) da experiência institucional (família, escola, igreja, judiciário) e da experiência comum das ruas; (IV) da TV (entrevistas, reportagens, filmes documentários); (V) do patrimônio existencial acumulado ao longo da vida, mediante os processos de seleção, assimilação e maturação (reflexão e meditação).
Das pesquisas para o romance “O Evangelho da Irmandade”, para o referido debate e para os artigos publicados neste blog, constam, entre outras, as seguintes obras: (1) Bíblia (Centro Bíblico Católico, São Paulo. Editora Ave Maria, 1987); (2) La Vida Mística de Jesús (Lewis, H. Spencer. Califórnia. Amorc, 1967); (3) O Cristo Cósmico e os Essênios (Rohden, Huberto. São Paulo. Martin Claret, 1991); (4) A Doutrina Mística (Blavatski, Helena P. São Paulo. Hemus, 1981); (5) O Livro dos Espíritos (Kardec, Allan. São Paulo, Editora Pensamento, 1994); (6) Tao Te King (Lao Tse. São Paulo, Martin Claret, 12ª edição, s/d); (7) O Fenômeno Humano (Chardin, Pierre Teilhard. Porto. Tavares Martins, 1970); (8) O Homem Eterno (Pauwels, Jacques Bergier e Louis. São Paulo. Divisão Européia do Livro, 1971); (9) Leviatán (Hobbes, Thomas. Madri. Nacional, 1979); (10) Para compreender os manuscritos do Mar Morto (Shanks, Hershel. Organizador. Rio. Imago, 1993); (11) O Santo Graal e a Linhagem Sagrada (Baigent, Michael e/os. Rio. Nova Fronteira, 1993); (12) O Código Da Vinci (Brown, Dan. Rio, Sextante, 2004); (13) Quebrando o Código Da Vinci (Bock, Darrell L. Osasco. Novo Século, 2004); (14) Decodificando Da Vinci (Welborn, Amy. São Paulo. Cultrix, 2004); (15) Maria Madalena (George, Margaret. São Paulo, Geração Editorial, 2002); (16) Operação Cavalo de Troia (Benítez, J. J. São Paulo. Mercuryo, 1987); (17) Admirável Mundo Novo (Huxley, Aldous. São Paulo. Victor Civita, 1980); (18) Nem Marx nem Jesus (Revel, Jean-François. Rio, Artenova, 1973); (19) Tratado Sobre a Tolerância (Voltaire, François-Marie Arouet. São Paulo, Martins Fontes, 2000); (20) Pequena História da Maçonaria (C.W. Leadbeater. São Paulo. Pensamento, 1968); (21) Manual Rosacruz (Grande Loja do Brasil. Curitiba, 1964); (22) História da Civilização Ocidental (Burns, Edward Mcnall. Rio/SP/Porto Alegre. Globo, 1955).
Na busca do conhecimento mediante fontes naturais e humanas, coloco a fé no cabide e me sirvo da razão, plagiando Lavoisier. Enquanto os meus opositores lêem a Bíblia com as lentes da fé religiosa, eu a leio com as lentes da razão. Entendemos de modo diferente o mesmo texto. Ilustro o que digo, com a mensagem contida na lista do Grupo Reconstrução, em que o evangélico, o católico e um terceiro desembargador (meu colega de concurso) qualificam de lindo o salmo 51, afinados na mesma interpretação. Pois bem. Naquele texto eu não vejo beleza alguma. Vejo maldade. Passo à análise. Fundo histórico: o rei Saul acusa Davi de traidor. Davi e família fogem e descansam em diferentes lugares. Na cidade sacerdotal de Nobe, Davi é recebido pelo sacerdote Aquimelec, que lhe fornece provisões e entrega a espada que pertenceu a Golias. O edomita Doeg leva esse fato ao conhecimento de Saul que mata Aquimelec, 85 sacerdotes e respectivas famílias e toda a população da cidade: homens, mulheres, meninos, meninas, crianças de peito e animais. Carnificina (Samuel I, 22: 9/20).
O salmo 51 refere-se a esse episódio. O texto verte ódio; não há beleza ou nobreza. Ao atribuir ao rei, língua pérfida, afiada como navalha, o salmista exibe fraqueza ante a retórica régia. As palavras do salmista, inferiorizado ante a verve do destinatário, vêm calcadas em sentimento de vingança e no ânimo violento. Daí, o expresso desejo do salmista de que o seu adversário seja destruído, expulso da tenda e extirpado da terra dos vivos. Deseja, ainda, no distorcido conceito de justiça, que os justos zombem do adversário. Os justos cultivam a ironia com elegância e respeitam os mortos; não zombam nem tripudiam de cadáveres. O salmista, impotente para a criminosa tarefa, sente-se feliz em transferi-la à divindade. O salmo supõe o caráter satânico do deus Javé, em sintonia com a cultura hebréia; reflete os atributos do povo hebreu na Antiguidade, iguais aos daquele deus: genocida, homicida, materialista, vingativo, violento. Identificar esse deus com o Deus de Jesus, como faz a igreja de Paulo (católica e protestante) chega às raias do sacrilégio. Justificar os atributos satânicos de Javé com a hobbesiana tese de todos contra todos, equivale a esconder o sol com a peneira. Deus é invariável na sua natureza, sempre o mesmo, desde a criação do mundo, para todos os povos, indistintamente. Esse Deus que Jesus tanto amava é o Deus da luz (razão, inteligência, sabedoria), Deus da vida (física, moral, espiritual) e Deus do amor (incondicional, ilimitado, infinito). O Pai Celestial de Jesus não mandaria matar homens, mulheres, meninos, meninas, crianças do peito e exterminar todo um povo, na Antiguidade ou em qualquer outra época, como ordenou o deus de Moisés (Samuel I, 15: 1-4).
Pelo exposto, ao contrário dos meus opositores que acham lindo o salmo 51, eu o qualifico de horrível. Questão de ponto de vista. Cultura fiduciária versus cultura racional.

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