sábado, 1 de novembro de 2014

ELEIÇÕES 2014 - VII



Ficou evidente o descontentamento do eleitorado com o sistema político em vigor. Percebe-se o anseio nacional por: (1) prioridade para o bem-estar (educação, saúde, previdência social, moradia, infra-estrutura, segurança pública); (2) emprego do dinheiro do contribuinte em obras e serviços públicos sem fraude no faturamento e na execução; (3) carga tributária menor; (4) fim do monopólio da representação popular pelos partidos políticos; (5) redução do número de partidos e de deputados; (6) compostura, honestidade e espírito público dos representantes do povo. A reforma política reclama assembléia constituinte específica e exclusiva porque os legisladores ordinários não gozam da confiança da nação, notoriedade que os números confirmam: 70 milhões de eleitores não votaram em candidato algum para o Senado e para a Câmara dos Deputados, o que significa 50% do eleitorado brasileiro. Para as assembléias legislativas de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, 25 milhões de eleitores não votaram em candidato algum. Nos demais Estados da federação o percentual de rejeição também girou em torno de 45%. Isto indica que a atividade parlamentar está desacreditada e que a representação popular é uma falácia. É preciso arredar a hipocrisia e adotar abertamente: (1) a representação por categorias econômicas e sociais segundo distintas regiões eleitorais do país; (2) número certo e igual de representantes para cada região; (3) eleição majoritária também para o legislativo.    

O resultado das eleições mostra alguns pendores da sociedade brasileira. Aléxis Tocqueville, jurista, político, filósofo, nascido no seio da nobreza francesa, em 1805, faz distinção entre democracia e aristocracia no seu livro “La Democracia en América”: Quando as condições são desiguais e os homens diferentes, há alguns indivíduos mui ilustrados, mui sábios e mui poderosos por sua inteligência e uma multidão mui ignorante e mui limitada. Os que vivem em uma época aristocrática se vêem, pois, levados naturalmente a tomar por guia de suas opiniões a razão superior de um homem ou de uma classe, encontrando-se pouco dispostos a reconhecer a infalibilidade da massa. Este pensamento afina-se com a conduta dos políticos do PSDB. Corrupção à parte, eles se portam como aristocratas que desprezam os negros, os índios, os nordestinos, os trabalhadores, os aposentados, os pobres em geral e todos que têm uma diferente concepção de mundo. O filósofo francês prossegue: Quando as condições são iguais os homens não têm fé alguma uns nos outros por causa da sua semelhança, porém esta mesma semelhança lhes dá uma confiança quase ilimitada no juízo do público porque não lhes parece concebível que todos tendo luzes semelhantes, a verdade não se encontre ao lado do maior número. Este pensamento afina-se com a conduta dos políticos do PT. Corrupção à parte, eles valorizam o princípio igualitário e a opinião popular.

O tucano teve 30 milhões de votos no sul e oeste do país (setor azul do mapa eleitoral) onde é forte a influência dos descendentes de italianos, alemães e japoneses, herdeiros da mentalidade fascista, nazista e racista dos seus ascendentes. Naquelas plagas também há democratas: a petista teve 19 milhões de votos. Já no norte e leste do país (setor vermelho do mapa eleitoral) a petista teve 35 milhões de votos e o tucano 20 milhões. Os aristocratas usam astuciosamente o nome da democracia social quando na verdade são liberais à direita do espectro político que têm horror à igualdade. Alguns aristocratas sugeriram a secessão. Querem imitar o melancólico episódio indiano. Os simpatizantes do PT no sul seriam removidos para o norte e os simpatizantes do PSDB no norte removidos para o sul. Parto de dois novos países: o do norte democrata e o do sul aristocrata. O democrata tende à relação humana fraterna. Na política, todavia, amizade com aristocrata racional é funesta ao democrata sentimental. A Presidente da República enviou carta ao ex-presidente Fernando Henrique por seu octogésimo aniversário. Em ocasião diferente, elogiou Aécio quando ele ainda era governador de Minas Gerais. Sem escrúpulo algum, eles usaram aqueles atos de amizade, gentileza e civismo da presidenta para injuriá-la na campanha eleitoral.

Se fosse loira e bonita como a senadora Gleisi Hoffmann, do Paraná, Marina Silva certamente teria maior votação no sul e no oeste do país e disputaria o segundo turno, apesar do tropeço no debate do primeiro. Quando os proponentes acusam-se mutuamente de mentirosos e levianos, as suas propostas perdem credibilidade. O eleitor não engajado vê impostura nos dois lados. A verdade não interessa aos adversários. O propinoduto da Petrobrás não foi construído no governo do PT. Funcionou nos sucessivos governos desde 1988, pelo menos. Tendo na memória o protesto popular de 2013, os candidatos insistiram no bordão mudança. A fraseologia inconseqüente da campanha eleitoral deixou para o eleitor adivinhar a natureza, a extensão, o processo e a viabilidade da mudança. No segundo turno, 37 milhões de eleitores não votaram nos dois candidatos (em 2010 foram 30 milhões).

A justiça eleitoral mostrou eficiência na apuração dos votos e na ação pedagógica. O Tribunal Superior Eleitoral homologou virtuoso acordo entre as coligações adversárias. As resoluções moralizadoras foram convenientes, oportunas e sensatas. Os fatos apontam para a necessidade de autorizar debates só quando houver segundo turno, determinar que sejam realizados em local neutro e seguro e que a transmissão se faça em conjunto pelas emissoras que se credenciarem perante o tribunal. Embora inevitáveis o espetáculo circense do evento político e o objetivo econômico das emissoras, a prioridade há de ser para o esclarecimento do eleitor não engajado. Na hipótese de o Presidente da República ser candidato à reeleição, a sua participação em debate não é recomendável e deve ser proibida. A respeitabilidade do cargo deve ser preservada. O chefe da nação deve ser poupado de ofensas e humilhações a ele dirigidas e impostas por deficientes morais que participam dos debates. Se essas cautelas estiverem fora da competência da justiça eleitoral, poderão ser incluídas na reforma política.    

Houve opiniões favoráveis à adoção do processo eleitoral extrajudicial vigente em outros países. Retrocesso institucional. Essas opiniões brotam da mentalidade colonizada segundo a qual tudo o que é do primeiro mundo é melhor e deve ser copiado. Tal mentalidade caracteriza a macaquice de parcela da população branca. Em função da realidade brasileira, a justiça eleitoral foi criada por decreto de 1932 e recepcionada na Constituição de 1934. O objetivo era superar o processo extrajudicial que gerava fraudes escandalosas, violação e sumiço de urnas, conflitos com lesões e mortes. O voto era a descoberto e controlado pelo coronel da estância. O constrangimento moral e físico dos eleitores era comum conforme atestava o denominado voto de cabresto. A cada uma das casas legislativas cabia conferir e reconhecer os poderes dos seus membros. No exercício dessa competência as casas legislativas podiam impedir a posse de candidatos eleitos que a seu juízo não fossem dignos, sob o fundamento de ilegitimidade do mandato, de nulidade ou de violência contra a pureza das eleições. Essa competência prevista na Carta Orgânica do Império de 1824 e na Constituição da República de 1891 era exercida de modo abusivo e acabou por gerar a vitoriosa revolução de 1930. O governo revolucionário rompeu com aquela prática indecente.

A criação da justiça eleitoral e a regulação do processo eleitoral ocorreram menos por inspiração democrática ou aristocrática e muito mais por necessidade ética e pragmática: (1) de um órgão eqüidistante das paixões partidárias; (2) de traçar a divisão eleitoral do país; (3) de regras que garantissem: I) a igualdade de direitos entre os postulantes aos cargos eletivos; II) o alistamento e a livre expressão da vontade do cidadão mediante a privacidade do ato de votar; III) a participação da mulher; IV) a lisura na apuração dos sufrágios e a proclamação dos eleitos; V) o devido processo jurídico na solução das controvérsias sobre registro, inelegibilidade, incompatibilidade e perda de mandato. A Carta Orgânica da República de 1937 extinguiu a justiça eleitoral. Ao findar o Estado Novo, a justiça eleitoral foi restabelecida por decreto do governo provisório em 1945 e recepcionada na Constituição de 1946, cuja estrutura passou ilesa pelas Cartas Orgânicas de 1967 e 1969 e pela Constituição de 1988.

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