segunda-feira, 17 de novembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 10



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Na esfera das idéias também houve batalhas entre liberais e conservadores. A ordem foi mais exaltada do que a liberdade. O interesse coletivo prevaleceu sobre o individual. A razão perdeu terreno para a fé, para a autoridade e para a tradição. Subjacente ao pensamento dos filósofos havia sempre a concepção de deus e de alma. Para uns, o atributo dominante de deus era a vontade; para outros, a razão. Para uns, a alma era inseparável do corpo; para outros, separável. A partir dessas crenças eles construíam teorias realistas, teorias idealistas e teorias conciliatórias. Por divergirem da versão bíblica sobre a origem do universo e do homem, sobre a idéia de deus e da alma racional, sobre a vida natural e a vida espiritual, cientistas, livres pensadores, filósofos, atraíram a fúria de católicos e protestantes. Descartes e outros filósofos lançaram mão de subterfúgios para se manterem fiéis às suas religiões, porém, o ensino das suas idéias foi vedado nas escolas católicas e protestantes.

Os horrores praticados durante a revolução francesa motivaram a reação conservadora. Havia a tendência dos teóricos em acompanhar a maré política e de aderir ao romantismo inspirado por Rousseau (emoção acima da razão). O idealismo romântico na Alemanha reflete bem a reação: conhecimento intuitivo e instintivo complementa o conhecimento racional. Atribui significado espiritual ao universo. O bem do grupo deve prevalecer sobre o bem do indivíduo. Sociedade e Estado resultaram de uma evolução natural e não da criação artificial do homem para seu proveito próprio. O indivíduo não pode reclamar uma esfera inviolável de direitos acima da jurisdição da sociedade. O Estado Natural e o pacto social originário jamais existiram. A verdadeira liberdade consiste no respeito à lei e à tradição.

As ciências biológicas e médicas tiveram enorme progresso. Comprovou-se a teoria da evolução orgânica que teve como predecessores: Anaximandro, Holbach, Goethe, Buffon e Lineu. O biólogo francês Jean Lamarck (1744 a 1829) foi o primeiro a oferecer hipótese sistemática da evolução orgânica. O princípio essencial dessa evolução, segundo Lamarck, é o da herança dos caracteres adquiridos. Submetido à mudança no meio ambiente, o animal adquire novos hábitos que, por sua vez, refletem-se na sua estrutura. A mudança operada é transmitida à descendência. Depois de algumas gerações, resulta uma nova espécie animal. Charles Darwin (1809 a 1882), filho de médico de aldeia, abandonou o estudo de medicina para se dedicar à carreira eclesiástica. Dedicou-se mais ao estudo de História Natural. Percorreu o mundo como naturalista no navio Beagle fretado para expedição científica. Observou diretamente várias espécies de animais que viviam nas ilhas e nos continentes durante os cinco anos que durou a viagem. Ao regressar, leu o “Ensaio Sobre a População” livro de autoria de Malthus e se impressionou com a assertiva de que no mundo nascem mais indivíduos do que aqueles que podem sobreviver; que se verifica uma luta pela subsistência na qual perecem os mais fracos; que a população (lato sensu) cresce em escala geométrica e a produção de alimentos cresce em escala aritmética. Sobre a tal luta nos reinos animal e vegetal, Darwin menciona a dificuldade no aumento artificial de alimentos e no controle dos casamentos. Nessa luta, a vitória é do organismo mais bem adaptado ao meio que o cerca.

Decorridos vinte anos de estudos e pesquisas, Darwin publica a “Origem das Espécies” (1859). O fulcro da obra é a idéia da seleção natural. Os ancestrais de cada espécie geram um número de descendentes maior do que o número daqueles que podem sobreviver. Entre os descendentes trava-se uma luta por alimento, abrigo e outras condições necessárias à vida. Certos indivíduos levam vantagem graças ao fator variação. Não existem dois descendentes exatamente iguais. Alguns nascem fortes e outros fracos. Alguns têm chifres e garras maiores do que os outros. [No humano, chifres e garras são metáforas]. Alguns têm coloração melhor do que outros para enganar os inimigos. Os favorecidos exemplares da espécie saem vencedores na luta pela existência. Os fracos são eliminados antes de se reproduzir. [A teoria científica da sobrevivência do mais apto aplicada à sociedade justifica a competição selvagem entre os humanos, a limpeza étnica, os governos autocráticos, o domínio da nação mais forte sobre a mais fraca. Certamente, Darwin, um liberal, não concordaria com esse desvirtuamento da sua teoria]. Na obra intitulada “A Descendência do Homem”, Darwin tenta provar a existência de um ancestral simiesco da espécie humana (1871). Causou alvoroço nos meios civis e eclesiásticos. A nova teoria – melhor dizendo, a mesma teoria de Anaximandro, mas agora com novo enfoque e com riqueza de detalhes – contrariava a versão bíblica (Gênesis). Na opinião dos críticos, a teoria ofendia a dignidade do homem. [A hipótese de os macacos ficarem ofendidos não foi considerada]. O humano, ser da natureza pertencente ao gênero animal, também está sujeito ao processo evolutivo. Os caracteres herdados não são de importância fundamental na evolução. A variação e a seleção natural são mais importantes.

Theodor Schwann (1810 a 1882), biólogo alemão, mostrou que, além das plantas, os animais também se compõem de células {isto equivale ao impacto da teoria atômica em Física}. Ressalvadas as formas mais simples, todos os seres vivos crescem e amadurecem pela divisão e multiplicação dessas diminutas unidades estruturais. Verificou-se, ainda, que todas as células se compõem de uma combinação de matéria essencialmente idêntica. Hugo von Mohl (1805 a 1872) deu o nome de protoplasma a essa matéria. A Citologia (estudo das células) surgiu como nova ciência derivada desses trabalhos. Karl Ernst von Baer (1792 a 1876), cientista russo + alemão, considerado o pai da Embriologia, constatou a existência de uma lei natural que batizou de lei da recapitulação. Durante o período embrionário cada indivíduo recapitula ou reproduz os vários estágios importantes da história da espécie a que pertence.

Na área da saúde houve grande progresso. A vacina contra varíola foi descoberta (1796).  O éter passa a ser utilizado como anestésico geral, o que serviu de impulso para a busca de anestésicos que permitissem maior tempo para o cirurgião operar (1842). Empreendem-se pesquisas para aliviar a dor física. Os casos de infecção foram reduzidos por uma descoberta de Semmelweiss, médico húngaro: lavar as mãos em soluções antissépticas. O médico Joseph Lister estendeu, com êxito, a prática antisséptica a todo o campo cirúrgico (1865). Claude Bernard (1813 a 1878) funda a Fisiologia moderna e explica o funcionamento do coração e a circulação do sangue. Louis Pasteur, químico francês, ao se opor à teoria da geração espontânea, lança as bases da Bacteriologia (1865). Acreditava-se que a bactéria e outros organismos minúsculos nasciam espontaneamente da água ou da decomposição da matéria vegetal e animal. Pasteur concebeu a lei da biogênese: toda vida vem de uma vida preexistente. Qualquer forma de vida provém de seres vivos exclusivamente. Ele descobriu que as moléstias são produzidas por germes. Por ser químico, Pasteur não foi levado a sério pela comunidade médica. A corporação dos médicos considerava os germes como efeito e não como causa das doenças. Desafiado pela classe médica, Pasteur demonstrou a verdade da sua teoria ao inocular germes em parcela do gado que serviu de cobaia. Além disto, o químico estabeleceu, com sucesso, um método de tratamento da hidrofobia (1885). Robert Koch, médico da Prússia Oriental, descobriu o bacilo da tuberculose e do cólera asiático (1882). Foram isolados os germes de outras doenças (difteria, peste bubônica, tétano, moléstia do sono) e produzidos soros e antitoxinas para combatê-los. Descobriu-se que a malária e a febre amarela são propagadas por mosquitos. Progrediu-se no tratamento da sífilis.

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