terça-feira, 11 de novembro de 2014

FILOSOFIA XIV - 7



EUROPA (1800 a 1900). Continuação.

Karl Marx (1818 a 1883), nascido em Trèves, na região do Reno, no seio de uma família judia que se convertera ao cristianismo protestante, propiciou base filosófica ao socialismo. Contrariando o pai advogado, Marx abandonou os estudos jurídicos e se dedicou aos estudos de filosofia e história. Doutor em filosofia pela Universidade de Iena (1841), viu frustrado o seu propósito de lecionar. As suas críticas impediram-no de ingressar no magistério superior. Dedicou-se ao jornalismo. As autoridades prussianas suspenderam a publicação do seu jornal. Mudou-se, então, para a França, onde conheceu os mais destacados socialistas. Em Paris, ele faz amizade com Friedrich Engels, cujo pai possuía fábricas na Alemanha e na Inglaterra. Engels dirigia a fábrica inglesa em Manchester e deixou Marx familiarizado com os assuntos referentes à indústria e ao trabalho. Em parceria com Engels, Marx publica o “Manifesto Comunista”, certidão de nascimento do socialismo moderno. Acusado de alta traição ao participar do movimento revolucionário, Marx é preso (1848). Apesar de absolvido pelo júri popular, foi expulso da Prússia (1849). Vai para Londres, cidade em que viveu até morrer sem se livrar da pobreza, apesar da ajuda prestada por Engels. Por ninharia, enviava artigos para algum jornal enquanto reunia material para sua obra sobre economia política cujo primeiro volume recebeu o título “Das Kapital”. O segundo e o terceiro foram publicados após a morte de Marx. Ambos resultaram dos manuscritos deixados por Marx reunidos, selecionados, revistos e editados por Engels.

Marx não só deu base filosófica ao socialismo como também pavimentou o terreno para uma revolução social. A fonte da teoria de Marx está localizada principalmente na filosofia de Hegel no que tange à dialética como instrumento de discussão filosófica, e na teoria econômica de Ricardo no que concerne ao valor do trabalho. Enquanto para Hegel o espírito tende para o absoluto e se realiza na história, para Marx o espírito se confunde com os meios de produção e o absoluto se confunde com a sociedade sem classes. Ao espiritualismo de Hegel, Marx opôs o materialismo: não é a consciência (espírito) que determina o curso da história e sim as condições materiais da vida. [Ele dizia haver colocado o pensamento de Hegel de cabeça para baixo, embora houvesse nesta afirmação algum exagero fruto do seu temperamento polêmico]. Nas suas “Teses Sobre Feuerbach”, redigidas em 1845, Marx mostra o papel da ação (práxis) no seu pensamento, opondo-se ao caráter abstrato do pensamento do filósofo alemão Ludwig Feuerbach. Na tese XI, ele diz: “Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”.

No que tange às idéias de luta de classes e de mais-valia, seus precursores foram os socialistas ingleses Charles Hall e William Thompson. Coube a Marx, a tarefa de reunir idéias precursoras em um sistema brotado da sua reflexão filosófica no campo da economia política. As proposições nucleares da teoria marxista são: (1) interpretação econômica da história, sem abdicar dos aspectos políticos e sociais; (2) materialismo dialético; (3) luta de classes; (4) mais-valia; (5) evolução socialista. A história deve ser interpretada do ponto de vista econômico. Os movimentos políticos, sociais e intelectuais no curso da história tiveram forte componente econômico. O trabalho científico reflete de um modo geral os interesses do grupo dominante da sociedade {a ciência a serviço do capital}. Os métodos de produção e as modalidades da troca de mercadorias determinam o desenvolvimento histórico. As causas reais {de fundo econômico} da revolução protestante foram ocultadas pelo véu ideológico das crenças religiosas. A história se processa segundo um mecanismo dialético de base material. Todo sistema econômico fundado em padrões de produção e de troca cresce até um ponto máximo de eficiência a partir do qual despontam as contradições e fraquezas que provocam sua queda. No curso desse processo nascem os fundamentos do sistema oposto que, por fim, substitui o antigo. Esta seqüência de vitórias do novo sobre o antigo prosseguirá até chegar ao comunismo. Depois, virão outras mudanças, porém, internas ao sistema comunista.

A história se faz de lutas entre as classes. Na Idade Antiga, a luta foi de senhores contra escravos e de patrícios contra plebeus. Na Idade Média, a luta foi entre os mestres das corporações e os trabalhadores e também entre os senhores feudais e os servos. Na Idade Moderna, a luta se trava entre os capitalistas e os proletários. Os capitalistas possuem os meios de produção e exploram trabalho alheio. Os operários produzem valor superior à remuneração do seu trabalho; tal excedente é retido pelo empregador. Os proletários vivem da venda da sua força de trabalho e ficam na dependência do salário. A diferença entre o valor produzido pelo trabalhador e o que recebe de fato como remuneração constitui a mais-valia que vai para as mãos do capitalista. Toda riqueza é criada pelo trabalhador. O capital nada cria. O capital é criado pelo trabalho. O valor de todas as utilidades é determinado pela quantidade de força de trabalho necessária para produzi-la. O trabalhador não recebe o valor total que o seu trabalho cria e sim um salário suficiente apenas para mantê-lo vivo e reproduzir a espécie humana.

A história segue um movimento evolutivo do capitalismo ao socialismo. O capitalismo cederá lugar ao socialismo quando receber o golpe de morte das mãos dos operários. Disto resultará a ditadura do proletariado. O trabalhador será remunerado de acordo com o trabalho realizado. O Estado possuirá e desenvolverá todos os meios de produção, distribuição e troca. O socialismo será transição para o comunismo. Neste último estágio não haverá classes. Todos viverão do seu trabalho. O Estado desaparecerá e nada tomará o seu lugar. Voluntárias associações exercerão o controle dos meios de produção e suprirão as necessidades sociais. Cada qual receberá segundo as suas necessidades. O sistema salarial será abolido. Cada um deverá trabalhar segundo sua capacidade e terá direito a receber do acervo total de riqueza um pagamento proporcional às necessidades. Nisto consiste a justiça social no pensamento de Marx. A dura e triste situação do operário europeu no século XIX gerou a idéia da passagem violenta do capitalismo ao socialismo. Todavia, observando o que se passava nos EUA naquele mesmo século, Marx admitiu a possibilidade de uma passagem pacífica e gradual.

Digno de nota é o fato de a revolução prevista originalmente por Marx ter ocorrido na Europa Oriental agrária e não na Europa Ocidental industrializada. No século XX, as revoluções russa e chinesa suprimiram a fase avançada do capitalismo e saltaram direto para o socialismo. Ambas tiveram de recuar e adotar práticas capitalistas. O sistema soviético desmoronou. “A história não dá saltos”. As doutrinas marxistas repercutiram no oriente e no ocidente. O dogma do materialismo dialético influiu tanto na economia como na filosofia e na ciência. Partidos socialistas foram organizados com base na teoria marxista. Houve bifurcação. Os ortodoxos seguiram os ensinamentos à risca e não admitiam qualquer mudança na teoria original. Quanto à praxe, entendiam necessária a revolução armada para implantar o socialismo e a ditadura do proletariado. Defendiam a expansão internacional e afirmavam que os proletários do mundo formavam uma só irmandade e deviam se unir. Esta facção, denominada comunista, considerava o patriotismo e o nacionalismo estratagemas capitalistas para cegar os operários. Os heterodoxos entendiam necessário adaptar a teoria às condições históricas reais. Defendiam os meios pacíficos para implantar gradualmente o socialismo. Pretendiam reformas imediatas: “menos por um futuro melhor e mais para um melhor presente”. Reconheciam os particulares interesses de cada nação, admitiam os deveres para com a pátria, o serviço militar e o fortalecimento bélico do Estado enquanto não se atingisse o estágio mais avançado do socialismo. Esta facção foi denominada revisionista e socialista.

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