EUROPA (1800
a 1900). Continuação.
Karl Marx (1818 a 1883), nascido em
Trèves, na região do Reno, no seio de uma família judia que se convertera ao
cristianismo protestante, propiciou base filosófica ao socialismo. Contrariando
o pai advogado, Marx abandonou os estudos jurídicos e se dedicou aos estudos de
filosofia e história. Doutor em filosofia pela Universidade de Iena (1841), viu
frustrado o seu propósito de lecionar. As suas críticas impediram-no de
ingressar no magistério superior. Dedicou-se ao jornalismo. As autoridades
prussianas suspenderam a publicação do seu jornal. Mudou-se, então, para a
França, onde conheceu os mais destacados socialistas. Em Paris, ele faz amizade
com Friedrich Engels, cujo pai possuía fábricas na Alemanha e na Inglaterra.
Engels dirigia a fábrica inglesa em Manchester e deixou Marx familiarizado com
os assuntos referentes à indústria e ao trabalho. Em parceria com Engels, Marx
publica o “Manifesto Comunista”, certidão de nascimento do socialismo moderno.
Acusado de alta traição ao participar do movimento revolucionário, Marx é preso
(1848). Apesar de absolvido pelo júri popular, foi expulso da Prússia (1849).
Vai para Londres, cidade em que viveu até morrer sem se livrar da pobreza,
apesar da ajuda prestada por Engels. Por ninharia, enviava artigos para algum
jornal enquanto reunia material para sua obra sobre economia política cujo
primeiro volume recebeu o título “Das Kapital”. O segundo e o terceiro foram
publicados após a morte de Marx. Ambos resultaram dos manuscritos deixados por
Marx reunidos, selecionados, revistos e editados por Engels.
Marx não só deu base filosófica
ao socialismo como também pavimentou o terreno para uma revolução social. A
fonte da teoria de Marx está localizada principalmente na filosofia de Hegel no
que tange à dialética como instrumento de discussão filosófica, e na teoria
econômica de Ricardo no que concerne ao valor do trabalho. Enquanto para Hegel
o espírito tende para o absoluto e se realiza na história, para
Marx o espírito se confunde com os
meios de produção e o absoluto se
confunde com a sociedade sem classes. Ao espiritualismo de Hegel, Marx opôs o
materialismo: não é a consciência (espírito)
que determina o curso da história e sim as condições materiais da vida. [Ele
dizia haver colocado o pensamento de Hegel de cabeça para baixo, embora
houvesse nesta afirmação algum exagero fruto do seu temperamento polêmico]. Nas
suas “Teses Sobre Feuerbach”, redigidas em 1845, Marx mostra o papel da ação (práxis) no seu pensamento, opondo-se ao
caráter abstrato do pensamento do filósofo alemão Ludwig Feuerbach. Na tese XI,
ele diz: “Os filósofos se limitaram a
interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”.
No que tange às idéias de luta de classes e de mais-valia, seus precursores foram os
socialistas ingleses Charles Hall e William Thompson. Coube a Marx, a tarefa de
reunir idéias precursoras em um sistema brotado da sua reflexão filosófica no
campo da economia política. As proposições nucleares da teoria marxista são:
(1) interpretação econômica da história, sem abdicar dos aspectos políticos e
sociais; (2) materialismo dialético; (3) luta de classes; (4) mais-valia; (5)
evolução socialista. A história deve ser interpretada do ponto de vista
econômico. Os movimentos políticos, sociais e intelectuais no curso da história
tiveram forte componente econômico. O trabalho científico reflete de um modo
geral os interesses do grupo dominante da sociedade {a ciência a serviço do
capital}. Os métodos de produção e as modalidades da troca de mercadorias
determinam o desenvolvimento histórico. As causas reais {de fundo econômico} da
revolução protestante foram ocultadas pelo véu ideológico das crenças
religiosas. A história se processa segundo um mecanismo dialético de base
material. Todo sistema econômico fundado em padrões de produção e de troca
cresce até um ponto máximo de eficiência a partir do qual despontam as
contradições e fraquezas que provocam sua queda. No curso desse processo nascem
os fundamentos do sistema oposto que, por fim, substitui o antigo. Esta seqüência
de vitórias do novo sobre o antigo prosseguirá até chegar ao comunismo. Depois,
virão outras mudanças, porém, internas ao sistema comunista.
A história se faz de lutas entre
as classes. Na Idade Antiga, a luta foi de senhores contra escravos e de
patrícios contra plebeus. Na Idade Média, a luta foi entre os mestres das
corporações e os trabalhadores e também entre os senhores feudais e os servos.
Na Idade Moderna, a luta se trava entre os capitalistas e os proletários. Os
capitalistas possuem os meios de produção e exploram trabalho alheio. Os
operários produzem valor superior à remuneração do seu trabalho; tal excedente
é retido pelo empregador. Os proletários vivem da venda da sua força de trabalho
e ficam na dependência do salário. A diferença entre o valor produzido pelo
trabalhador e o que recebe de fato como remuneração constitui a mais-valia que vai para as mãos do
capitalista. Toda riqueza é criada pelo trabalhador. O capital nada cria. O
capital é criado pelo trabalho. O valor de todas as utilidades é determinado
pela quantidade de força de trabalho necessária para produzi-la. O trabalhador
não recebe o valor total que o seu trabalho cria e sim um salário suficiente
apenas para mantê-lo vivo e reproduzir a espécie humana.
A história segue um movimento
evolutivo do capitalismo ao socialismo. O capitalismo cederá lugar ao
socialismo quando receber o golpe de morte das mãos dos operários. Disto
resultará a ditadura do proletariado. O trabalhador será remunerado de acordo
com o trabalho realizado. O Estado possuirá e desenvolverá todos os meios de
produção, distribuição e troca. O socialismo será transição para o comunismo.
Neste último estágio não haverá classes. Todos viverão do seu trabalho. O
Estado desaparecerá e nada tomará o seu lugar. Voluntárias associações
exercerão o controle dos meios de produção e suprirão as necessidades sociais.
Cada qual receberá segundo as suas necessidades. O sistema salarial será
abolido. Cada um deverá trabalhar segundo sua capacidade e terá direito a
receber do acervo total de riqueza um pagamento proporcional às necessidades.
Nisto consiste a justiça social no
pensamento de Marx. A dura e triste situação do operário europeu no século XIX
gerou a idéia da passagem violenta do capitalismo ao socialismo. Todavia,
observando o que se passava nos EUA naquele mesmo século, Marx admitiu a
possibilidade de uma passagem pacífica e gradual.
Digno de nota é o fato de a
revolução prevista originalmente por Marx ter ocorrido na Europa Oriental
agrária e não na Europa Ocidental industrializada. No século XX, as revoluções
russa e chinesa suprimiram a fase avançada do capitalismo e saltaram direto
para o socialismo. Ambas tiveram de recuar e adotar práticas capitalistas. O
sistema soviético desmoronou. “A história não dá saltos”. As doutrinas
marxistas repercutiram no oriente e no ocidente. O dogma do materialismo
dialético influiu tanto na economia como na filosofia e na ciência. Partidos
socialistas foram organizados com base na teoria marxista. Houve bifurcação. Os
ortodoxos seguiram os ensinamentos à
risca e não admitiam qualquer mudança na teoria original. Quanto à praxe,
entendiam necessária a revolução armada para implantar o socialismo e a
ditadura do proletariado. Defendiam a expansão internacional e afirmavam que os
proletários do mundo formavam uma só irmandade e deviam se unir. Esta facção,
denominada comunista, considerava o
patriotismo e o nacionalismo estratagemas capitalistas para cegar os operários.
Os heterodoxos entendiam necessário adaptar
a teoria às condições históricas reais. Defendiam os meios pacíficos para
implantar gradualmente o socialismo. Pretendiam reformas imediatas: “menos por
um futuro melhor e mais para um melhor presente”. Reconheciam os particulares
interesses de cada nação, admitiam os deveres para com a pátria, o serviço
militar e o fortalecimento bélico do Estado enquanto não se atingisse o estágio
mais avançado do socialismo. Esta facção foi denominada revisionista e socialista.
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