sexta-feira, 21 de novembro de 2014

POSSE PRESIDENCIAL


Minha esposa chamou-me a atenção para um artigo do jornalista Luis Nassif, publicado em 18.11.2014, na rede de computadores (www.viomundo.com.br), em que ele denuncia golpe arquitetado pelos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, do Tribunal Superior Eleitoral. A manobra denunciada visa a impedir a diplomação e a posse da candidata reeleita para o cargo de Presidente da República. No Brasil republicano e democrático, o inconformismo dos vencidos no pleito para presidente geralmente descamba para os golpes tentados ou consumados. Foi assim em 1930 (consumado), em 1955 (tentado), em 1964 (consumado) e agora em 2014 (ensaiado). A citada manobra, se comprovada, caracteriza mais um lance da rivalidade entre os bandidos do colarinho branco que disputam o poder com olhos no tesouro: a quadrilha do PSDB lutando para desalojar a quadrilha do PT. 

O Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal funcionarão até dezembro e poderão evitar o golpe se a denúncia do jornalista for confirmada. Ainda que venha a faltar lastro, a denúncia serve para algumas reflexões sobre eleição e reeleição de presidentes.     

A reeleição do Presidente da República introduzida pela Emenda Constitucional 16/1997, enseja questionamento sobre a diplomação do reeleito e a posse do cargo. O artigo 78, da Constituição da República – não alterado pela referida EC 16 – dispõe sobre a posse do presidente eleito, porém silencia sobre o presidente reeleito. Há razão lógica para tal silêncio. 

Ao Tribunal Superior Eleitoral compete proclamar eleito presidente o candidato mais votado. Essa proclamação é ato oficial de reconhecimento da vontade do povo e da vigência do mandato político. A expedição do diploma é mera formalidade. A falta do diploma não anula o resultado das urnas, o mandato político daí aflorado e a proclamação do eleito ou reeleito. O mandato político pode ser exercido em sua plenitude. O outorgante do mandato político é o povo (maioria dos votos válidos do corpo eleitoral) e não o tribunal. A expedição do diploma pelo tribunal tem o burocrático e exclusivo escopo de documentar o mandato político e não o de outorgá-lo. Considerando que o presidente reeleito já foi diplomado por ocasião da primeira eleição, a expedição de novo diploma é despicienda; basta atualizar os dados, se necessário. Inexiste previsão constitucional ou legal para o mesmo titular portar dois diplomas para o mesmo cargo e para a mesma função quando há continuidade.

Posse consiste no poder de fato do sujeito sobre a coisa móvel, imóvel ou semovente, sobre bens materiais e imateriais (posse de direitos ou de faculdades). Cargo público é lugar na organização estatal com funções específicas estabelecidas na Constituição e nas leis. O cargo público, dada sua feição espacial e topográfica, pode ser – e realmente o é – objeto de posse, mas não de propriedade. O candidato entra na posse do cargo público eletivo segundo o processo jurídico estabelecido na Constituição e nas leis. O Presidente da República permanece na posse do seu cargo e desempenha as respectivas funções até findar o mandato que recebeu do povo. Caso o seu mandato seja renovado por reeleição, não haverá solução de continuidade. O presidente continuará na posse do seu cargo sem interrupção até findar o segundo período, porque nele foi confirmado previamente pelos eleitores antes de findar o primeiro período. Logo, não há necessidade alguma de nova cerimônia de posse.

O mandato político outorgado pelo povo em eleição e renovado pelo povo em reeleição há de ser respeitado em decorrência da soberania popular. A proclamação do resultado da eleição pelo tribunal eleitoral apenas comprova oficialmente a outorga do mandato pelo eleitor. Na reeleição, o povo mantém o presidente na posse do cargo por mais quatro anos quando ele ainda está no exercício do seu mandato. A reeleição brota da vontade popular e inclui o compromisso anteriormente prestado pelo presidente perante o Congresso Nacional: cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil. A Constituição não exige que esse compromisso seja ratificado pelo reeleito. Essa ratificação é prática marginal recente (praeter legem) e por isto mesmo ainda não tipifica tradição cultural e nem costume válido juridicamente.

Pretender dar posse a quem já a detém de fato e de direito agride à lógica e ao bom senso. Não se há de confundir cargo com mandato. O cargo de presidente foi criado pelo legislador constituinte ao organizar a república, tem caráter permanente e funções especificadas na Constituição. O mandato político é outorga do povo que autoriza o eleito ou o reeleito a desempenhar aquelas funções. O eleito toma posse do cargo que antes não ocupava e passa a exercer o mandato político. O reeleito permanece na posse do cargo que já ocupa e continua a exercer o seu mandato político renovado. O Congresso Nacional dá posse ao eleito. Quanto ao reeleito, tal cerimônia constitui tributo a um formalismo estéril.

Se exigível na reeleição – ad argumentandum – a cerimônia de posse não poderia ser obstada por decisão judicial alicerçada em eventual anomalia no financiamento particular da campanha eleitoral alegada para justificar o golpe arquitetado pelos ministros e denunciado pelo jornalista. O presidente reeleito ficaria impedido de continuar na posse do cargo por ato do Poder Judiciário. Isto significaria invasão da competência privativa do Poder Legislativo. Somente à Câmara dos Deputados cabe autorizar a instauração de processo contra o Presidente da República e somente decisão do Senado Federal proferida no devido processo jurídico poderá afastá-lo do cargo. Ao tribunal eleitoral caberia comunicar ao Legislativo eventual anomalia no processo eleitoral, desde que fosse grave o suficiente para retirar do cargo o presidente reeleito. Cabe lembrar o disposto na Constituição (86, 4º): “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

 

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