Minha esposa chamou-me a atenção
para um artigo do jornalista Luis Nassif, publicado em 18.11.2014, na rede de
computadores (www.viomundo.com.br),
em que ele denuncia golpe arquitetado pelos ministros Gilmar Mendes e Dias
Toffoli, do Tribunal Superior Eleitoral. A manobra denunciada visa a impedir a
diplomação e a posse da candidata reeleita para o cargo de Presidente da República.
No Brasil republicano e democrático, o inconformismo dos vencidos no pleito para
presidente geralmente descamba para os golpes tentados ou consumados. Foi assim
em 1930 (consumado), em 1955 (tentado), em 1964 (consumado) e agora em 2014 (ensaiado).
A citada manobra, se comprovada, caracteriza mais um lance da rivalidade entre os
bandidos do colarinho branco que disputam o poder com olhos no tesouro: a quadrilha
do PSDB lutando para desalojar a quadrilha do PT.
O Congresso Nacional e o Supremo
Tribunal Federal funcionarão até dezembro e poderão evitar o golpe se a denúncia
do jornalista for confirmada. Ainda que venha a faltar lastro, a denúncia serve
para algumas reflexões sobre eleição
e reeleição de presidentes.
A reeleição do Presidente da República introduzida pela Emenda
Constitucional 16/1997, enseja questionamento sobre a diplomação do reeleito e a posse do cargo. O artigo
78, da Constituição da República – não alterado pela referida EC 16 – dispõe
sobre a posse do presidente eleito,
porém silencia sobre o presidente reeleito.
Há razão lógica para tal silêncio.
Ao Tribunal Superior Eleitoral
compete proclamar eleito presidente o candidato mais votado. Essa proclamação é
ato oficial de reconhecimento da vontade do povo e da vigência do mandato
político. A expedição do diploma é mera formalidade. A falta do diploma não anula
o resultado das urnas, o mandato político daí aflorado e a proclamação do eleito
ou reeleito. O mandato político pode ser exercido em sua plenitude. O
outorgante do mandato político é o povo (maioria dos votos válidos do corpo eleitoral)
e não o tribunal. A expedição do diploma pelo tribunal tem o burocrático e
exclusivo escopo de documentar o mandato político e não o de outorgá-lo.
Considerando que o presidente reeleito
já foi diplomado por ocasião da primeira eleição, a expedição de novo diploma é
despicienda; basta atualizar os dados, se necessário. Inexiste previsão
constitucional ou legal para o mesmo titular portar dois diplomas para o mesmo
cargo e para a mesma função quando há continuidade.
Posse consiste no poder de fato do sujeito sobre a coisa móvel, imóvel
ou semovente, sobre bens materiais e imateriais (posse de direitos ou de
faculdades). Cargo público é lugar na organização estatal com funções
específicas estabelecidas na Constituição e nas leis. O cargo público, dada sua feição espacial e topográfica, pode ser – e
realmente o é – objeto de posse, mas não de propriedade. O candidato entra na
posse do cargo público eletivo segundo
o processo jurídico estabelecido na Constituição e nas leis. O Presidente da República
permanece na posse do seu cargo e desempenha as respectivas funções até findar
o mandato que recebeu do povo. Caso o seu mandato seja renovado por reeleição, não haverá solução de
continuidade. O presidente continuará na posse do seu cargo sem interrupção até
findar o segundo período, porque nele foi confirmado previamente pelos eleitores
antes de findar o primeiro período. Logo, não há necessidade alguma de nova
cerimônia de posse.
O mandato político outorgado pelo
povo em eleição e renovado pelo povo em
reeleição há de ser respeitado em decorrência
da soberania popular. A proclamação do resultado da eleição pelo tribunal
eleitoral apenas comprova oficialmente a outorga do mandato pelo eleitor. Na reeleição, o povo mantém o presidente na
posse do cargo por mais quatro anos quando ele ainda está no exercício do seu
mandato. A reeleição brota da vontade
popular e inclui o compromisso anteriormente prestado pelo presidente perante o
Congresso Nacional: cumprir a
Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro,
sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil. A
Constituição não exige que esse compromisso seja ratificado pelo reeleito. Essa ratificação é prática marginal
recente (praeter legem) e por isto
mesmo ainda não tipifica tradição cultural e nem costume
válido juridicamente.
Pretender dar posse a quem já a
detém de fato e de direito agride à lógica e ao bom senso. Não se há de
confundir cargo com mandato. O cargo de presidente foi criado pelo legislador constituinte ao
organizar a república, tem caráter permanente e funções especificadas na
Constituição. O mandato político é
outorga do povo que autoriza o eleito
ou o reeleito a desempenhar aquelas
funções. O eleito toma posse do cargo
que antes não ocupava e passa a exercer o mandato político. O reeleito permanece na posse do cargo que
já ocupa e continua a exercer o seu mandato político renovado. O Congresso
Nacional dá posse ao eleito. Quanto
ao reeleito, tal cerimônia constitui tributo
a um formalismo estéril.
Se exigível na reeleição – ad argumentandum – a cerimônia de posse não
poderia ser obstada por decisão judicial alicerçada em eventual anomalia no
financiamento particular da campanha eleitoral alegada para justificar o golpe
arquitetado pelos ministros e denunciado pelo jornalista. O presidente reeleito ficaria impedido de continuar na
posse do cargo por ato do Poder Judiciário. Isto significaria invasão da
competência privativa do Poder Legislativo. Somente à Câmara dos Deputados cabe
autorizar a instauração de processo contra o Presidente da República e somente
decisão do Senado Federal proferida no devido processo jurídico poderá afastá-lo
do cargo. Ao tribunal eleitoral caberia comunicar ao Legislativo eventual anomalia
no processo eleitoral, desde que fosse grave o suficiente para retirar do cargo
o presidente reeleito. Cabe lembrar o
disposto na Constituição (86, 4º): “O Presidente da República, na vigência de
seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de
suas funções”.
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