domingo, 3 de agosto de 2014

MÁSCARA



Amiga residente em Campinas-SP, envia pela rede de computadores artigo intitulado “A Máscara do Gigante”, de autoria do escritor peruano Mario Vargas Llosa, publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, edição de 27/07/2014. O autor cita “a mítica seleção brasileira, famosa seleção canarinho” da sua juventude, fala em decadência do futebol, lança a culpa sobre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva por criar ficção e semear políticas mercantilistas e catastróficas, censura a parceria entre os setores público e privado, os gastos com a Copa do Mundo e a corrupção geral. Afirma, ainda, que a reeleição de Dilma Rousseff levará o povo à ruína e que Fernando Henrique Cardoso organizou as finanças e assentou as bases de uma verdadeira democracia e genuína economia de mercado.

O Brasil é gigante, mas não mascarado. Imenso território, população de 200 milhões, colossal e dispendiosa organização civil e militar, receita e despesa fabulosas, riquezas naturais, economia entre as 10 maiores do planeta. Máscara esconde rosto de indivíduo e não de nação. Na república brasileira há transparência, fronteiras abertas aos amigos, zelo pelos direitos humanos, asilo político, emprego aos imigrantes (inclusive peruanos), aversão ao terrorismo. Oposta ao mito, a política governamental é programa efetivo de princípios e metas. O orçamento é minucioso, aprovado pelos representantes do povo, cuja execução o Tribunal de Contas fiscaliza. Opostos às miragens, os serviços e obras do governo são realidades concretas, deficientes em alguns setores, satisfatórios em outros. A corrupção é universal. A desonestidade não tem cor nem pátria. No Brasil, os vícios são crônicos. As novas gerações se mostram dispostas a combatê-los como indica a rebelião da juventude paulista em junho de 2013 [35 mil pessoas nas ruas, barricadas de fogo, coquetéis Molotov, paus, pedras, balas de borracha, gás lacrimogêneo, tanque com canhão de água, corpo a corpo, correria, prisões].   
 
As seleções brasileiras de futebol de 1950 a 1970 que deslumbraram o escritor em sua juventude existem apenas na recordação. A de 2014, que o decepcionou, também não mais existe. Há várias seleções e não apenas uma única e eterna. Algumas se eternizam no coração do aficionado. Os quadros se renovam e nem sempre mantêm o mesmo padrão de eficiência e beleza. Nem por isto se deve taxar de apagado – como faz o escritor peruano – o rendimento de uma seleção que se classificou em quarto lugar na copa mundial. Ao golear a seleção brasileira, a alemã não aniquilou ficção alguma. O bom futebol brasileiro não é uma ficção e sim uma realidade expressa nos estádios e evidenciada na contratação de treinadores e jogadores brasileiros por clubes estrangeiros. Llosa valeu-se do episódio esportivo como pedra de toque do que tinha em mira: a política governamental. Ele faz da mencionada derrota o aríete para arrombar os assuntos internos do Brasil. Trata-se de artigo encomendado a peso de ouro nesta época de eleição a fim de prestigiar os partidos da oposição e denegrir os da situação. Não custa lembrar: o escritor profissional obtém a sua renda dos textos que escreve.

Do artigo em tela emana sentimento comum a cidadãos de países da América do Sul, misto de hostilidade e inveja camuflado por uma capa de hipocrisia. Com o propósito de aumentar a força persuasiva do texto, o jornal paulista que o publicou informa que o autor recebeu o prêmio Nobel de literatura. O jornal aposta na obtusidade dos leitores. A entrega desse prêmio ocorre em circunstâncias estranhas à obra do escritor. Assemelha-se à FIFA, que concedeu a Messi o prêmio de melhor jogador da copa de 2014 preterindo jogadores cuja atuação foi muito superior à do argentino. Assemelha-se também à Academia Brasileira de Letras que admite gente abstrusa no sodalício por critérios estranhos ao valor da produção literária do candidato. Não se afasta a hipótese da compra e venda dos votos se considerada a sede argentaria que caracteriza a nossa época. O texto de Llosa é capcioso. Ser literato premiado não significa ser honesto, bom caráter, bom marido, bom pai, bom cidadão, nem que a sua opinião fora do campo literário seja mais valiosa do que a opinião do homem comum ou dos cultores da arte, da ciência, da filosofia. Ele talvez entenda de politicagem. Disputou a presidência do Peru e perdeu para Alberto Fujimori (1990). O eleitor peruano não se impressionou com a postura aristocrática e pernóstica de Llosa.

Ao contrário do que diz o açodado escritor, a democracia brasileira não é obra de Fernando Henrique Cardoso, acadêmico aristocrático, oportunista, fauno e velhaco. A democracia resultou da resistência de brasileiros ao regime autocrático durante 20 anos (1967 a 1987). A democracia se consolidou com a reunião da Assembléia Nacional Constituinte e a vigência da nova Constituição. Ao comparar o governo Cardoso com os governos Silva e Rousseff, o escritor peruano mostra desconhecer a política brasileira. O governo Cardoso foi o mais corrupto e antipatriótico da história do Brasil. Vendeu o patrimônio estratégico da nação para lucrar com as gordas comissões pagas pelos adquirentes. No final desse governo a inflação era de 12%. No final do governo Silva o índice estava bem mais baixo. A estabilidade da economia e da moeda foi obra do governo Franco e não do governo Cardoso. Fernando Henrique, o bon vivant, apenas se aproveitou da política do antecessor a quem traiu obtendo a reeleição para si de forma indecorosa quando o seu mandato ainda estava em curso. Ao contrário do que afirma o literato peruano, a política econômica do governo Silva foi vitoriosa e admirada pelas grandes nações. O governo Silva enfrentou de maneira competente e exemplar a grave crise mundial de 2008. Houve melhoria nas camadas pobre e média da população sem prejuízo da democracia e da economia de mercado. Llosa não esclarece o que entende por “genuína” economia de mercado, mas pelo que se depreende do artigo, ele é favorável ao capitalismo selvagem e contrário às garantias dos trabalhadores. Em tom ad terrorem ele qualifica de “muito alarmantes” as cifras sobre o futuro do Brasil e profetiza: “este ano a economia crescerá apenas 1,5%”. Alarmante seria abaixo de zero! Assim mesmo, o juízo de valor dependeria do exame da conjuntura nacional e internacional. Numa retórica vazia, sem base em dados confiáveis, Llosa insinua falsidade nas estatísticas do IBGE.

Mario Vargas Llosa, escritor culturalmente colonizado, usa argumento terrorista ao afirmar levianamente que a reeleição de Dilma Rousseff será a ruína do povo brasileiro. Mensagem de terror igual a que foi utilizada pelo PSDB contra Luiz Inácio na disputa pela presidência da república. Na primeira vez, o terror venceu: Fernando Henrique foi eleito. Na segunda vez, o terror perdeu: Serra não foi eleito. O ostracismo foi o destino da atriz que fazia a tétrica e enganosa propaganda de Serra. Llosa pretende desmoralizar o atual governo, prestigiar o amigo Fernando e cabalar votos para o candidato do seu feitio almofadinha e presunçoso. Ele e Fernando têm em comum a pátria amada (França) e a vaidade transbordante. Llosa vive mais em Paris do que em Lima. No opúsculo “A Civilização do Espetáculo” de sua autoria, ele requenta teses de McLuhan e plagia obras como “A Sociedade do Espetáculo” de Guy Debord e “No Castelo de Barba Azul” de George Steiner. [Herbert Marshall McLuhan, canadense, professor, filósofo, teórico da comunicação, cunhou a expressão “aldeia global” e a frase “o meio é a mensagem”]. No citado opúsculo, Llosa critica a liberdade sexual e o islamismo, lamenta a extensão da cultura às massas, desconsidera a cultura popular e expõe o seu reducionista conceito de cultura como refinamento artístico e literário, com hierarquia de valores, princípios e regras, ofício da elite intelectual.

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