Amiga residente em Campinas-SP, envia pela rede de
computadores artigo intitulado “A Máscara do Gigante”, de autoria do escritor
peruano Mario Vargas Llosa, publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, edição
de 27/07/2014. O autor cita “a mítica seleção brasileira, famosa seleção
canarinho” da sua juventude, fala em decadência do futebol, lança a culpa sobre
o governo de Luiz Inácio Lula da Silva por criar ficção e semear políticas
mercantilistas e catastróficas, censura a parceria entre os setores público e
privado, os gastos com a Copa do Mundo e a corrupção geral. Afirma, ainda, que
a reeleição de Dilma Rousseff levará o povo à ruína e que Fernando Henrique
Cardoso organizou as finanças e assentou as bases de uma verdadeira democracia
e genuína economia de mercado.
O Brasil é gigante,
mas não mascarado. Imenso território,
população de 200 milhões, colossal e dispendiosa organização civil e militar,
receita e despesa fabulosas, riquezas naturais, economia entre as 10 maiores do
planeta. Máscara esconde rosto de
indivíduo e não de nação. Na república brasileira há transparência, fronteiras
abertas aos amigos, zelo pelos direitos humanos, asilo político, emprego aos
imigrantes (inclusive peruanos), aversão ao terrorismo. Oposta ao mito, a
política governamental é programa efetivo de princípios e metas. O orçamento é
minucioso, aprovado pelos representantes do povo, cuja execução o Tribunal de Contas
fiscaliza. Opostos às miragens, os serviços e obras do governo são realidades concretas,
deficientes em alguns setores, satisfatórios em outros. A corrupção é
universal. A desonestidade não tem cor nem pátria. No Brasil, os vícios são
crônicos. As novas gerações se mostram dispostas a combatê-los como indica a rebelião
da juventude paulista em junho de 2013 [35 mil pessoas nas ruas, barricadas de
fogo, coquetéis Molotov, paus, pedras, balas de borracha, gás lacrimogêneo,
tanque com canhão de água, corpo a corpo, correria, prisões].
As seleções brasileiras de futebol de 1950 a 1970 que deslumbraram
o escritor em sua juventude existem apenas na recordação. A de 2014, que o decepcionou,
também não mais existe. Há várias seleções e não apenas uma única e eterna.
Algumas se eternizam no coração do aficionado. Os quadros se renovam e nem
sempre mantêm o mesmo padrão de eficiência e beleza. Nem por isto se deve taxar
de apagado – como faz o escritor
peruano – o rendimento de uma seleção que se classificou em quarto lugar na
copa mundial. Ao golear a seleção brasileira, a alemã não aniquilou ficção
alguma. O bom futebol brasileiro não é uma ficção e sim uma realidade expressa nos
estádios e evidenciada na contratação de treinadores e jogadores brasileiros
por clubes estrangeiros. Llosa valeu-se do episódio esportivo como pedra de
toque do que tinha em mira: a política governamental. Ele faz da mencionada
derrota o aríete para arrombar os assuntos internos do Brasil. Trata-se de
artigo encomendado a peso de ouro nesta época de eleição a fim de prestigiar os
partidos da oposição e denegrir os da situação. Não custa lembrar: o escritor
profissional obtém a sua renda dos textos que escreve.
Do artigo em tela emana sentimento comum a cidadãos de
países da América do Sul, misto de hostilidade e inveja camuflado por uma capa
de hipocrisia. Com o propósito de aumentar a força persuasiva do texto, o
jornal paulista que o publicou informa que o autor recebeu o prêmio Nobel de
literatura. O jornal aposta na obtusidade dos leitores. A entrega desse prêmio ocorre
em circunstâncias estranhas à obra do escritor. Assemelha-se à FIFA, que
concedeu a Messi o prêmio de melhor jogador da copa de 2014 preterindo jogadores
cuja atuação foi muito superior à do argentino. Assemelha-se também à Academia
Brasileira de Letras que admite gente abstrusa no sodalício por critérios
estranhos ao valor da produção literária do candidato. Não se afasta a hipótese
da compra e venda dos votos se considerada a sede argentaria que caracteriza a
nossa época. O texto de Llosa é capcioso. Ser literato premiado não significa
ser honesto, bom caráter, bom marido, bom pai, bom cidadão, nem que a sua
opinião fora do campo literário seja mais valiosa do que a opinião do homem
comum ou dos cultores da arte, da ciência, da filosofia. Ele talvez entenda de
politicagem. Disputou a presidência do Peru e perdeu para Alberto Fujimori
(1990). O eleitor peruano não se impressionou com a postura aristocrática e
pernóstica de Llosa.
Ao contrário do que diz o açodado escritor, a
democracia brasileira não é obra de Fernando Henrique Cardoso, acadêmico
aristocrático, oportunista, fauno e velhaco. A democracia resultou da
resistência de brasileiros ao regime autocrático durante 20 anos (1967 a 1987). A democracia
se consolidou com a reunião da Assembléia Nacional Constituinte e a vigência da
nova Constituição. Ao comparar o governo Cardoso com os governos Silva e Rousseff,
o escritor peruano mostra desconhecer a política brasileira. O governo Cardoso foi
o mais corrupto e antipatriótico da história do Brasil. Vendeu o patrimônio
estratégico da nação para lucrar com as gordas comissões pagas pelos
adquirentes. No final desse governo a inflação era de 12%. No final do governo
Silva o índice estava bem mais baixo. A estabilidade da economia e da moeda foi
obra do governo Franco e não do governo Cardoso. Fernando Henrique, o bon vivant, apenas se aproveitou da política
do antecessor a quem traiu obtendo a reeleição para si de forma indecorosa quando
o seu mandato ainda estava em
curso. Ao contrário do que afirma o literato peruano, a política
econômica do governo Silva foi vitoriosa e admirada pelas grandes nações. O
governo Silva enfrentou de maneira competente e exemplar a grave crise mundial
de 2008. Houve melhoria nas camadas pobre e média da população sem prejuízo da
democracia e da economia de mercado. Llosa não esclarece o que entende por “genuína”
economia de mercado, mas pelo que se depreende do artigo, ele é favorável ao
capitalismo selvagem e contrário às garantias dos trabalhadores. Em tom ad terrorem ele qualifica de “muito
alarmantes” as cifras sobre o futuro do Brasil e profetiza: “este ano a
economia crescerá apenas 1,5%”. Alarmante seria abaixo de zero! Assim mesmo, o
juízo de valor dependeria do exame da conjuntura nacional e internacional. Numa
retórica vazia, sem base em dados confiáveis, Llosa insinua falsidade nas
estatísticas do IBGE.
Mario Vargas Llosa, escritor culturalmente colonizado,
usa argumento terrorista ao afirmar levianamente que a reeleição de Dilma
Rousseff será a ruína do povo brasileiro. Mensagem de terror igual a que foi utilizada
pelo PSDB contra Luiz Inácio na disputa pela presidência da república. Na
primeira vez, o terror venceu: Fernando Henrique foi eleito. Na segunda vez, o
terror perdeu: Serra não foi eleito. O ostracismo foi o destino da atriz que
fazia a tétrica e enganosa propaganda de Serra. Llosa pretende desmoralizar o atual
governo, prestigiar o amigo Fernando e cabalar votos para o candidato do seu
feitio almofadinha e presunçoso. Ele e Fernando têm em comum a pátria amada
(França) e a vaidade transbordante. Llosa vive mais em Paris do que em Lima. No opúsculo “A
Civilização do Espetáculo” de sua autoria, ele requenta teses de McLuhan e plagia
obras como “A Sociedade do Espetáculo” de Guy Debord e “No Castelo de Barba
Azul” de George Steiner. [Herbert Marshall McLuhan, canadense, professor,
filósofo, teórico da comunicação, cunhou a expressão “aldeia global” e a frase
“o meio é a mensagem”]. No citado opúsculo, Llosa critica a liberdade sexual e
o islamismo, lamenta a extensão da cultura às massas, desconsidera a cultura
popular e expõe o seu reducionista conceito de cultura como refinamento artístico e literário, com hierarquia de
valores, princípios e regras, ofício da elite intelectual.
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