EUROPA (1600
a 1800). Continuação.
Blaise Pascal (1623 a 1662), intelectual
francês educado pelo pai que era matemático e jurista membro da corte suprema.
Pascal se dedicou à matemática, à ciência, à filosofia e à religião. Inventou máquina
aritmética aos 19 anos de idade. As pesquisas sobre o jogo de dados levaram-no
a formular o cálculo das probabilidades que denominou alea geometria (geometria do acaso). Outro resultado dessas
pesquisas foi o denominado “triângulo de Pascal” (tabela numérica para calcular
combinações). No seu “Tratado sobre as Potências Numéricas” aborda a questão
dos infinitamente pequenos, à qual volta mais tarde ao estudar a área da
ciclóide (curva descrita por um ponto da circunferência que rola sem deslizar sobre
uma reta). O método empregado por Pascal nesse estudo abriu caminho à
descoberta do cálculo integral por Leibnitz e Newton. A sua obra mais difundida
recebeu o título de Pensamentos e foi
publicada após a sua morte. Nas suas “Cartas Provinciais”, Pascal diz algo
incrível: “Achais impossível que deus
seja infinito e sem partes? Quero, então, mostrar-vos uma coisa indivisível e
infinita: é um ponto movendo-se para todos os lados a uma velocidade infinita,
pois ele está em todos os lugares e totalmente em cada lugar”. Tendo em
vista o estágio científico da época, esta assertiva de Pascal mereceu a
compreensível censura de Voltaire. No entanto, os cientistas do século XX
verificaram atônitos que, mutatis
mutandis, aquilo dito por Pascal parece acontecer com partículas atômicas.
Na trajetória da ciência
para a religião Pascal assim se posiciona: (1) os filósofos pagãos acreditam em
um deus que gera verdades geométricas e a ordem dos elementos; (2) os judeus
acreditam em um deus providencial sobre a vida e os bens dos homens visando a
lhes dar dias e anos felizes; (3) os cristãos acreditam em um deus de amor e de
consolação que os faz sentir internamente a miséria em que vivem e a infinita
misericórdia de quem os criou. Só a religião de Jesus Cristo é capaz de esclarecer
o mistério do homem. Submissão e uso da razão: nisto consiste o
cristianismo. Pascal aderiu ao jansenismo,
doutrina do holandês Cornélio Jansênio (1585 a 1638) que pregava o retorno do
catolicismo à disciplina e à moral religiosa dos primórdios do cristianismo.
Para Jansênio, a razão filosófica era a mãe de todas as heresias. Os
jansenistas participaram da luta contra a monarquia absoluta em França. Ao tentar o
difícil acordo entre a razão e a fé, Pascal imagina o triunfo da ciência na
igreja e o triunfo da fé na ciência. A luz
natural derivada da razão que pode conhecer o que estiver ao seu alcance
deve ser sustentada pela luz sobrenatural
derivada da fé. A medida do corpo é a extensão. A medida da alma é o
pensamento. A verdadeira grandeza do homem reside na consciência dos seus
limites e das suas fraquezas. As coisas passam a existir a partir de deus. As
idéias passam a existir a partir do homem. A cada problema o seu método: ao
matemático, o espírito geométrico; ao físico, o espírito de justeza; aos demais,
o espírito experimental.
No coração há um tipo de
inteligência distinto da razão. [Esta assertiva vem explorada no século XX sob
o nome de “inteligência emocional”]. O coração tem suas razões que a razão
desconhece. O coração – e não a razão – é que sente deus. Conhecemos a verdade
não só pela razão como também pelo coração. O espírito tem sua ordem própria; o
coração também. O conhecimento é obtido: (i) mediante operação discursiva ou
demonstrativa a partir de premissas (raciocínio); (ii) diretamente pela
intuição e pela fé (revelação). A incerteza cobre tudo. A distância entre deus
e o homem é insuperável. Zombar da filosofia é na verdade filosofar. Argumento
próprio prevalece sobre argumento alheio. Eloqüência
é pintura do pensamento, convence pela doçura e não pela autoridade, mas quando
contínua, aborrece. A beleza do discurso é insuficiente, pois é preciso que
seja adequado ao assunto e não tornar grande o que é pequeno e vice-versa.
Necessário conhecer a si mesmo. Se isto não servir para levar à verdade, servirá
ao menos para regular a vida. A imaginação de tudo dispõe: cria a beleza, a
justiça e a felicidade, que é tudo no mundo. Os encantos da novidade podem
enganar. A justiça e a verdade são duas pontas tão sutis que nossos instrumentos
se mostram grosseiros para tocá-las com precisão. Os homens são como as
crianças que têm medo de careta. Dizem como as crianças: “este cão é meu”, “este
é o meu lugar ao sol”. Meu, teu: eis
o começo e a imagem da usurpação de toda a terra.
O hábito é a nossa
natureza. As coisas são falsas ou verdadeiras de acordo com o ângulo pelo qual
as vemos (relativismo). A vontade escolhe o ângulo que mais aprecia. Mudamos
com a passagem do tempo. Os amigos do passado distante não são os mesmos. Assim
também os amores. Olhamos as coisas com outros olhos. Todos os prazeres não
passam de vaidades. Nossos males são infinitos. A morte é certa. Não sei de
onde venho nem para onde vou. Encantamento incompreensível no homem: sensibilidade
para as menores coisas e insensibilidade para as maiores. O homem só aprecia o
que lhe é útil. A religião não oferece certeza, no entanto, muitas coisas são
feitas na incerteza. Os efeitos são como que sensíveis enquanto as causas são
apenas visíveis ao espírito. Máxima geral: siga
cada um os costumes do seu país. A arte de subverter o Estado consiste em
abalar os costumes estabelecidos, sondando-os até em sua fonte para apontar a
sua necessidade de justiça. As leis fundamentais mudam. O direito tem suas
épocas. Justiça estranha esta que um rio limita: verdade aquém dos Pirineus, erro além dos Pirineus. Nada é justo em
si mesmo. Tudo se abala com o tempo. A justiça sem a força é impotente. A força
sem a justiça é tirânica. O costume é seguido por ser costume e não por ser
razoável ou justo. Para dirigir um barco não se escolhe o mais nobre dos
viajantes e sim o mais apto a pilotar. Para governar um país escolhe-se o mais
hábil e virtuoso. A tirania consiste no desejo de dominação universal e fora de
ordem. O poder dos reis se funda mais na loucura do povo do que na razão.
Instinto e razão marcam a
dupla natureza humana. Sem pensamento o homem seria pedra ou animal. O
pensamento faz a grandeza do homem. Este não passa de um caniço, o mais fraco
da natureza, mas é um caniço pensante. Aspira à verdade e acha apenas
incertezas; procura a felicidade e encontra apenas miséria e morte. Trabalhar
para bem pensar é princípio ético. Pelos atos comuns mede-se a virtude de um
homem. A memória é necessária a todas as operações da razão. A desigualdade entre
os homens é necessária. O homem sente-se feliz apenas quando recebe a estima
dos seus semelhantes. Para ser feliz, o homem recorre a todos os meios ao seu
alcance. Não é bom ser livre em demasia, nem ter todas as necessidades. Todas
as boas máximas estão no mundo, só nos falta aplicá-las. O homem sem deus está
na ignorância de tudo e numa desgraça inevitável, pois é uma infelicidade
querer e não poder. [Pascal cita o Eclesiastes].
Somente deus é o verdadeiro bem. Pela graça
o homem se aproxima de deus e participa da sua divindade. Só a religião cristã
consegue afastar as duas fontes de todos os vícios: o orgulho e a preguiça.
Existem três ordens de coisas: (1) a carne, objeto do prazer dos ricos e dos
reis; (2) o espírito, objeto do prazer dos curiosos e dos instruídos; (3) a
vontade, objeto do prazer dos sábios. Desses três tipos de concupiscência
saíram três seitas e os filósofos nada fizeram a não ser seguir uma delas.
Existem apenas dois tipos de homens: os justos que se imaginam pecadores e os
pecadores que se imaginam justos. Há um deus que os homens são capazes de
alcançar e há uma corrupção na natureza que os faz indignos. Os fracos conhecem
a verdade, mas só a mantêm de acordo com o seu interesse; fora disto,
desprezam-na.
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