EUROPA (1600 a
1800). Continuação.
O fortalecimento dos reis
com os impérios coloniais e a política mercantilista que facilitaram a formação
de exércitos permanentes e bem equipados tirou as cores e o encantamento do
altar pontifical e do trono imperial. À margem do imperador, os reis receberam
apoio de banqueiros, mercadores e manufatureiros que ainda não tinham condições
de defender seus negócios com recursos próprios. Por outro lado, a revolução
protestante quebrou a unidade da igreja cristã, aboliu a suserania do papa
sobre os governantes seculares, incitou o nacionalismo e encorajou os reis da
Europa Setentrional a estenderem sua autoridade sobre os negócios civis e
religiosos. O terreno ficou bem adubado para o absolutismo dos reis nos séculos
XVI a XVIII, encorajado por fatores econômicos e sociais e animado pelas idéias
de um grupo de juristas e filósofos. A discórdia e a confusão reinantes em
França (potência européia da época) alimentaram a idéia de ordem defendida por esse grupo de pensadores como o bem supremo da
sociedade. Esses doutrinadores afirmavam que o rei governava por direito divino
e devia ser obedecido cegamente; que na defesa do bem comum o rei não estava
submetido a regras de moralidade. Maquiavel antecipara essas idéias e os
pensadores deste período insistiram na sua adoção pelos governantes dos grandes
Estados nacionais, embora alguns atenuassem o rigor absolutista fazendo uma
distinção entre governo absoluto
(respeita as leis fundamentais do reino) e governo
arbitrário (sem freios jurídicos e morais). Havia defensores: (1) do
direito de resistência ao soberano arbitrário; (2) da ilicitude criminosa de
qualquer resistência, ainda que o soberano fosse arbitrário; (3) da licitude da
resistência quando o soberano ordenasse contra deus. Conflito de idéias é comum
entre os doutrinadores.
Na Inglaterra, Henrique
VII, que subiu ao trono em 1485, quando terminou a guerra das duas rosas, dá início à dinastia Tudor. A classe dos
comuns estava insatisfeita com a anarquia gerada por essa guerra no seio da classe
dos nobres. Regozijaram-se com a fundação da monarquia. Essa dinastia
aproveitou-se disso para: (1) orientar a consciência dos súditos {o monarca
torna-se chefe da igreja anglicana}; (2) submeter os súditos, à vontade
soberana do rei. Os mais célebres monarcas dessa dinastia foram Henrique VIII (1509 a 1547) e Elizabeth (1558 a 1603). Jaime VI, da
Escócia, sucede sua prima Elizabeth no trono inglês com o nome de Jaime I e
inaugura a dinastia Stuart. Com amparo na doutrina, esse rei defende o direito
divino de governar e o faz de modo arbitrário provocando descontentamento. Os
barões invocavam as garantias expressas na Magna Carta. Carlos I, ao suceder o
pai no trono, herda aquele descontentamento popular (1625). Ante a recusa do
Parlamento de liberar mais verbas para as despesas da guerra com a França, esse
monarca toma empréstimos compulsoriamente dos súditos, obriga-os a aquartelar
soldados em suas casas, prende pessoas sem o devido processo jurídico. O
Parlamento reage e obriga o rei a prover petição de direitos (bill of rights) pela qual se declarava a
ilegalidade: (1) de tributos não votados pelo Parlamento; (2) do aquartelamento
de soldados em casas particulares; (3) da prisão de qualquer pessoa sem o
devido processo jurídico; (4) da instauração de lei marcial em tempo de paz
(1628). O monarca inglês insiste nas arbitrariedades e abusa do poder de
tributar. Na chefia da igreja anglicana, ele desagrada aos calvinistas ingleses
e escoceses. O Parlamento reage e declara sem efeito a tributação naval baixada
sem o seu consentimento, extingue os tribunais de exceção, prende os principais
auxiliares do rei, proíbe o monarca de dissolver o Parlamento, exige a
convocação das sessões parlamentares de três em três anos pelo menos. Em
represália, o rei invade a Câmara dos Comuns e expulsa os parlamentares.
Irrompe o conflito. Ambos os lados reúnem tropas e iniciam a guerra civil (1642 a 1649). O rei tem o
apoio de alguns nobres, latifundiários, católicos e anglicanos. O Parlamento
tem apoio dos pequenos proprietários de terra, dos comerciantes,
manufatureiros, puritanos e presbiterianos. O rei é derrotado. No Parlamento há
dissensão sobre os poderes do monarca e a tolerância religiosa. O rei
aproveita-se da discórdia parlamentar e recomeça a guerra (1648). Novamente sai
derrotado. Oliver Cromwell comanda as forças do Parlamento. Afastados os
presbiterianos da Câmara dos Comuns, os parlamentares restantes acabaram com a
monarquia e instauraram a república. Redefiniram o crime de traição nele
incluindo os agravos praticados pelo monarca. Instalou-se uma Alta Corte de
Justiça que julgou e condenou o monarca. Carlos foi decapitado (1649).
Aboliu-se a Câmara dos Lordes. A Inglaterra torna-se uma república oligárquica.
A revolução puritana remodelou o sistema político inglês que recebe a
denominação de Commonwealth
(comunidade governada pelo povo). A função que era do rei foi exercida por um
Conselho de Estado composto de 41 membros. Apoiado pelo exército, Cromwell
dominou o Parlamento e o Conselho de Estado. Alegando abuso dos legisladores,
Cromwell os dispersa e instaura a ditadura (1653). A nova Constituição
denominada Instrumento de Governo foi
escrita pelos oficiais do exército. Cromwell recebe o título de Lorde Protetor.
O seu cargo ficou hereditário. Cromwell afirma que a sua autoridade emana de
deus. Tanto o Commonwealth como o
Protetorado não tiveram o apoio e a simpatia de grande parte da nação inglesa.
Com a morte de Cromwell em 1658, sucede-lhe o filho Ricardo, que não se sustentou
no governo. O Parlamento convida Carlos II para assumir o trono da Inglaterra (1660 a 1685). O novo rei
jurou respeitar o Parlamento, a Magna Carta e a Petição de Direitos. Iniciou a
restauração e foi sucedido pelo irmão católico Jaime II, que ameaça o governo
protestante (1688 a
1689). Em oposição a isto, um grupo de políticos oferece o trono inglês ao
monarca holandês Guilherme de Orange e a sua esposa Maria, filha mais velha de
Jaime II. O holandês aceitou o convite e entrou em Londres com seu exército sem
disparar um único tiro. Jaime refugia-se na França. O Parlamento declara vago o
trono e entrega a coroa aos novos soberanos. O Parlamento expede lei protegendo
a si próprio e aos ingleses contra a intromissão da Coroa; concede liberdade
religiosa aos cristãos, exceto aos católicos e unitaristas. O Bill of Rights ganha status de lei (1689). O triunfo do
Parlamento colocou fim tanto à república como à monarquia absoluta na
Inglaterra. A teoria do direito divino dos reis é rejeitada definitivamente. Guilherme
e Maria recebem os seus poderes do Parlamento e não de deus. O Parlamento
promulga o Act of Settlement, que lhe
dá autoridade para determinar quem será o rei (1701). Em disposição
transitória, o Parlamento declara que após a morte de Ana, filha mais moça de
Maria, a coroa caberá a Sofia de Hanover ou a qualquer dos seus herdeiros que
fosse protestante {a casa de Hanover assumiu o trono e nele permanece até
hoje}. A revolução puritana serviu de paradigma para as revoluções americana e
francesa do século XVIII. A derrota do absolutismo na Inglaterra inspirou
outros povos a lhe seguir o exemplo. Pensadores como Voltaire, Jefferson e
Paine, defenderam a idéia de governo limitado. Parte do Bill of Rights foi incorporada pela declaração de direitos francesa
e pelas primeiras dez emendas da Constituição estadunidense.
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