sexta-feira, 22 de agosto de 2014

FILOSOFIA XIII - 19



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

René Descartes, filósofo francês nascido em 1596, foi um dos expoentes da revolução intelectual. Ele iniciou o movimento denominado racionalismo ao se dedicar à Filosofia, à Matemática, à Física, à Anatomia e à Fisiologia. Os filósofos dessa corrente do pensamento contemplam o universo como um mecanismo. Diferente do deus da religião, o deus do filósofo é visto como o primeiro motor do universo cuja força impulsiona tudo que nele existe. Na definição de Descartes, deus é uma substância infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente, criadora de todas as coisas. Natureza significa a ordem e a disposição que deus estabeleceu nas coisas criadas. Espírito e matéria se distinguem. O espírito é a substância implantada por deus no corpo do homem. Segundo Descartes, a alma (espírito) tem a sua principal sede na diminuta glândula localizada no centro do cérebro (pineal). As verdades evidentes por si mesmas são inerentes ao espírito; são idéias inatas contidas no aparelho mental; portanto, não derivam dos sentidos. A razão é a fonte única do conhecimento. {A revelação é rejeitada como fonte do conhecimento}. Os erros e acertos decorrem do modo como o livre arbítrio e a vontade são exercidos. Ao se questionar sobre a sua própria existência, Descartes percebeu que o fato de duvidar implicava na certeza e evidência de que ele existia. Compreendeu, então, que ele era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar; que para ser, ele não necessitava de lugar algum nem dependia de qualquer coisa material; que esse eu – a alma, pela qual ele era o que era – é completamente distinta do corpo. No argumento: eu penso; logo, eu existo, ele não via verdade alguma além da certeza de que para pensar é preciso existir. Concluiu que poderia tomar como geral a seguinte regra: as coisas que concebemos mui clara e distintamente são verdadeiras. Admitia alguma dificuldade apenas em notar quais as coisas que concebemos distintamente. [O ponto de partida “penso, logo existo” supõe autoconsciência. Abolida esta, não haverá ponto de partida, ponderou David Hume]. Entre as obras de Descartes constam: “Geometria”, “Discurso do Método”, “Meditações” e “Princípios da Filosofia”. Ele viajou à Suécia para ensinar filosofia à rainha Cristina. As aulas começavam às cinco horas da manhã. Quiçá pelo rigor do inverno escandinavo, o filósofo adoeceu e morreu (1650).

Segundo Descartes, há finalidade prática na Filosofia: conhecer para o bem-estar da humanidade (utilitarismo). Discrepa da vulgar zombaria segundo a qual “Filosofia é a ciência com a qual ou sem a qual o mundo resta tal e qual”. Na opinião de Karl Marx, cabia aos filósofos transformar o mundo e não apenas explica-lo. Na Filosofia, há sempre alguém para sustentar as teses mais absurdas, dizia Descartes. Então, ele decide resolver por si mesmo questões postas pelos filósofos. Para tanto, apela aos preceitos que os geômetras costumam utilizar para chegar às suas mais difíceis demonstrações: (1) nunca aceitar algo como verdadeiro que ele não conhecesse claramente como tal, ou seja, evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção e só fazer constar dos seus juízos o que se apresentasse tão clara e distintamente ao seu espírito que ele não tivesse motivo algum para duvidar; (2) dividir cada uma das dificuldades sob sua análise em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor soluciona-las; (3) conduzir por ordem os seus pensamentos iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, elevar-se pouco a pouco, galgando degraus até o conhecimento dos mais compostos e presumindo uma ordem até mesmo entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros; (4) efetuar em toda parte relações metódicas completas e revisões gerais que lhe dessem a certeza de nada omitir. Tudo se explica em virtude da extensão (existência dos corpos) e do movimento (existência do tempo e do espaço). O nada não produz coisa alguma. A causa primeira contém em si a realidade dos seus efeitos. A alma independe do corpo e é imortal por não estar sujeita às forças destrutivas da matéria. Na busca do conhecimento, Descartes recomenda a seguinte ordem: (1) encontrar os princípios, ou causas primeiras, de tudo quanto existe ou pode existir no mundo, sem nada considerar para tal fim, senão deus que o criou, nem tira-las de outra parte, salvo de certas sementes de verdade que existem naturalmente em nossas almas; (2) examinar quais são os primeiros e os mais comuns efeitos que se podem deduzir dessas causas (céu, terra, água, ar, fogo e outras coisas que são as mais simples e triviais de todas e mais fáceis de conhecer); (3) buscar causas a partir desses efeitos cuja infinidade dificulta a especificação e exige esforço de abstração.         

Cientistas atuais consideram estreita a base do pensamento cartesiano, insuficiente para explicar os fenômenos físicos. Afirmam que o método cartesiano é redutivo e não indutivo; que não há fenômeno simples, pois todo fenômeno é um tecido de relações; que não há substância simples, pois toda substância é uma contextura de atributos; que não há idéia simples, pois toda idéia para ser compreendida deve estar inserida em um conjunto de pensamentos e experiências.

No que tange à Ética, Descartes concebeu para si mesmo as seguintes máximas: (1) respeitar leis e costumes do país em que vive; (2) manter-se fiel à religião; (3) conduzir-se com as opiniões mais moderadas e mais distantes do excesso e que fossem comumente aceitas pelos mais sensatos daqueles com os quais convivemos; (4) ser firme e decidido o mais possível em suas ações; (5) vencer antes a si mesmo do que ao destino; (6) modificar antes os seus desejos do que a ordem no mundo; (7) acreditar habitualmente que nada existe que esteja por completo em nosso poder, salvo os nossos pensamentos. Ele acreditava que deus concedera a cada um de nós alguma luz para diferenciar o verdadeiro do falso, motivo pelo qual devemos chegar às nossas próprias opiniões antes de aceitar as alheias. Os sentidos e a imaginação nada podem garantir sem o auxílio do juízo. O poder de julgar (formular juízos) de modo correto e discernir entre o verdadeiro e o falso, denominado razão ou bom senso, é igual em todos os homens. A diversidade de opiniões não resulta de serem uns mais racionais do que outros e sim de trilharem caminhos distintos e considerarem coisas distintas. Os dados advindos dos sentidos são incertos e por isso devem ser postos em dúvida. Estímulos internos e externos provocam o comportamento dos animais.  

A força da alma é insuficiente sem o conhecimento da verdade. Não há alma tão fraca que não possa – sendo bem orientada – adquirir poder absoluto sobre suas paixões. Estas se resumem em: admiração, alegria, amor, desejo, ódio e tristeza. Destas seis, derivam as demais paixões. Admiração é repentina surpresa da alma que a faz apreciar os objetos que lhe parecem raros e extraordinários. Alegria é agradável emoção da alma; consiste no gozo que ela desfruta do bem que as impressões do cérebro lhe representam como seu. Amor é emoção da alma que tem causa no movimento espiritual que impele o sujeito a se unir espontaneamente ao objeto que lhe parece útil. Desejo é agitação da alma provocada pelos espíritos que a tornam propensa a querer para o futuro as coisas que lhe parecem vantajosas. Ódio é emoção da alma que tem como causa os espíritos que a impelem separar-se dos objetos que se lhe afiguram prejudiciais. Tristeza é languidez desagradável; consiste na indisposição da alma provocada pelo mal que as impressões do cérebro lhe representam como seu. A toda paixão corresponde algum movimento específico dos olhos. {“Os olhos são o espelho da alma”}. O exercício da virtude é excelente antídoto às paixões. A generosidade é excelente remédio contra os excessos da cólera. Todo o bem e todo o mal desta vida derivam das paixões.

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