segunda-feira, 18 de agosto de 2014

FILOSOFIA XIII - 17



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

A Rússia era um país oriental: religião, calendário e alfabeto copiados da cultura bizantina. Alguns dos seus povos mesclavam-se com a linhagem tártara. Pedro, O Grande, conseguiu imprimir um caráter ocidental ao seu reino, inclusive no vestuário, desprezando os costumes antigos (1682 a 1725). Aos membros da Corte ele obrigou o uso do tabaco e do rosto escanhoado (sem barba). Aboliu todos os traços de autonomia local e adotou uma política nacional. Aniquilou a autoridade do patriarca da igreja ortodoxa passando os negócios religiosos para um Sínodo Sagrado sob o seu controle. Pedro transferiu a capital de Moscou para São Petersburgo e conquistou territórios ao longo do Mar Báltico para ter “janelas para o Ocidente”. Decapitou inúmeras pessoas acusadas de conspirar contra o seu governo. Depois de Pedro, destacou-se Catarina II, a Grande (1762 a 1796). Princesa alemã (Sofia de Anhalt-Zerbst), Catarina casou-se com o futuro czar Pedro III, de cujo assassinato foi cúmplice. No rastro de Pedro, o Grande, ela introduziu idéias ocidentais e tornou a Rússia uma formidável potência européia. Sufocou a revolta de Pugashev (1774). Anexou a Criméia (península no sul da Ucrânia, 1783). Obteve o maior quinhão na partilha da Polônia (1792). Dominou a costa norte do Mar Negro. Tomou terras dos camponeses e as entregou aos seus favoritos. Fundou hospitais e orfanatos. Outorgou Carta Constitucional privilegiando a realeza e a nobreza (1785). Considerava-se adepta do iluminismo e se correspondia com filósofos franceses, especialmente com Voltaire.

Jean Bodin, francês culto, professor, jurista, filósofo, introduziu o termo soberania no vocabulário jurídico e político (1530 a 1596). No livro intitulado “República”, ele expõe o conceito de soberania: poder supremo sobre o povo sem restrições determinadas por leis. Esse poder é perpétuo, absoluto, inalienável e indivisível, cuja função primordial é a de ditar e anular leis. Na opinião dele, o governante estava submetido somente às leis de deus, o que implicava respeitar o direito sagrado da família e da propriedade (questão jurídica) e os tratados que assinava (questão moral). Negava o direito de qualquer órgão legislativo limitar o poder do monarca, pois quem governa não pode se submeter às ordens de outrem. Definiu república como o reto e soberano governo de vários lares e do que lhes é comum. O Estado deriva da família patriarcal. Assim, a relação do soberano com os súditos assemelha-se à relação do pai com os filhos: autoridade incontestável. O reto governo significa obediência do monarca às leis divinas, às leis naturais, às leis humanas que forem comuns a todos os povos e às leis fundamentais do reino (lei de sucessão ao trono, lei de inalienabilidade do domínio e lei do consentimento do povo ao tributo). A origem do Estado não é um contrato e sim um fato social pacífico ou violento. Direitos individuais não podem se contrapor aos interesses do governo e aos fins do Estado. Bodin exaltava a monarquia: um só indivíduo deve ser o titular da soberania; esta não deve pertencer ao povo (democracia), nem a uma parcela do povo (aristocracia). A revolução devia ser evitada porque destrói a estabilidade necessária ao progresso social. Bodin foi apelidado de “O Promotor do Diabo” pela perseguição empreendida contra as mulheres classificadas como feiticeiras.

Hugo de Groot (Grotius), holandês, filósofo, escritor, calvinista heterodoxo, foi outro defensor do absolutismo (1583 a 1645). Vivendo no tempo da luta religiosa em França, da revolta dos holandeses e da guerra dos 30 anos, esse pensador sentiu a necessidade de um conjunto de leis que orientasse as relações entre os Estados dentro de um padrão racional e ordeiro. Em sua principal obra intitulada “Do Direito de Guerra e Paz”, ele defende a vigência dos princípios de justiça e moralidade nas relações entre os Estados. Alguns desses princípios ele retirou do jus gentium romano e do direito natural vigente na Idade Média. Todo Estado independente deve ser tratado como soberano, sem consideração do seu tamanho {o território da Holanda, seu país natal, era pequeno se comparado ao da França, da Espanha, da Áustria, da Inglaterra ou da Rússia}. Os Estados são titulares dos mesmos direitos. [Igualdade jurídica de todos os Estados, tese defendida mais tarde por Ruy Barbosa na II Conferência de Paz realizada na cidade holandesa de Haia em 1907]. Segundo Grotius, só autoridade despótica preserva a ordem interna. Na origem do Estado, o povo submeteu-se, voluntária ou compulsoriamente, a um governante a quem deve obedecer cegamente. Assim como o homem livre pode tornar-se escravo de quem quiser (cessão gratuita ou onerosa da liberdade), um povo livre também pode transferir a uma pessoa todos os seus direitos sem reserva alguma. Nem sempre o governo é estabelecido em favor dos governados. Somente na hipótese de o monarca se tornar um tirano é que a resistência ativa do povo será legítima.

[Jean-Jacques Rousseau, em seu livro “Do Contrato Social”, faz severa crítica a Grotius. “Todos podem ver nos capítulos III e IV, do primeiro livro de Grotius, como esse sábio e o seu tradutor Barbeyrac confundem-se, embaraçam-se em seus sofismas por medo de dizer demais sobre o assunto ou de não dizer o bastante segundo os seus pontos de vista, fazendo colidir os interesses que pretendiam conciliar. Grotius, refugiado em França, descontente com a sua pátria e desejando agradar a Luis XIII, a quem seu livro é dedicado, nada poupa para despojar os povos de todos os seus direitos e para deles revestir os reis, com a melhor arte possível”. Arremata dizendo que se Grotius não tivesse aquela preocupação de bajular o rei de França, teria dito a verdade e cortejaria somente o povo. Acontece que “a verdade não leva à fortuna e o povo não dá embaixadas, cátedras ou pensões”].

Grotius rejuvenesce a teoria do direito natural, porém com base na natureza humana (fonte racional e social do direito) e não mais na teologia (fonte divina do direito). “A mãe do direito natural é a própria natureza que nos impele a buscar comércio com nossos semelhantes mesmo que deles nada necessitássemos”. [Sociabilidade natural da espécie humana; pendor para a comunhão de vida ordenada segundo as luzes da razão]. A conduta é moralmente honesta ou desonesta segundo a necessária conveniência ou inconveniência que ela tem com uma natureza racional e social. Agir honestamente, respeitar o bem alheio, reparar o dano causado a terceiros, manter a palavra empenhada (pacta sunt servanda), são regras do direito natural, reflexo da estrutura racional do ser humano, princípios evidentes por si mesmos que viabilizam a paz entre os homens e entre os Estados. A beligerância entre os Estados não deve ser vista como normal e há de ser regulamentada pelo direito natural e por regras válidas universalmente postas pelos Estados com vigência internacional (mesmo na guerra, os homens não devem abdicar do uso da razão). Na definição de Grotius, o Estado é um “corpo perfeito de pessoas livres que se juntaram no propósito de gozar tranquilamente dos seus direitos com os olhos postos na utilidade comum”.   

Thomas Hobbes foi outro apóstolo do governo absoluto (1588 a 1679). Vivendo a revolução puritana na Inglaterra, ele almejava o retorno da monarquia. Na opinião dele, a aristocracia e a democracia não produziam bons frutos. O poder soberano é monolítico. Hobbes não fazia distinção entre sede e exercício da soberania. Durante o conflito entre o monarca e o Parlamento, Hobbes se exila na França (1640 a 1652). Puritano foi o nome do movimento de algumas seitas que se distinguiram dos presbiterianos e que extirparam do seu seio todos os vestígios papistas. {A idéia era purificar a igreja anglicana do espírito de compromisso com a igreja romana}. Muitos membros da Câmara dos Comuns eram puritanos. Em decorrência disto, a divergência transitou da esfera religiosa para a esfera política e daí para a guerra civil na qual Oliver Cromwell foi o grande personagem. Em Paris, Hobbes publica o livro De Cive (“Do Cidadão”) no mesmo ano em que estoura a guerra civil na Inglaterra (1642).  

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