sábado, 30 de agosto de 2014

FILOSOFIA XIII - 22



EUROPA (1600 a 1800). Continuação.

Na opinião de Voltaire, o homem comum é rústico, sem possibilidade de salvação dada a sua ignorância e grosseria. [Naquela época, poucos sabiam ler e escrever, poucos tinham boa educação, muitos reagiam com rispidez às dificuldades sociais e econômicas]. D´Alambert, autor do texto introdutório da “Enciclopédia”, afirmava que a única garantia de progresso era universalizar o conhecimento. Os resultados do trabalho intelectual em geral e da ciência em particular deviam ser ensinados às massas populares com o propósito de livrar o mundo da ignorância e da tirania. Helvetius e Holbach eram extremados no sensualismo, materialismo e mecanicismo. Todas as faculdades mentais, na opinião deles, têm base na percepção sensorial. Nada existe além da substância física. Animais racionais e irracionais diferem entre si apenas no grau de complexidade. Não há utilidade prática na fé em deus ou em prêmios e castigos após a morte. Tal fé não serve como explicação do mundo, nem como base de boa conduta. De acordo com Helvetius, a moralidade se alicerça no interesse próprio oriundo do desejo de prazer e da fuga à dor. O temor da represália freia as maldosas intenções dos homens. De acordo com Holbach, o universo é matéria em perpétuo movimento que nunca teve começo e jamais terá fim. Na Alemanha, o filósofo Gotthold Lessing enfatizava a tolerância. Nenhuma religião tem o monopólio da verdade. As grandes religiões do mundo são passos na evolução espiritual da humanidade. Moisés Mendelssohn (1729 a 1786), filósofo judeu, discípulo de Lessing, incitava os judeus a renunciarem à idéia de ser o povo eleito de deus. O judaísmo era apenas uma das boas religiões do mundo. Os judeus deviam renunciar ao seu exclusivismo, cessar o anseio pela volta a Sion, adaptar-se às exigências cívicas dos países em que viviam. [Voltaram à Palestina em 1948, com o beneplácito da ONU, para desgraça dos palestinos e para o constante sobressalto das nações].

David Hume (1711 a 1776), escocês, filósofo, era empirista no que tange à fonte do conhecimento, cético no que tange à metafísica e utilitarista no que tange às questões morais e políticas. Entre as suas obras contam-se: “Investigação Acerca do Entendimento Humano”, “Ensaios Morais e Políticos”, “Investigação sobre os Princípios da Moral” e “História da Inglaterra”. Na opinião dele, o homem conhece as coisas através das impressões e das idéias (representações produzidas pela memória e pela imaginação). As idéias podem ser associadas umas às outras por semelhança, contigüidade (espacial e temporal) e causalidade. O calor é associado ao fogo e o alimento ao pão. Nada mais podemos saber além daquilo que é trazido pelos sentidos (empirismo psicológico). Toda idéia é apenas cópia da impressão sensorial. Nenhuma certeza provém da especulação sobre as causas finais, natureza das coisas, origem do universo, existência de deus e imortalidade da alma (ceticismo metafísico). Todas as conclusões estranhas à experiência real emanam dos sentimentos, dos desejos, das necessidades e dos temores animais. As palavras têm significação apenas quando se referem aos fatos concretos. A metafísica é um grande jogo de palavras. O conteúdo do conhecimento é relação entre idéias (a idéia de triângulo atrai a idéia de igualdade dos ângulos; a idéia de movimento atrai as idéias de espaço e tempo). Causa e efeito são idéias que resultam da crença e não do processo intelectual da inferência lógica. Ao ver cair um copo de vidro, o observador acredita que o copo quebrará. A base desta crença é a lição da experiência. O hábito mental transfere para o futuro o evento que no passado se mostrou regular e uniforme. [No citado exemplo, a causa imediata do resultado seria a queda; a causa remota seria o impulso que derrubou o copo. Após a queda, o copo pode permanecer íntegro. Esta possibilidade é viável, ainda mais se a superfície do pouso for macia e maleável como areia].

A probabilidade é esse jogo de possibilidades viáveis e distintas. Além de mencionar o jogo de dados, Hume cita o exemplo da geada que pode ocorrer no mês de janeiro em alguns países europeus. Entre a possibilidade de ocorrer e a possibilidade de não ocorrer, a probabilidade é a de que a geada aconteça. Ante o maior número de ocorrências do mesmo evento no passado (geada), a inteligência conclui que haverá repetição no futuro (geada). O filósofo ilustra ainda a sua idéia com a pedra que esquenta (impressão tátil) porque os raios do sol incidem sobre ela (impressão visual). O porquê é o elo entre as duas impressões distintas. A associação mental leva a crer na causalidade. A crença não se confunde com a operação lógica de deduzir. Enquanto impressão sensível, a causalidade é apenas uma sucessão no tempo entre o anterior e o posterior vistos como elos de uma vinculação necessária (uma crença gerada pela ação do hábito sobre a imaginação). No mundo natural, há uma conexão necessária entre a causa e o efeito. A ciência da natureza responde a uma íntima necessidade humana de colocar ordem nas coisas {impulso decorrente da organização natural do próprio corpo humano}. A necessidade consiste na conjunção constante de objetos semelhantes ou – o que essencialmente é a mesma coisa – consiste na inferência que o entendimento faz de um objeto a outro. A conjunção regular entre objetos produz a inferência no entendimento. As idéias de necessidade e de causalidade surgem da uniformidade e constância verificadas nas operações da natureza. Se o processo natural fosse de mudanças contínuas os homens não teriam chegado às idéias de conexão, necessidade e causalidade. Há grande uniformidade nas ações humanas em todas as nações e em todas as épocas. A natureza humana sempre permanece igual em seus princípios e em suas operações. [O acaso parece romper com a uniformidade e a probabilidade, porém, na visão de Hume, trata-se de palavra que não designa qualquer força da natureza. No século XX, o acaso freqüenta a filosofia e a física nuclear].

O fundamento da moral está no sentimento e não na razão, segundo Hume. Cada indivíduo produz sentimentos que influem na conduta de modo constante. Assim como não há idéias inatas, também não há verdades eternas que possam fundamentar a moral. A maior dificuldade ao entendimento nas ciências morais está na obscuridade das idéias e na ambigüidade dos termos. Inexiste um bem supremo a que se deva conformar a conduta humana. A norma de conduta qualifica-se de moral quando aprovada pela comunidade humana por ser útil ou proporcionar prazer. A norma é útil quando visa a um fim aceito como bom pela sociedade. A justiça e a benevolência são qualidades morais. Direito é justiça institucionalizada. Governo útil aos governados é moralmente legítimo. Honestidade e sinceridade são virtudes úteis. Coragem, alegria, modéstia, boas maneiras, são virtudes que repousam no prazer ou na conveniência. A liberdade humana consiste no poder de agir ou de não agir segundo as determinações da vontade. A necessidade e a liberdade são idéias compatíveis uma com a outra e ambas são essenciais à moral. As conseqüências de uma opinião não a inquinam de falsa ou verdadeira. A opinião não se considera falsa apenas porque é perigosa para a moral ou para a religião. A quem faltar discernimento não se pode imputar culpa nem impor castigo. [A lei isenta de pena o doente mental, a criança e o adolescente]. Não se pode exigir credibilidade ou veracidade de quem estiver privado da liberdade. O testemunho humano se mostra veraz quando em sintonia com aquilo que ordinariamente acontece. O relato de fato excepcional merece cuidadosa investigação antes de ser aceito ou rejeitado (tirar água de pedra, andar sobre águas fundas sem qualquer acessório e sem afundar, homem que voa sem veículo algum, milagres em geral). David Hume acreditava que a base da crença religiosa estava nos impulsos emotivos do coração humano. Certa vez, em uma entrevista, Hume assim se manifestou: “Depois que comecei a ler Locke e Clark, nunca mais nutri qualquer crença pela religião” (julho de 1776).

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