EUROPA (1600
a 1800). Continuação.
Na opinião de Voltaire, o
homem comum é rústico, sem possibilidade de salvação dada a sua ignorância e
grosseria. [Naquela época, poucos sabiam ler e escrever, poucos tinham boa
educação, muitos reagiam com rispidez às dificuldades sociais e econômicas].
D´Alambert, autor do texto introdutório da “Enciclopédia”, afirmava que a única
garantia de progresso era universalizar o conhecimento. Os resultados do
trabalho intelectual em geral e da ciência em particular deviam ser ensinados
às massas populares com o propósito de livrar o mundo da ignorância e da
tirania. Helvetius e Holbach eram extremados no sensualismo, materialismo e
mecanicismo. Todas as faculdades mentais, na opinião deles, têm base na
percepção sensorial. Nada existe além da substância física. Animais racionais e
irracionais diferem entre si apenas no grau de complexidade. Não há utilidade
prática na fé em deus ou em prêmios e castigos após a morte. Tal fé não serve
como explicação do mundo, nem como base de boa conduta. De acordo com
Helvetius, a moralidade se alicerça no interesse próprio oriundo do desejo de
prazer e da fuga à dor. O temor da represália freia as maldosas intenções dos
homens. De acordo com Holbach, o universo é matéria em perpétuo movimento que
nunca teve começo e jamais terá fim. Na Alemanha, o filósofo Gotthold Lessing
enfatizava a tolerância. Nenhuma
religião tem o monopólio da verdade. As grandes religiões do mundo são passos
na evolução espiritual da humanidade. Moisés Mendelssohn (1729 a 1786), filósofo
judeu, discípulo de Lessing, incitava os judeus a renunciarem à idéia de ser o
povo eleito de deus. O judaísmo era apenas uma das boas religiões do mundo. Os
judeus deviam renunciar ao seu exclusivismo, cessar o anseio pela volta a Sion,
adaptar-se às exigências cívicas dos países em que viviam. [Voltaram à
Palestina em 1948, com o beneplácito da ONU, para desgraça dos palestinos e
para o constante sobressalto das nações].
David Hume (1711 a 1776), escocês,
filósofo, era empirista no que tange
à fonte do conhecimento, cético no
que tange à metafísica e utilitarista
no que tange às questões morais e políticas. Entre as suas obras contam-se:
“Investigação Acerca do Entendimento Humano”, “Ensaios Morais e Políticos”,
“Investigação sobre os Princípios da Moral” e “História da Inglaterra”. Na
opinião dele, o homem conhece as coisas através das impressões e das idéias
(representações produzidas pela memória e pela imaginação). As idéias podem ser
associadas umas às outras por semelhança,
contigüidade (espacial e temporal) e causalidade. O calor é associado ao fogo
e o alimento ao pão. Nada mais podemos saber além daquilo que é trazido pelos
sentidos (empirismo psicológico).
Toda idéia é apenas cópia da impressão sensorial. Nenhuma certeza provém da
especulação sobre as causas finais, natureza das coisas, origem do universo,
existência de deus e imortalidade da alma (ceticismo
metafísico). Todas as conclusões estranhas à experiência real emanam dos
sentimentos, dos desejos, das necessidades e dos temores animais. As palavras
têm significação apenas quando se referem aos fatos concretos. A metafísica é um grande jogo de palavras.
O conteúdo do conhecimento é relação entre idéias (a idéia de triângulo atrai a
idéia de igualdade dos ângulos; a idéia de movimento atrai as idéias de espaço
e tempo). Causa e efeito são idéias que resultam da crença e não do processo intelectual da inferência lógica. Ao ver
cair um copo de vidro, o observador acredita
que o copo quebrará. A base desta crença é a lição da experiência. O hábito
mental transfere para o futuro o evento que no passado se mostrou regular e
uniforme. [No citado exemplo, a causa
imediata do resultado seria a queda; a causa
remota seria o impulso que derrubou o copo. Após a queda, o copo pode
permanecer íntegro. Esta possibilidade é viável, ainda mais se a superfície do
pouso for macia e maleável como areia].
A probabilidade é esse jogo de possibilidades viáveis e distintas.
Além de mencionar o jogo de dados, Hume cita o exemplo da geada que pode ocorrer
no mês de janeiro em alguns países europeus. Entre a possibilidade de ocorrer e
a possibilidade de não ocorrer, a probabilidade
é a de que a geada aconteça. Ante o maior número de ocorrências do mesmo evento
no passado (geada), a inteligência conclui que haverá repetição no futuro
(geada). O filósofo ilustra ainda a sua idéia com a pedra que esquenta
(impressão tátil) porque os raios do
sol incidem sobre ela (impressão visual). O porquê
é o elo entre as duas impressões distintas. A associação mental leva a crer na
causalidade. A crença não se confunde
com a operação lógica de deduzir.
Enquanto impressão sensível, a causalidade é apenas uma sucessão no tempo entre
o anterior e o posterior vistos como elos de uma vinculação necessária (uma
crença gerada pela ação do hábito sobre a imaginação). No mundo natural, há uma
conexão necessária entre a causa e o efeito. A ciência da natureza responde a
uma íntima necessidade humana de colocar ordem nas coisas {impulso decorrente
da organização natural do próprio corpo humano}. A necessidade consiste na
conjunção constante de objetos semelhantes ou – o que essencialmente é a mesma
coisa – consiste na inferência que o entendimento faz de um objeto a outro. A
conjunção regular entre objetos produz a inferência no entendimento. As idéias
de necessidade e de causalidade surgem da uniformidade e constância verificadas
nas operações da natureza. Se o processo natural fosse de mudanças contínuas os
homens não teriam chegado às idéias de conexão,
necessidade e causalidade. Há grande uniformidade nas ações humanas em todas as
nações e em todas as épocas. A natureza humana sempre permanece igual em seus
princípios e em suas operações. [O acaso
parece romper com a uniformidade e a probabilidade, porém, na visão de Hume,
trata-se de palavra que não designa qualquer força da natureza. No século XX, o
acaso freqüenta a filosofia e a
física nuclear].
O fundamento da moral está no
sentimento e não na razão, segundo Hume. Cada indivíduo produz sentimentos que
influem na conduta de modo constante. Assim como não há idéias inatas, também
não há verdades eternas que possam fundamentar a moral. A maior dificuldade ao
entendimento nas ciências morais está na obscuridade das idéias e na
ambigüidade dos termos. Inexiste um bem supremo a que se deva conformar a
conduta humana. A norma de conduta qualifica-se de moral quando aprovada pela comunidade humana por ser útil ou
proporcionar prazer. A norma é útil quando visa a um fim aceito como bom pela
sociedade. A justiça e a benevolência são qualidades morais. Direito é justiça institucionalizada.
Governo útil aos governados é moralmente legítimo. Honestidade e sinceridade
são virtudes úteis. Coragem, alegria, modéstia, boas maneiras, são virtudes que
repousam no prazer ou na conveniência. A liberdade
humana consiste no poder de agir ou de não agir segundo as determinações da
vontade. A necessidade e a liberdade são idéias compatíveis uma com
a outra e ambas são essenciais à moral. As conseqüências de uma opinião não a
inquinam de falsa ou verdadeira. A opinião não se considera falsa apenas porque
é perigosa para a moral ou para a religião. A quem faltar discernimento não se
pode imputar culpa nem impor castigo. [A lei isenta de pena o doente mental, a
criança e o adolescente]. Não se pode exigir credibilidade ou veracidade de
quem estiver privado da liberdade. O testemunho humano se mostra veraz quando
em sintonia com aquilo que ordinariamente acontece. O relato de fato
excepcional merece cuidadosa investigação antes de ser aceito ou rejeitado (tirar
água de pedra, andar sobre águas fundas sem qualquer acessório e sem afundar,
homem que voa sem veículo algum, milagres em geral). David Hume acreditava que
a base da crença religiosa estava nos impulsos emotivos do coração humano.
Certa vez, em uma entrevista, Hume assim se manifestou: “Depois que comecei a
ler Locke e Clark, nunca mais nutri qualquer crença pela religião” (julho de
1776).
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